Conhecidos pelo negacionismo climático, Carlos e Eduardo Bolsonaro desembarcaram na calamidade que se abateu sobre o Rio Grande do Sul e passaram a produzir e postar nas redes sociais bolsonaristas, já inundadas de desinformação sobre as ações dos governos federal e estadual, vídeos que o ex-presidente se apressou a compartilhar em seus perfis eletrônicos.
Autoconvertido em "vereador federal", Carluxo deu as caras na cidade de Bento Gonçalves, no dia 16, levando a tiracolo Fabio Wajngarten. A dupla desfilou ao lado do prefeito do município, Diogo Segabinazzi Siqueira, tucano como o governador gaúcho Eduardo Leite. Na véspera, em sua terceira visita ao estado gaúcho, Lula anunciara medidas de socorro direto às vítimas das enchentes.
O interesse súbito do filho do pai pelo suplício dos gaúchos contrasta com seu tradicional descaso pela emergência climática. Em julho de 2019, em meio a uma onda de frio que derrubou as temperaturas no Sul e no Sudeste, o pitbull do clã Bolsonaro rosnou no ex-Twitter: "Quando está quente a culpa é sempre do possível aquecimento global e quando está frio fora do normal como é que se chama?"
Em dobradinha com o irmão, Dudu Bananinha deixou-se filmar passeando de jet-ski sobre as águas que inundaram a cidade gaúcha de Eldorado do Sul. Antes, bateu bumbo nas redes sociais para alardear que destinara uma de suas emendas orçamentárias para o Estado — coisa de R$ 1 milhão. Sua antiga aversão aos alertas científicos sobre as variações climáticas revela que o barulho que ele produz é cenográfico. Seu tambor é vazio por dentro.
Em 2018, num prenúncio do que estava por vir depois da posse do pai no Planalto, zero três propagou um vídeo tóxico no qual apoiava a decisão de Donald Trump de retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. Em visita ao país de seu ídolo, rodeado de neve, Eduardo indagou: "Que aquecimento global é esse? Não deixe que o discurso, principalmente dos globalistas, matéria em cima de matéria, jogando essa mentira para vocês, que ela reste sedimentada como verdade".
Bolsonaro pai, que ainda estava internado em São Paulo quando os filhos chegaram ao Rio Grande do Sul, recebeu alta hospitalar na sexta-feira, 17, após 12 dias no estaleiro. Antes, postou a movimentação dos rebentos. Insinuou que Carlos iluminava em Bento Gonçalves cenas sonegadas ao país por uma legião de repórteres ao revelar "as peculiaridades dos problemas locais, expondo situação catastrófica do Vale, algo pouco exposto na mídia convencional, que está focada na região de Porto Alegre, Lajeado e Canoas". Para realçar a hipotética solidariedade de Eduardo, disse sua insolência: "Meu outro filho, o deputado federal Eduardo, remanejou parte de suas emendas parlamentares para ajuda na região e outras áreas afetadas nesta enchente histórica que destruiu todo o estado em questão. Seguimos acreditando e fazendo nossa parte na união do nosso amado Brasil."
Nos quatro anos que passou no Planalto, Bolsonaro trafegou na contramão do receituário da ciência. Em 2019, o Brasil deveria ter sediado a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, mas sua recusa despachou o encontro para Madri e escancarou, no cercadinho do Alvorada, trombeteou que a pressão internacional por medidas contra a emergência climática era "mero jogo comercial".
Na época, o chanceler era Ernesto Araújo, negacionista de mostruário, expôs o Brasil ao vexame em palestra nos Estados Unidos, na Heritage Foundation, uma entidade conservadora de viés trumpista, e o ministro Ricardo Salles, mais preocupado em passar a boiada do que com o crime ambiental, disse que Bolsonaro e Trump pegavam em lanças contra o sistema internacional liderando uma "insurgência universal contra a bobagem", classificou de "climatismo" os esforços contra a transformação do clima e atribuíu a preocupação dos líderes globais não à sensatez, mas a uma "hipnose coletiva", um "apocalipse zumbi".
Se tragédias como a do Rio Grande do Sul servem para alguma coisa, é para demonstrar que, embora pessoas como Bolsonaro, seus filhos e seus cúmplices odeiem os fatos, a realidade ainda é o único lugar onde é possível obter medidas de prevenção contra os desastres climáticos. Uma criança de cinco anos, com a mente ainda despolarizada, seria capaz e perceber que gente como Jair, Eduardo e Carlos Bolsonaro confunde amnésia com consciência limpa. A ex-primeira família aposta no tumulto. Quem não quiser fazer papel de bobo precisa se dar conta de que pessoas que nunca levaram em conta a realidade não merecem ser levadas em conta.
Com Josias de Souza