sábado, 24 de fevereiro de 2024

O ANTEONTEM E O AMANHÃ


Tudo tem seu tempo certo, diz a canção. Mas o tempo do Judiciário é incerto, e o do Legislativo não lhe fica atrás. O presidente do Congresso demorou 72 para cobrar de Lula uma retratação por ter jogado o holocausto no ventilador. Agora, Inês é morta. Além de improvável, um pedido de desculpas colocaria o governo brasileiro de quatro diante da provocação barata de Netanyahu. Caberá ao tempo resfriar a crise, e ao Itamaraty, minimizar as consequências. Ao presidente que deu a volta ao mundo proclamando que "o Brasil voltou", caberia perguntar: Voltou para quê?

Bolsonaro cavalgou o oportunismo ao classificar como "discurso criminoso" a fala do petista: em 2021, ele próprio teve um encontro fora da agenda com a deputada alemã Beatrix von Storch, vice-presidente do partido de extrema-direita AfD e nata de Johann Ludwig Schwerin von Krosigk, que foi ministro das Finanças de Hitler por mais de 12 anos. O objetivo de sua crítica — e de seus apoiadores ao pedir o impeachment de Lula — é desviar os holofotes da Tempus Veritatis. Mas a diarreia verbal do mandatário de turno está longe de suplantar a eloquência da fragilidade penal de seu antecessor. 
 
Bolsonaro grita aos quatro ventos que jamais tentou dar um golpe de Estado, mas desperdiçou a oportunidade de refutar os indícios e as provas que a PF coleciona contra ele ficando de bico calado na última quinta-feira. A prerrogativa constitucional de ficar em silêncio visa evitar a autoincriminação dos encrencados, mas a mudez tumular do capetão, somada a três tentativas frustradas de adiar o depoimento, produziu um estrondo constrangedor. Na avaliação dos demais encrencados, o silêncio de Bolsonaro visa ajustar sua defesa a suas conveniências, enquanto eles serão jogados ao mar. 
 
Na manifestação marcada para amanhã, Bolsonaro deve entoar a velha cantilena da perseguição política — que não se sustenta diante da delação de seu ex-escudeiro, do vídeo da reunião em que expôs a trama golpista a seus ministros e de duas dúzias de áudios e mensagens que expõem as conversas vadias de seus cúmplices paisanos e fardados 
—, mas seu mutismo no depoimento é mais eloquente que o barulho valente no carro de som. Até porque, ao contrário da empulhação no palanque, o interrogatório demandava a exibição de fatos. Na avaliação dos demais encrencados. 

ObservaçãoBolsonaro sempre afirmou que se manteve dentro da "4 linhas", mas nunca esclareceu quais eram essas linhas — talvez elas demarcassem um terreno baldio onde ele desovava seu lixo ideológico. E a manifestação de amanhã nada tem a ver com a defesa da democracia. Talvez sua ideia, após falhar em sua carreira militar, parlamentar, como presidente e até como golpista, seja tentar a sorte como humorista. Isso se não for preso em flagrante: dividir o palanque com Valdemar Costa Neto caracterizará descumprimento da proibição de manter contato com outros investigados. Sua habilidade em reunir fanáticos descerebrados ombreia com a de Lula — o que não é pouco —, mas perdeu relevância quando os eleitores o abandonaram e o TSE o declarou inelegível. Ainda que ele consiga transformar a Paulista num grande cercadinho, a desqualificação não vai virar virtude, a delação não vai tomar Doril nem as provas da tentativa irão pra... sumirão do inquérito. Durante 4 anos de empulhação descarada, foi o cenário de duas grandes manifestações bolsonaristas, ambas no feriado de 7 de setembro. Em 2021, o histrião xingou Moraes de canalha e ameaçou não acatar suas decisões, em 2022, insinuou que o golpe de 1964 poderia se repetir, levando ao delírio hordas de extremistas que pediam a volta da ditadura e exibiam montagens com ministros do Supremo dentro de caixões. Nas semanas que se seguiram ao protestos, foi preciso um esforço considerável para restabelecer a normalidade institucional, mas acabou que os eleitores mandaram o tiranete de fancaria de volta para casa, os inquéritos continuaram (e continuam) em andamento e "Xandão", que continua despachado no STF, mandou apreender-lhe o passaporte.
 
Sempre se soube que a conspirata contou com a cumplicidade de integrantes da alta cúpula das FFAA, políticos aliados, empresários amigos, comunicadores cooptados e vândalos radicais, mas, ao acender as luzes da sala de autópsias, a PF iluminou as entranhas pútridas de uma gestão eminentemente golpista. 

O ato marcado para amanhã objetiva não só constranger o STF como também manter a militância unida, de olho nas eleições municipais de outubro. Faz sentido: pior do que estar inelegível e ser preso é estar inelegível, preso e se tornar irrelevante politicamente — o que pode acontecer ao imbrochável incomível e intragável se alguém ocupar seu lugar no comando da extrema direita.

A conferir.