terça-feira, 28 de maio de 2024

CONSCIÊNCIA E VIDA APÓS A MORTE (PARTE VI)

O QUE É A HISTÓRIA SENÃO UMA FÁBULA COM QUE TODOS CONCORDAM?

Enquanto desmonta a Lava-Jato e finge não ver os malfeitos feitos por Renan Calheiros e Romero Jucá — aquele Jucá que proferiu uma das pérolas mais célebres da Lava-Jato, cujo vaticínio foi plenamente confirmado ao longo dos anos —, o STF perde a pouca majestade que lhe resta. Estranhamente, suas excelências estranham ser atacadas nas ruas e nas redes e cobram respeito sem se mostrarem respeitáveis. Ao dar a impressão que prestam favores a outrem e/ou obtêm vantagens de cunho pessoal, os togados prestam um desserviço a si mesmos e à coletividade; por olharem o panorama do alto, os semideuses de toga não se dão conta do tamanho da erosão sofrida na sociedade e do quanto esse desgaste por ser nocivo para a confiança nas instituições. A disseminação da azo ao entusiasmo pela anormalidade barulhenta, que confere ao autoritarismo a chance de sugerir aos incautos a pior das soluções.

Até meados do século passado, declarava-se a morte de uma pessoa 15 minutos depois da parada cardiorrespiratória. Como o surgimento dos respiradores artificiais tornou esse critério obsoleto, convencionou-se associar o fim da vida à morte cerebral. 

Quando o sangue para de circular no cérebro, os neurônios começam a morrer, e a partir de determinado ponto o corpo deixa de ser capaz de controlar as funções vitais ou mesmo funcionar. A questão é que casos como o de Pam Reynolds (vide capítulo anterior) colocam esse conceito em xeque.

Após ouvir relatos de supostas experiências "do outro lado", o médico e professor Sam Parnia, responsável pela unidade de tratamento intensivo do hospital da Universidade de Stony Brook, nos EUA, teorizou que o cérebro seria um intermediário, uma espécie de computador que processa um sistema operacional externo (a consciência, ou a "alma", como preferem os religiosos), e não a origem da consciência em si. 
 
Para determinar se a consciência continua presente depois que toda a atividade cerebral cessa, Parnia criou o projeto AWARE (sigla em inglês para “consciência durante ressuscitação”), que documenta experiências de “pós-morte”, como ele prefere chamá-las, em hospitais dos EUA e da Europa. Num de seus principais experimentos, ele mandou fixar placas em salas cirúrgicas de 25 hospitais, posicionadas de modo que ficassem visíveis para alguém flutuando perto do teto, mas escondidas de quem estivesse de pé ou deitado. Assim, se alguém voltasse de uma morte clínica e contasse o que estava escrito nos cartazes, ficaria comprovado que a consciência pode "enxergar" coisas após a morte do corpo.

Os resultados preliminares apresentados em um encontro da Associação Americana do Coração em novembro de 2013 não foram conclusivos: dos152 sobreviventes entrevistados, 37% descreveram lembranças do período crítico, mas só dois viram alguma coisa que remetesse a EQMs e apenas um relatou eventos verificáveis, como instrumentos cirúrgicos, mas não falou nada sobre os cartazes. 

Na prática, a maior contribuição de Parnia para o debate tem sido o prolongamento do período de ressuscitação. Pacientes do hospital da Universidade de Stony Brook têm 33% de chance de resistir a paradas cardíacas, enquanto a média nos Estados Unidos é de apenas 16%. Para alcançar esses números, o médico passou a adotar medidas como resfriar o corpo de pacientes e manter alta a oxigenação no sangue enquanto o coração está parado, tudo com o objetivo de atrasar ao máximo a "apoteose" — ou seja, o "suicídio" das células cerebrais quando privadas de oxigênio. 

Foram processos semelhantes que permitiram, por exemplo, que o jogador de futebol Fabrice Muamba fosse ressuscitado mais de uma hora depois de sofrer uma parada cardíaca em pleno gramado, em 2012. Em outro livro, O que Acontece Quando MorremosParnia cita o caso de uma japonesa que esteve morta por mais de três horas e, graças a procedimentos de ressuscitação, resfriamento do corpo e oxigenação artificial do cérebro, voltou à vida sem apresentar sequelas.

Fato é que não se sabe ao certo se a mente continua a existir depois que o cérebro desliga, mas um estudo feito pela Universidade de Michigan em 2013 monitorou o cérebro de ratos que tiveram a morte induzida e descobriu que, nos primeiros 30 segundos contados a partir da parada cardíaca, eles tiveram um aumento significativo de atividade cerebral. Em tese, isso explicaria as visões e sensações descritas por pessoas clinicamente mortas que foram reanimadas, pois o corpo poderia lançar uma última cartada para se defender e permanecer vivo.
 
Há registros de EQMs em todas as partes do mundo, e menos de 20% delas evocam sensações ruins. As principais discrepâncias se
 devem a diferenças culturais: cristãos tendem a ver anjos ou o próprio Jesus Cristo em suas espiadas no além, índios americanos costumam mencionar encontros com animais mitológicos, como a águia da guerra, ao passo que os melanésios que visitam o outro lado relatam encontros com feiticeiros. O indiano Vasudev Pandey, que foi dado como morto em 1975 devido à febre tifoide, disse que foi recebido do outro lado por Yamaraja (não confundir com Iemanjá), mas que, ao perceber que ele não era o morto certo, o deus da morte mandou-o de volta à vida. 

A despeito das diferenças culturais, a maioria das EQMs tem em comuns a sensação de sair do corpo e encontrar gente que já morreu e relatos do que se convencionou chamar de "revisão de vida" — uma memória ampla, cronológica e quase imediata de tudo que a pessoa vivenciou em vida, exibida como um filme em 3D, em tela panorâmica e com riqueza de detalhes — o que pode ser uma sensação terrível ou encantadora, dependendo do que cada pessoa causou com suas ações. 

Continua...