terça-feira, 9 de janeiro de 2024

LULA, GONET, BOLSONARO E A VELHINHA DE TAUBATÉ

A PF aguardava pela troca de comando na PGR para fechar a conta dos inquéritos sobre Bolsonaro. O procurador Paulo Gonet, escolhido por Lula sob influência do decano Gilmar Mendes e do relator-geral das encrencas bolsonaristas Alexandre de Moraes, esteve um par de vezes no Planalto antes de seu nome ser aprovado no Senado. Sobre o que ele e o presidente falaram, não se sabe, mas nem a Velhinha de Taubaté acreditaria que o futuro criminal do pior mandatário desde Tomé de Souza não foi assunto da conversa.
 
Para refrescar a memória dos mais velhos e informar os mais jovens que não conheceram a ilustre personagem criada durante o governo do último general da ditadura de 64 — aquele que gostava mais do cheiro dos cavalos que do cheiro do povo — a Velhinha de Taubaté acreditava piamente em tudo que lhe diziam, sobretudo se a fonte fosse Brasília. 
Mas nem sua inabalável fé resistiu ao choque de realidade provocado pelo escândalo do Mensalão. Em 2005, ao descobrir que seu ídolo — o então ministro da Fazenda Antonio Palocci — estava mergulhado até os beiços num mar de corrupção, a senhorinha sofreu um piripaque na frente da televisão e partiu desta para melhor. Ainda assim, vira e mexe alguém insiste em descobrir o paradeiro da finada para perguntar a quantas anda sua convicção sobre a credibilidade do governo e a situação política do país. 

Parece que tem uma nova Velhinha na praça. Ao ler as primeiras notícias sobre o golpe que Bolsonaro não pôde dar porque não conseguiu a adesão dos militares, ela se apressou a escrever nas redes sociais: "Se não forem meras conjecturas, os diálogos que vieram à tona nos últimos dias mostram, na verdade, que Bolsonaro salvou a Democracia, ao resistir à pressão sofrida por grande parte de seu entorno. Ele, inclusive, deixou o cargo antes de seu mandato terminar. Não digo isso como forma de defesa, mas como conclusão lógica do material recentemente exposto. Muitos foram os diálogos em que interlocutores imploravam para Bolsonaro dar um golpe e ele não deu, nem tentou.

Observação: A personagem de Veríssimo nunca foi militante, mas sua sucessora é. Bolsonaro chegou mesmo a convidá-la para vice em 2018, mas desistiu e escolheu um general. A Velhinha sem graça se elegeu deputada estadual por São Paulo e disputou uma vaga no Senado em 2022, mas ficou em quarto lugar.
 
No finalzinho de 2023, uma reportagem de Aguirre Talento revelou que a PF programou para o início de 2024 o indiciamento de Bolsonaro nos inquéritos sobre fake news e milícias digitais. Os processos, que incluem da tentativa de golpe à falsificação de certificados de vacinação, da propagação de mentiras ao comércio ilegal de joias, deixarão Gonet entre a cruz e a caldeirinha: ou ele denuncia ex-aspirante a tiranete, ou desmoraliza o ex-tudo (ex-retirante, ex-metalúrgico, ex-sindicalista, ex-presidiário e ex-corrupto). Como o mandato do PGR dura apenas dois anos, o desejo de recondução afasta a hipótese de fazer Lula de bobo. 
 
Confirmando-se a denúncia, restarão ao STF duas possibilidades: condenar Bolsonaro ou condenar Bolsonaro. A absolvição ou uma sentença suave, sem cadeia, desmoralizariam a Corte, que já impôs às piabas do 8 de janeiro sentenças de até 17 anos de cana. Já um Bolsonaro encarcerado sob os ritos democráticos ficaria em situação parecida com a que viveu seu adversário, que foi afastado das urnas graças a uma ação coordenada do Supremo — que lhe sonegou um habeas corpus— e do TSE — que o enquadrou na inelegibilidade da Lei da Ficha-Limpa. Já banido das urnas até 2030, o capetão marcharia rumo à cela batendo o mesmo bumbo de perseguido.
 
Com Lula fora da pista, Bolsonaro aproveitou o antipetismo para retirar a direita do armário em 2018. Mas 4 anos de irracionalidade e golpismo produziram a vergonha que colocou a direita civilizada no arco democrático que deu a vitória ao ex-presidiário em 2022. No entanto, a provável asfixia criminal do mito dos descerebrados não torna mais fácil a vida de seu rival. 

Ainda que o imbrochável e o bolsonarismo virassem pó, o conservadorismo troglodita continuaria retirando seu oxigênio do antipetismo. Ou seja: se quiser um quarto mandato (que Deus nos livre e guarde dessa desgraça), o autoproclamado Parteiro do Brasil Maravilha precisa governar direito e aprender a conversar com a direita racional, que lhe deu a vitória em 2022 não por preferência, mas por rejeição à alternativa.
 
Triste Brasil.