sábado, 17 de fevereiro de 2024

ACABOU O CARNAVAL (CONTINUAÇÃO)

Bolsonaro tentou virar a mesa antes da derrota nas urnas, mas não conseguiu. No atentado planejado para a véspera do Natal, a explosão do caminhão-tanque no Aeroporto de Brasília só não aconteceu porque o artefato não funcionou. Na sequência, vieram o 8 de janeiro, novos e emocionantes capítulos da novela das joias sauditas, a inelegibilidade, a prisão e subsequente delação de Mauro Cid, a descoberta da "Abin paralela" e, mais recentemente, a operação Tempus Veritatis, que vem fechando o cerco em torno dos "peixes graúdos" da trama golpista bolsonarista. 

Pelo que já foi divulgado, fica claro que o "grande tubarão branco" do cardume formado pelos militares que se acumpliciaram é o próprio BolsonaroAté então, o conteúdo da delação de Cid estava sob sigilo, e apenas "bagrinhos" haviam sido condenados. Mas o vídeo da reunião ministerial de junho de 2022 mostra claramente que Bolsonaro e seus acólitos cometeram crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do estado de direito, tentativa de golpe de Estado e perturbação da eleição. Se for condenado, o capitão poderá ser sentenciado a até 23 anos de prisão e ficar inelegível por mais de 30 anos (se quiser voltar a disputar eleições, ele terá de fazê-lo no quinto dos infernos). 
 
A rigor, o que a operação da PF revelou era um "segredo de Polichinelo". Já se sabia que o golpe falhou por falta de adesão das FFAA — mais exatamente do general Marco Antonio Freire Gomes, então comandante do Exército, e do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, então comandante Exército, uma vez que o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, aderiu à ilegalidade. Já o general Walter Braga Netto, que à época era candidato a vice na chapa de Bolsonaro, chamou Freire Gomes de "cagão" e incitou oficiais golpistas do segundo escalão contra os fardados que resistiram à trama anticonstitucional. Numa mensagem documentada, nos autos do inquérito, Braga Netto encomenda a "implosão" de Freire Gomes; noutra, orienta "elogiar Almir Garnier e foder Baptista Júnior".


Antes de fugir para a terra do Mickey e se homiziar na cueca do Pateta, o ainda presidente surgiu numa live para dizer: "Tem gente chateada comigo, dizendo que deveria ter feito alguma coisa, qualquer coisa. Mas, para você conseguir fazer alguma coisa, mesmo nas quatro linhas, você tem que ter apoio". As investigações escancararam que "alguma coisa" era eufemismo para o golpe que o perpetuaria no poder. 
 
No encontro que ocorreu antes do resultado das urnas, organizou-se a difusão de informações falsas sobre o sistema eleitoral. O conclave foi filmado, e uma das cenas mais indecorosas foi o strip-tease moral em que o general Augusto Heleno, então chefe do GSI, sugeriu rasgar a Constituição antes da apuração dos votos. Depois da derrota, Bolsonaro discutiu com a cúpula militar e os áulicos paisanos uma minuta do decreto golpista, encomendou o enxugamento da versão e aprovou o texto final, que falava na anulação da vitória de Lula, na prisão de Alexandre de Moraes e em intervenção militar
 
Ironicamente, enquanto Carluxo — maestro das comunicações digitais do pai — trocava frequentemente de celular para apagar rastros, o general Heleno, que já havia mandado um sonoro "foda-se" ao Congresso e sugerido o emparedamento dos parlamentares, mantinha um diário golpista em casa. Somado ao "comportamento joselito" na reunião ministerial, o caderninho sugere que o general achava que jamais seria pego — ou que estava cagando para essa possibilidade. Heleno revelou-se um aluno relapso: em junho de 2019, durante um café da manhã com jornalistas, seu comandante-em0-chefe lecionou que "a única forma de se comunicar com segurança total é conversar pessoalmente". 
 
ObservaçãoQualquer fã de filmes policiais com foco na Cosa Nostra (ramificação da Máfia siciliana que dominou a costa leste dos EUA durante boa parte do século passado) sabe que "assuntos sensíveis" devem ser tratados pessoalmente, de preferência numa caminhada ao ar livre, longe de olhos e ouvidos curiosos. Telefones, só os públicos, e apenas para recados urgentes sem jamais mencionar nomes. Como dizia Tancredo Neves, "telefone só serve para marcar encontro, e assim mesmo no lugar errado. Reunião, só na sauna, e com todo mundo nu".
 
Em seus quatro anos de mandato, Bolsonaro não fez outra coisa senão tentar converter o Brasil numa autocracia de bananas. E não há nada é mais útil para uma "causa" do que um mártir na cadeia. O capitão não quer representar esse papel, mas pode ser levado a fazê-lo se açular sua militância contra os ministros do Supremo no próximo dia 25, quando será realizado o tal "ato pacífico em defesa do estado democrático de direito
 cujo verdadeiro propósito e atacar os togados. O Bolsonaro que aparece no vídeo de convocação respeitoso, legalista e ponderado é tão falso quanto uma nota de três reais. 
 
Tão carentes de opções quanto seu constituinte, os advogados de Bolsonaro tentam impedir Moraes de atuar no processo sobre a tentativa de golpe. As chances de o recurso prosperar são quase nulas. Os causídicos alegam que "Xandão" não tem isenção para julgar o caso por ser "vítima" dos crimes que estão sendo investigados, ter sido monitorado pela Abin e tido a prisão prevista minuta do golpe. Mas o próprio STF já refutou outras tentativas de tirar o ministro dos calcanhares de Bolsonaro e do bolsonarismo. 
 
Reza o art. 256 do CPP que "a suspeição não poderá ser declarada nem reconhecida quando a parte injuriar o juiz ou de propósito der motivo para criá-la". Pode-se alegar que o planejamento da prisão Moraes é anterior às investigações sobre a tentativa de golpe, mas as ordens judiciais relacionadas à operação da PF foram expedidas no âmbito do inquérito sobre milícias digitais, aberto em 2021. 

Pelo que se comenta nos bastidores, a maioria das togas acredita que Bolsonaro e seus cúmplices tramaram crimes contra a democracia, não contra Moraes. O que sua defesa esgrime agora é um velho pedido. Para afastar de vez as pretensões do encrencado, o ministro Barroso, atual presidente do STF, deve levar à apreciação do plenário da Corte.

Continua...