Decidida a torpedear o "austericídio fiscal" — como os petistas chamam a meta de zerar o déficit em 2024 —, a presidente do PT sacudiu o lençol do fantasma da deposição de Lula. Com companheiros como ela, Fernando Haddad não precisa de inimigos. "Precisamos ter recursos, precisamos ter a parte do crescimento econômico como uma meta e um mantra nosso. Gente, se cair a popularidade do presidente Lula [...] esse Congresso engole a gente", discursou a presidente do Gleisi Hoffmann, num alerta à la Chacrinha de que não veio para explicar, mas para confundir.
O raciocínio foi escorado num sofisma (ferramenta linguística que cria a ilusão de verdade partindo de uma premissa hipoteticamente lógica para sustentar teses inconsistentes, erradas e delirantemente enganosas). Cabe à Câmara Federal abrir processos de impeachment, e a Casa é controlada atualmente pelas falanges do Centrão sob o imperador Arthur Lira, discípulo de Eduardo Cunha (aquele que articulou a deposição de Dilma). Mas os resquícios de lógica acabam aí.
A assombração de Coxa é inconsistente porque Alckmin não é Temer, flerta com o erro porque Lula não é Dilma (o tirocínio do criador é inversamente proporcional à inépcia da criatura), e é enganosa porque a abertura irrefletida dos cofres públicos não se confunde com prosperidade econômica (sob a eterna estocadora de vento, deu em ruína).
O discurso ocorreu às vésperas de uma semana decisiva para o ministro da Fazenda — que rala para aprovar projetos remanescentes da agenda que estruturou para tentar extrair do Legislativo reformas que permitam cobrar impostos de quem brinca de esconde-esconde com a Receita Federal — e foi abrilhantado por um debate entre Gleisi e o próprio Haddad — que a certa altura foi ao ponto: "Talvez poucos possam imaginar a luta que é aprovar essas medidas."
Ao contrapor a tese do impeachment ao esforço fiscal de Haddad, Gleisi usou um canhão para matar um mosquito. A bala, por falaciosa, não surtirá o efeito desejado, mas fornecerá munição para Lira e suas legiões (no sentido bíblico da palavra) inflacionarem o mercado persa em que o ministro trafega para obter a aprovação das propostas que considera estratégicas.