sábado, 6 de janeiro de 2024

DE MENDIGOS A ASSALTANTES

 

Na política, como na vida, a sutileza do comportamento humano consiste em identificar a semelhança entre coisas diferentes e a diferença entre coisas semelhantes. Petistas e bolsonaristas consideram-se superiores uns aos outros, mas ambos têm dificuldade de distinguir o despudor do decoro, e igualam-se em suas diferenças ao confundirem uma coisa com a outra.
 
O deputado Washington Quaquá, vice-presidente do PT, dirigiu uma ofensa homofóbica ao colega bolsonarista Nikolas Ferreira e esbofeteou seu par Messias Donato. Essa desqualificação ofereceu ao petismo uma oportunidade de se qualificar, expulsando-o da legenda. Mas a alta cúpula partidária se finge de morta, demonstrando que não perde oportunidades de perder oportunidades.
 
Depois de aliviar a barra de Nikolas, o imperador da Câmara, Arthur Lira, afirmou que "providências serão tomadas" contra o petista Quaquá. Sua excelência afirma que "é importante que os partidos não façam acordos para que os casos investigados pelo Conselho de Ética sejam arquivados." O deputado Zeca Dirceu, líder do PT na Casa, disse que dispõe de vídeos que exibem bolsonaristas chamando Lula de "ladrão" e ofendendo a ministra Simone Tebet na sessão de promulgação da reforma tributária.
 
Na atual legislatura, envenenada pela polarização, o Congresso habituou-se a conviver com um verbo pouco usado no linguajar cotidiano: apatifar. Significa tonar desprezível, aviltar, envilecer. A dificuldade de distinguir a semelhança das coisas diferentes e a diferença das coisas semelhantes termina por igualar todos na patifaria.
 
Falando no Congresso, houve época em que os parlamentares mendigavam verbas nos ministérios e o Planalto mandava liberar um dinheirinho sempre que precisava aprovar alguma coisa. Com o passar do tempo, os mendigos legislativos foram ganhando ares de assaltantes. 

O assalto representado pela expropriação de R$ 53 bilhões do Orçamento federal de 2024 é uma esmola ao contrário. O governo precisa soltar a grana para não matar as reformas de Fernando Haddad. Se for humilde, Lula receberá do centrão a graça da sobrevida das novas propostas que seu ministro da Fazenda promete apresentar. Ou seja, são os parlamentares que dão a esmola.
 
O assalto desconstrói o universo das relações entre Executivo e Legislativo. O fisiologismo perde sua face criminosamente melancólica e ganha uma cara de vingança. No seu primeiro mandato, Lula permitiu que as coisas acabassem em mensalão; no segundo, deixou que o melado escorresse para dentro dos cofres da Petrobras. Sob Bolsonaro, a perversão foi institucionalizada no orçamento secreto.
 
Travado pelo Supremo, o Centrão deu a Lula 3 um semblante de vítima. Obrigará o Planalto a entregar os bilhões previstos para 2024 na base do "mãos ao alto". Aprovou-se um calendário para que a maior parte das liberações ocorra no primeiro semestre, antes do início da campanha municipal. 

A pressa é amiga da malversação. Os desvios resultarão em impunidade. Perdem-se nos descaminhos percorridos pelas verbas dois detalhes preciosos: o verdadeiro assaltado é o contribuinte brasileiro, e quem morre no processo é o interesse público.
 
Com Josias de Souza