A esta altura, a aprovação (ou rejeição) de Flávio Dino já é matéria vencida. Como eu escrevi este texto na manhã de ontem, "o futuro a Deus pertence". Dito isso, vamos em frente.
Atualização: Dino recebeu 47 votos a favor e 31 contra — com duas abstenções. Gonet recebeu 65 votos a favor e 11 contrários — com uma abstenção. A long time ago, não me lembro se na gestão de Sarney ou na de Collor, um jornalista perguntou a dois economistas, um otimista e o outro, pessimista, o que eles achavam da situação do país. O otimista respondeu: O Brasil está uma merda! E o pessimista: Vai faltar merda!
Até pouco tempo atrás, Dino era apenas um político maranhense que ganhou notoriedade nacional por ter sido nomeado por Lula para chefiar o ministério da Justiça e Segurança Pública e, mais recentemente, por ter sido indicado para a vaga de Rosa Weber no STF. Na avaliação da oposição, sua nomeação põe em risco a livre manifestação de pensamento no Brasil, haja vista que, à frente do ministério, sua excelência emitiu diversas opiniões contrárias à liberdade de expressão. "Não só à livre manifestação, mas à democracia em si", alertou a advogada, professora e ex-deputada estadual Janaína Paschoal — uma das signatárias do impeachment que apeou Dilma da Presidência em 2016.
Dino processou influenciadores e parlamentares da oposição por questionamentos, manifestou diversas vezes a intenção de regular o uso da Internet para conter discursos "antidemocráticos", bloqueou figuras públicas nas redes sociais — como a própria Janaína — para que não tivessem acesso a informações sobre ele, apresentou a Lula um projeto com penas que variam de seis a 20 anos de prisão para organizadores e financiadores de "movimentos contra a democracia", além de se posicionar abertamente como comunista. Como se vê, um currículo e tanto.
Presidida por Davi Alcolumbre, a CCJ do Senado pautou para ontem as sabatinas de Dino e Paulo Gonet (indicado para substituir o já defenestrado Augusto Aras no comando da PGR). A avaliação conjunta de nomes para esses dois cargos é inédita, conquanto já tenha ocorrido em sabatinas para ministros do STJ e de embaixadores. Deve-se o ineditismo a uma manobra de Alcolumbre para dissolver o constrangimento que o bolsonarismo deseja impor a Dino. O senador Alessandro Vieira ficou de apresentar uma questão de ordem visando iluminar os propósitos subalternos do presidente da Comissão, que opera para assegurar o apoio do Planalto a seu projeto de retornar à presidência do Senado.
O Planalto dava de barato a aprovação de ambos os indicados (são necessários 14 votos favoráveis na CCJ e 41 no plenário da Casa), mas antevia maior resistência a Dino do que a Gonet. A despeito do otimismo, os ministros dos Transportes, da Educação, do Desenvolvimento Social e da Agricultura reassumiram seus mandatos de senador para apoiar a eleição do postulante à suprema toga. Convencido de que já dispunha de mais votos do que precisava, Dino dedicou as últimas horas de sua campanha a conversas com senadores de nariz torcido. Aos que o enxergam como um anticristo comunista, citou o Evangelho, recorrendo à mais famosa e teatral de todas as conversões.
Dino comparou sua caminhada rumo ao Supremo à passagem do soldado Saulo, notório perseguidor de cristãos, pela estrada de Damasco. Aconteceu no século 1 do nosso calendário. De repente, Saulo foi paralisado por uma luz ofuscante. Caiu do cavalo. Ouviu uma voz do céu: "Saulo, por que me persegues?" Por algum tempo, ele foi cegado pela claridade que o arrebatou, e converteu-se em São Paulo, um dos pilares do cristianismo. Em timbre de ex-vingador, Dino disse aos mais céticos: "As pessoas mudam". Após trocar 12 anos de magistratura pela carreira política, sua excelência prometeu esquecer os trajes ideológicos assim que vestir a toga. Para bolsonaristas e congêneres, um lobo continuará camuflado sob a pele do cordeiro autoproclamado.
Toda conversão se assemelha a uma revolução pessoal. Os rivais enxergam Dino não como santo na trilha de Damasco, mas como um bolchevique prestes a ingressar no mais importante tribunal do Brasil como se invadisse o Palácio de Inverno em São Petersburgo. Em tempos de polarização, a fé nem sempre remove obstáculos. Assim, enquanto Dino articulava e rezava, Lula empurrava as montanhas com emendas orçamentárias, apostando que a crena nas verbas levaria o placar pró-Dino a patamares próximos de 50 votos.
Triste Brasil.