terça-feira, 28 de novembro de 2023

NEM TUDO É O QUE PARECE



Após idas e vindas, já com o processo decisório caindo de maduro, Lula indicou Flávio Dino para o STF e Paulo Gonet para a PGR, fazendo o oposto do que queria o PT  que, para evitar uma tripla derrota, agora empina o nome do advogado-geral da União, George Messias, como alternativa para o Ministério da Justiça, e, como plano B, o do coordenador do Grupo Prerrogativas, Marco Aurélio CarvalhoComo se o emaranhado de interesses fosse pequeno, o presidente cogita ainda de transferir Simone Tebet do Planejamento para a Justiça e criar uma pasta específica para cuidar da segurança — coisa que ele prometeu durante a campanha, mas cedeu ao pedido de Dino para que os dois temas fossem mantidos sob o mesmo guarda-chuva.

Convocado para último domingo pelo pastor Silas Malafaia, com o apoio de Bolsonaro — que espertamente não apareceu — e de sua milícia parlamentar, o ato em memória de Cleriston Pereira da Cunha — preso em flagrante dentro do Senado no 8 de janeiro e fulminado por um "mal súbito", no último dia 20, durante o banho de sol na Papuda — foi o cinismo levado às fronteiras do paroxismo. Cardiopata, hipertenso e diabético, o falecido arrostava complicações decorrentes da Covid (o que não o impediu de participar do quebra-quebra). É fato que sua defesa apresentou 8 pedidos de liberdade que o ministro Alexandre de Moraes se absteve de julgar, mas também é fato que não haveria "patriotas" na Papuda se Bolsonaro e seus devotos não tivessem insuflado o golpismo que levou à depredação das sedes dos Poderes. 

 

Observação: Numa atitude cômoda, mas criminosamente hipócrita, Bolsonaro e seus seguidores agem como se não fosse com eles, mas bastaria se olharem no espelho para enxergar o reflexo cínico e deslavado da culpa. Para esses valentes, escreveu Reinaldo Azevedo, seria excelente que o "imbrochável" fosse preso antes do pleito de 2024, mas desde que Michelle pudesse continuar a viajar o Brasil como a viúva de um vivo. 

 

Matérias do Estadão e da Folha falaram em "centenas" de manifestantes. Um texto publicado no UOL contabilizou "coisa de mil pessoas" e, mais adiante, "milhares". Baseando-se no cálculo de pesquisadores da USP, o Globo apontou 13.321 participantes. O protesto foi um fiasco, mas a contestação do resultado da eleição trombeteada pelo ex-ministro bolsonarista Ricardo Salles — nem o próprio Bolsonaro toca mais nesse assunto —, o ânimo de confronto com o Supremo e a indefectível incitação de "Fora Alexandre" indicam que os seguidores do "imbrochável" tencionam empreender mais uma cruzada golpista, tendo o STF como primeiro alvo. Para essa gente, o capítulo da eleição de 2022 ainda não acabou. 

 

E tampouco acabará quando o "mito" for para a prisão — seja após o trânsito em julgado de eventual condenação, seja a qualquer momento, caso surjam motivos que justifiquem seu recolhimento preventivo. A agenda desses que se querem do "bolsonarismo-raiz", a insuflar em termos e proposições inaceitáveis o embate entre seu líder e o STF, a impressão que se tem é de que eles estão mais ocupados com a sua própria estratégia de poder do que em defender o seu "líder". Se este resolvesse ser a "vanguarda" das postulações que os barulhentas acham legítima, acabaria cavando sua prisão preventiva.

 

Muitas vezes, o grande inimigo da democracia não é aquele que se coloca de forma contrária a algo legítimo — até porque isso é uma decorrência natural da argumentação e da apresentação de provas —, mas aquele que diz defendê-la enquanto a vulnera no âmbito interno, atingindo-lhe as bases, sempre com um sorriso que engana a sociedade e a tragédia que, no Brasil, é chamada de "eleitor". Bolsonaro sabe que não tem chance de recuperar a elegibilidade em 2026. Só o empurra para um confronto com os tribunais quem o quer preso para brandir um mártir, na esperança de que as ruas voltem a se inflamar. Como está na moda dizer, "o golpe tá aí, cai quem quer". 

 

Por mal de nossos pecados e graças à incapacidade gritante da récua de muares que votam em populistas demagogos e desqualificados, que não deveria ser eleitos sequer para as funções de síndico em condomínio de periferia, esse troço que Bolsonaro hoje lidera veio para ficar, e é um perigo para o Estado Democrático de Direito, mesmo que outro tome o lugar do "incomível inelegível" e que este se torne o "mito encarcerado". 

 

No final das contas, mais amigos do que inimigos estão ansiosos para ver o ex-presidente atrás das grades.