terça-feira, 30 de janeiro de 2024

AINDA SOBRE O OCASO DO EX-HERÓI NACIONAL

A Polícia Federal cumpriu na manhã desta segunda-feira uma operação contra o vereador Carlos Bolsonaro. Trata-se de um desdobramento da Operação Vigilância Aproximada, deflagrada na última semana, que mirou um grupo supostamente envolvido com um esquema de espionagem na Abin. Assessores de Zero Dois também foram alvo da operação, a exemplo de um agente da PF que integrava os quadros da Abin durante o desgoverno do capetão golpista. Segundo fontes, a apuração envolve pessoas que podem ter sido beneficiadas pela coleta ilegal de informações na Abin sob o comando de Alexandre Ramagem, — ora pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro —, entre as quais Flávio Bolsonaro e Jair Renan Bolsonaro. Para surpresa de ninguém, as três operações foram classificadas pelos bolsonaristas como "perseguição política".

Entre as figuras públicas mais emblemáticas e controversas surgidas nos últimos destaca-se o ex-juiz, ex-ministro e ainda senador Sergio Moro — deve-se o "ainda" às duas ações que tramitam contra ele no TRE-PR (uma aberta pelo PL e outra pela federação PT/PV/PCdoB) por "abuso de poder econômico". Segundo a acusação, Moro gastou mais de R$ 4 milhões com viagens, eventos e de campanha durante sua pré-candidatura ao Planalto pelo Podemos. Ao migar para o União Brasil e concorrer a uma vaga no Senado — cargo para o qual o limite legal de gastos é consideravelmente menor — ele teria "desequilibrado a disputa".
 
Observação: A irresignação de Aécio Neves com a derrota em 2014 ensejou a propositura de uma ação semelhante pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer. Em 2017, sob a presidência e com o voto de minerva do semideus togado Gilmar Mendes, o TSE decidiu pela improcedência — por "excesso de provas", como ironizou o ministro Herman Benjamin, relator do caso. "Eu recuso o papel de coveiro de prova viva. Posso até participar do velório, mas não carrego o caixão", ironizou o magistrado.
 
Os processos não estão na pauta das próximas sessões do TRE-PR, mas podem ser incluídos, uma vez que a fase de instrução foi concluída quando as partes apresentaram suas alegações finais. Qualquer que seja a decisão da corte, o litigante derrotado recorrerá ao próprio tribunal, ao TSE e, quiçá, ao STF. Enquanto estiver recorrendo, Moro poderá continuar exercendo o mandato normalmente. Se for finalmente condenado, ele e seus dois suplentes perderão o mandato, e os eleitores paranaenses deverão escolher quem ocupará sua cadeira até 2030. 
 
Entre os prováveis postulantes destacam-se a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e as deputadas federais Rosângela Moro e Gleisi Hoffmann. A eleição de Rosângela ajudaria preservar o capital político do marido, e a de Michelle, a blindá-la contra investigações que envolvem o ex-presidente. Mas a presidente do PT conta com a simpatia de Janja, que já apoiou sua campanha à Câmara Federal. 
 
Mas há outra frente de preocupação: em outubro do ano passado, o CNJ abriu uma Reclamação Disciplinar contra Moro por causa dos resultados de uma correição na 13ª Vara Federal de Curitiba. Na avaliação do corregedor Luís Felipe Salomão, o ex-juiz valeu-se da mesma estratégia usada por Deltan Dallagnol para sair candidato a deputado federal — lembrando que ex-coordenador do braço paranaense da Lava-Jato se candidatou na pendência de procedimentos administrativos e perdeu o mandato por causa deles. 
 
Moro foi de herói a
 vilão diversas vezes. No auge da Lava-Jato, ele era o estandarte usado como abre-alas pela direita para derrubar o PT. Com a vitória de Bolsonaroa promessa de uma indicação para o STF levou-o a trocar a toga pelo ministério da Justiça. Como político, foi sabotado pelo mito de pés de barro que ajudou a eleger. Demitido, reparou que seu eleitorado em potencial era muito menor que o do ex-chefe. Depois de um ano sabático nos EUA, equipou-se para disputar a Presidência. Não conseguindo fazer decolar sua candidatura pelo Podemos, filiou-se ao União Brasil e se elegeu senador, gerando a celeuma que  a percorrer os nove círculos do inferno (detalhes nesta postagem).
 
Execrado pelos petistas e abandonado pelos bolsonaristas, Moro se reaproximou do ex-chefe durante os debates finais do segundo turno das eleições de 2022. No Senado, nada fez de consistente nem demonstrou qualquer liderança na oposição. No dia da aprovação de Flávio Dino para o STF, fotos em que o parlamentar foi flagrado conversando amistosamente com o ministro "comunista" de Lula e um flagra da tela de seu celular por uma lente impertinente caíram sobre ele como uma pá de cal.

Na avaliação do advogado Gustavo Bonini Guedes, uma eventual cassação de Moro criaria de um precedente perigoso. "Como não conseguiram pegar nada na campanha, PT e PL suscitaram a tese do abuso do poder econômico na pré-campanha — que nunca existiu antes. Como a Justiça Eleitoral é de precedentes, de jurisprudência, isso vai refletir. [...] Na linha do que o próprio PT quer, o evento do Lula em São Paulo deveria entrar na conta da pré-campanha de Boulos." 


Guedes nega os supostos gastos excessivos de seu cliente no período anterior à campanha eleitoral formal de 2022 e defende uma análise a fundo, "gasto a gasto", para eliminar despesas pagas pelo Podemos e pelo União Brasil que, segundo ele, não podem ser incluídas no âmbito da pré-campanha. "Se Moro for cassado, ele sai da política, mas a política continua existindo, e outros adversários serão escolhidos para a batalha. Os inimigos se renovam. Se o TSE cassar o Moro, nestas eleições municipais este precedente vai ser usado para cassar mais gente", afirma Guedes.

 

Além do abuso de poder econômico, PT e PL alegam que há indícios de corrupção num contrato assinado entre União Brasil e o escritório do advogado Luis Felipe Cunha, que depois se tornou o primeiro suplente de Moro. Eles destacam o valor da contração, de R$ 1 milhão para um período de quatro meses, e o fato de Cunha não ter experiência na área eleitoral. Em seu depoimento, Moro justificou que o valor também abrangia pagamentos ao escritório de Guedes, que não teria sido contratado diretamente pelo União Brasil devido à resistência do presidente da sigla, Luciano Bivar


Questionado pela Folha, o causídico disse que não há ilegalidades na subcontratação e que ela "não foi feita às escondidas". "Houve por parte do partido a informação de que não gostariam de me contratar pelo fato de eu ter assinado contra o PSL [hoje União Brasil] uma ação de desfiliação de justa causa da Joice Hasselmann", afirmou ele.

 
Parafraseando um texto publicado pelo Jornal Opção em 17 de dezembro p.p., "se em quase nada agradou à esquerda em toda a trajetória pelos três Poderes, Moro foi um mix de personagens para a direita antipolítica durante todo esse tempo: foi Batman, Superman, Nero, Coringa, Judas, Banana de Pijamas e, por fim, Judas de novo". E assim ele terminou o ano no purgatório, desprezado pela esquerda, visto como traidor pela direita e prestes a ter seu currículo de ex-juiz e ex-ministro acrescido da tarja de ex-senador.
 
A conferir.