A luz viaja a 1.079.252.848,8 km/h no vácuo, mas não preenche o escuro que a Enel fornece a 24 municípios da região metropolitana de São Paulo. Na noite da última quarta-feira, o breu voltou a se instalar em cerca de 300 mil domicílios, muito dos quais ainda amargavam as consequências do apagão do último dia 3. Como desgraça pouca é bobagem, temporais com rajadas de vento estão previstos para este final de semana — um para a Enel, prefeitos e governador, que atribuem às árvores (mal podadas) o papel de vilão da história.
No apagão passado, agentes públicos e privados gastaram mais tempo e energia falando dos problemas do que apresentando soluções. Em meio a um blackout que se entendeu por quase uma semana para milhares de paulistanos, ficou claro (sem trocadilho) que ocorrências dessa natureza farão parte do "novo normal" que nasce do cruzamento da inépcia extrema com o clima irascível. Mas não é só: devido ao forte calor, o consumo de energia elétrica na última semana ultrapassou pela primeira vez, por dois dias consecutivos, a marca de 100 mil MW. Mesmo com os reservatórios das hidrelétricas cheios, o Operador Nacional do Sistema Elétrico precisou acionar as caras e poluentes termelétricas.
Já se vislumbra no horizonte, em meio aos cumulonimbus, mais um aumento na tarifa da energia. Assim, o calor vai aumentar, as tempestades serão mais frequentes e a gente vai pagar mais caro pela energia elétrica que não sabe se vai ter.
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Atribui-se a Otto Von Bismarck a máxima segundo a qual ninguém dormiria tranquilo se soubesse como são feitas as salsichas e as leis (o porquê desta citação de abertura ficará claro ao final da leitura).
Janja da Silva, terceira mulher de Lula, ocupa desde 1º de janeiro o gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto que pertenceu a Micheque de 2019 a 2022. Marisa Letícia exigiu uma sala, mas nunca se soube o que fez ali uma primeira-dama que, em 8 anos no posto, somou quatro declarações públicas. Sabe-se que ela deixava a sala no fim da tarde, entrava sem bater no gabinete de Lula e, com ou sem testemunhas por perto, repetia o comunicado: era hora de o marido voltar para casa.
A agenda e o número de funcionários à disposição de Janja são mantidos em sigilo, mas sabe-se que ali a exigente primeira-dama planeja contratações e demissões, compras de todo tipos e a próxima viagem do casal, bem como transforma em adversário quem ousa se colocar em seu caminho. Figura em sua lista negra o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, por ter obstruído a compra de uma mesa para o Alvorada no valor de R$ 200 mil e por ter vazado para a imprensa a compra do sofá avaliado em R$ 65 mil e da cama de casal orçada em R$ 42 mil.
O encanto mais recente é a preparação do cardápio semanal do Alvorada. Em maio, em busca de "uma variedade maior de sabores e pratos", Janja contratou três chefs para comandar a cozinha da residência oficial da Presidência. Em postagens nas redes sociais, revelou que evita alimentos com glúten e vigia com lupa o menu oferecido ao marido. "Ele precisa alimentar-se de uma forma bem mais saudável", ensinou.
A impaciência com subordinados transborda mesmo com câmeras por perto, como ocorreu em julho, durante a reinauguração do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Lula seguia homenageando os contemplados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, quando madame confiscou um microfone para repreender a funcionária do cerimonial: "Segura um pouco. Ele nem entregou a faixa", ordenou.
A impaciência com subordinados transborda mesmo com câmeras por perto, como ocorreu em julho, durante a reinauguração do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia. Lula seguia homenageando os contemplados com a Ordem Nacional do Mérito Científico, quando madame confiscou um microfone para repreender a funcionária do cerimonial: "Segura um pouco. Ele nem entregou a faixa", ordenou.
No dia da posse, a rainha-consorte ficou na frente do rei. Segurando a cadela Resistência, já estava no alto da rampa do Planalto quando Lula chegou lá. E atribuiu a cena sem precedentes à necessidade de comandar o último ensaio para a entrega da faixa por um grupo de "representantes do povo brasileiro" escolhido por ela própria. Em Washington, meteu-se entre o marido e Joe Biden na hora da foto. Na índia, desembarcou ao lado do marido, juntou as palmas das mãos, recitou a palavra “namastê” e avisou que, se ninguém a segurasse, sairia dançando — mas apagou o vídeo quando foi lembrada de que tanta animação não combinava com as inundações devastadoras em curso no Rio Grande do Sul. Em Delhi, de mãos dadas com Lula, invadiu a área em que os membros do G20 seriam fotografados com o primeiro-ministro Narendra Modi — e estava caprichando na pose quando foi gentilmente convidada pelo anfitrião a juntar-se à plateia. "Lula não largava minha mão", explicou.
Até o casamento, em 2022, o que Janja mais fez — e com exemplar determinação — foi andar atrás de Lula. Começou a segui-lo nos anos 1990, na esteira das "caravanas da cidadania" lideradas pelo petista. A amizade ganhou força em 2011, quando a futura esposa convenceu o então ex-presidente a fazer uma palestra no Rio. E a busca ficou mais fácil depois de abril de 2018, quando ela pediu demissão do emprego em Itaipu para instalar-se no acampamento montado em Curitiba, nas imediações do prédio em que o então presidiário mais famoso do Brasil cumpria pena. As visitas conjugais se amiudaram e, meses depois, a namorada do preso virou primeira-dama.
Janja começou governando com plenos poderes o Palácio da Alvorada. No início do mandato, apareceu para uma entrevista à TV Globo vestindo um terninho branco abotoado sobre uma blusa roxa e carregando o que parecia um livro com mais de mil páginas — que, como ela própria esclareceu, era a lista do patrimônio da residência presidencial. "Vou mostrar como este lugar foi entregue para a gente", ameaçou. Em seguida, culpou a família Bolsonaro por distintos estragos — de mesas avariadas a rasgos no revestimento de poltronas e focos de infiltração no teto. Ao longo da conversa, escancarou defeitos de fabricação que, somados, identificavam uma genuína alpinista social prenhe de deslumbramento.
No coração do poder, Janja parece tão à vontade quanto deputado no sexto mandato. Invade reuniões ministeriais sem pedir licença, dá pitos em quem piora o humor do marido com más notícias, nomeia e demite. Com Lula retido em Brasília para comparecer à posse do ministro Barroso na presidência do STF, ela visitou a região gaúcha afetada pela tragédia. Escoltada por ministros, prometeu socorro aos flagelados e ajuda aos desvalidos. Não é pouca coisa, mas é quase nada para a paranaense de 57 anos resolvida a "ressignificar o conceito de primeira-dama". A expressão não mereceu uma única e escassa menção no texto constitucional, mas, a julgar pelo que anda fazendo, ela acredita que quem vota num candidato a presidente elege um casal.
Na semana passada, ao virar capa de revista, a modelo principiante deixou claro que o que parecia duro de engolir se tornou intragável. Na sessão de fotos produzidas por Bob Wolfenson — um craque no mundo da moda —, ela usou seis trajes concebidos por estilistas nativos dos quais é cliente. "Compro o que eles fazem porque a gente precisa falar mais sobre moda brasileira", justificou. Entre outras declarações, informou que vai continuar opinando sobre o que lhe der na telha. "Não é porque sou mulher do presidente que vou falar só de batom", recitou. Mas reiterou a antiga paixão por cremes para os cabelos, cosméticos, roupas e sapatos.
Depois de Lula, o que Janja mais ama são as decolagens no avião presidencial, rumo a novas gastanças em algum ponto do planeta. Já pediu ao marido uma aeronave nova, com banheiro, cama de casal e maior autonomia de voo. Quanto ao ritmo das viagens internacionais, contenta-se com uma por mês — nos dez primeiros meses de governo, foram visitados 19 países. E não pode se queixar da qualidade dos hotéis: numa viagem das arábias, o primeiro-casal se hospedou num sete estrelas cujas diárias espantam até campeões do ranking da Forbes. Além disso, cabe a ela conferir a lista de integrantes das comitivas cada vez mais gordas (no voo para a China, por exemplo, embarcam 300 felizardos).
Essa vida que Janja teria pedido a Deus se acreditasse em Deus fica mais ensolarada quando algum órgão de imprensa amplifica seus poderes. Sua influência no governo levou o Le Monde a qualificá-la de vice-presidente. "Passaram-se meses, quase um ano, e Janja não saiu dos palcos, muito pelo contrário", observou o jornal francês. Aos 57 anos, ela se tornou uma das figuras políticas mais influentes do país. É uma ascensão e tanto para quem nasceu no município paranaense de União da Vitória, no seio de família considerada "reacionária e conservadora" — que teria desaprovado sua filiação da ao PT em 1983. Aliás, sabe-se que seu pai e seu irmão reprovaram seu primeiro casamento porque o escolhido era 11 anos mais velho, mas não se sabe como reagiram ao fato de o atual marido ser 20 anos mais velho.
Essa vida que Janja teria pedido a Deus se acreditasse em Deus fica mais ensolarada quando algum órgão de imprensa amplifica seus poderes. Sua influência no governo levou o Le Monde a qualificá-la de vice-presidente. "Passaram-se meses, quase um ano, e Janja não saiu dos palcos, muito pelo contrário", observou o jornal francês. Aos 57 anos, ela se tornou uma das figuras políticas mais influentes do país. É uma ascensão e tanto para quem nasceu no município paranaense de União da Vitória, no seio de família considerada "reacionária e conservadora" — que teria desaprovado sua filiação da ao PT em 1983. Aliás, sabe-se que seu pai e seu irmão reprovaram seu primeiro casamento porque o escolhido era 11 anos mais velho, mas não se sabe como reagiram ao fato de o atual marido ser 20 anos mais velho.
Em 1986, contratada pela liderança do PT na Assembleia Legislativa do Paraná, Janja descobriu que a carteirinha do partido garantia ao portador uma vaga no Programa Desemprego Zero para a companheirada. Em 2005, no primeiro mandato do desempregado que deu certo, a bolsista tornou-se "socióloga de campo" em Itaipu (sem concurso), e ao deixar a empresa para dedicar-se em tempo integral à busca do vidão de primeira-dama, embolsava R$ 20 mil mensais.
Se não fosse prisioneira do deslumbramento, Janja trataria de administrar com competência programas sociais historicamente geridos pela mulher do presidente. Se valorizasse a discrição, tocaria sem barulhos projetos específicos — qualquer comparação com a antropóloga Ruth Cardoso, criadora do programa Comunidade Solidária, seria um insulto à memória da mulher de FHC. Além de herdar o que as antecessoras tiveram de pior, a atual primeira-dama parece ter sido condenada ainda no berçário a intrometer-se em tudo. E acaba não fazendo nada. Quanto mais avança na tentativa de ressignificar sabe Deus o quê, maior é a sensação de que ela chegou lá não para resolver, mas para complicar.
"Minhas conversas com o presidente são dentro de casa, no nosso dia a dia, e nos fins de semana, tomando uma cervejinha. Ele me ouve com muita atenção", jura a doutora em tudo. Como certamente conversam bastante também nas viagens mensais, melhor nem pensar nos efeitos provocados pelos pareceres da primeira-dama ressignificada ao pousarem na cabeça baldia de Lula, que sempre leva em conta a opinião da companheira.
Com Augusto Nunes
Com Augusto Nunes