sábado, 25 de maio de 2024

ATÉ QUANDO, CATILINA...?

 

Na última terça-feira, enquanto a 2ª Turma do STF declarava prescrita a pena imposta a José Dirceu por corrupção passiva, o ministro Dias Toffoli anulou os atos da 13ª Vara Federal de Curitiba contra Marcelo Odebrecht e determinou o trancamento de todos os procedimentos penais instaurados em desfavor do dito-cujo. 

Segundo o Maquiavel de Marília, os procuradores da Lava-Jato ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade em prol de interesses pessoais e políticos próprios. A decisão foi escorada nas mensagens captadas ilegalmente (e jamais autenticadas) pela quadrilha comandada Walter Delgatti Neto, o "hacker de Araraquara", que é réu no STF por crimes de invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.

Observação: Para quem não se lembra, a Lava-Jato desvendou um esquema de corrupção em que executivos da Odebrecht pagavam propinas a políticos e funcionários públicos em troca de preferência em contratos. Marcelo Odebrecht foi condenado preso por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa, mas gozou míseros 2 anos e 6 meses de férias compulsarias no Complexo de Pinhais, em Curitiba, até progredir para a prisão domiciliar.
 
Já a decisão que favoreceu Dirceu foi tomada por três votos a dois e não levou em conta se o crime foi ou não cometido, mas se o réu ainda poderia ser punido quando foi condenado. Ex-chefe da Casa Civil de Lula e principal articulador do mensalão, o ex-guerrilheiro de fancaria foi preso em 2015, 2018 e 2019 e solto três vezes por decisões do STF

A despeito da biográfica conspurcada pelas marcas de sua passagem pelo poder e pela cadeia, Dirceu busca agora se reacomodar na conjuntura política e cavar um mandato nas eleições de 2026 (é o que acontece com eguns mal despachados: mais cedo ou mais tarde eles sempre voltam a noz assombrar). Se conseguir derrubar a derradeira condenação (os autos estão sub judice no STJ), ele voltará a ser elegível, mas decisão de disputar uma cadeira na Alesp deve ficar para o segundo semestre do ano que vem, já que o petista está de olho na presidência do partido (o mandato de Gleisi Hoffmann termina em fevereiro de 2025).
 
A PGR deve recorrer da decisão de Toffoli que livrou a cara de Marcelo Odebrecht e pode beneficiar outros alvos da Lava-Jato. Antevendo nova derrota se o recurso for julgado pela 2ª Turma, o procurador-geral Paulo Gonet cogita de pedir que caso seja julgado em plenário — uma ala da Corte entende que Toffoli não devia ter decidido o caso monocraticamente e que sua decisão fragilizou medidas do próprio tribunal (lembrando que a delação do "Príncipe das Empreiteiras" foi homologada pela ministra Carmen Lucia, então presidente do Supremo).
 
Nas pegadas dos incontáveis desserviços prestados pelas supremas togas, o ministro Fachin arquivou um inquérito que investigava o senador Renan Calheiros e ex-senador Romero Jucá pelo suposto recebimento R$ 5 milhões em troca de apoio a uma MP que beneficiaria subsidiárias da Odebrecht no exterior. A investigação foi aberta em março de 2017 e prorrogada diversas vezes, até que, em fevereiro, Fachin determinou a apresentação de um parecer conclusivo.
 
Trata-se do mesmo Jucá que proferiu uma das pérolas mais célebres da Lava-Jato e cujo vaticínio foi plenamente confirmado ao longo dos anos. Em 2016 sobre, ainda com Dilma no Planalto, o ex-senador e delator Sérgio Machado gravou uma conversa em que Jucá disse: "Tem que resolver essa porra. Tem que mudar o governo para estancar essa sangria [...] Com o Supremo, com tudo".
 
Observação: Há tempos que STF vem minando os resultados da finada Lava-Jato. Em março de 2021, a reboque da decisão teratológica de Fachin, o plenário decidiu, por 8 votos a 3, anular os processos contra Lula em Curitiba. Talvez a intenção de Fachin fosse sepultar a alegada suspeição de Moro, mas Gilmar insistiu em levar o assunto adiante e obteve o apoio de Lewandowski, Cármen Lúcia e Nunes Marques. Como coerência é artigo em falta nas supremas prateleiras, o semideus togado não se importou com o fato de a anulação dos processos implicar a perda de objeto do HC (sem falar que foi do próprio Gilmar o pedido de vista que interrompeu o julgamento em 2018, depois que a ministra Carmem Lucia acompanhou o voto do relator, contrário à tese da defesa). Em outras palavras, Moro foi julgado parcial na condução de um processo que já não existia, o que contraria a lógica e o bom senso que deveriam balizar as decisões da última instância do Judiciário, que têm a prerrogativa de errar por último. Mas o festival de bizarrices não terminou com o julgamento de um habeas corpus nulo. Em seu voto, Gilmar enxovalhou a reputação de Moro. Disse que nem seria preciso usar a munição fornecida pela Vaza-Jato, mas não só mencionou o material e criticou enfaticamente a condução coercitiva de Lula (em 2016) e outros atos do ex-magistrado nos processos anulados como deixou clara sua aversão à Lava-Jato, aos procuradores e ao juiz Marcelo Bretas, responsável pelos processos da força-tarefa no Rio de Janeiro, a despeito de a conduta deles não estar em julgamento.
 
Depois que Fachin determinou a apresentação de um parecer conclusivo sobre a investigação Calheiros/Jucá, o procurador-geral Paulo Gonet disse que os elementos de convicção obtidos ao longo da investigação não eram suficientes para o oferecimento de denúncia e solicitou o arquivamento do inquérito. 

Jucá riu por último, mas a população de Roraima fez algo parecido em 2018 e 2022, quando negou ao emedebista os votos necessárias a sua volta ao Senado.