quinta-feira, 13 de junho de 2024

O MAQUIAVEL DE MARÍLIA


Às vésperas de completar 15 anos no STF, o ministro Dias Toffoli segue fazendo história — e assim continuará até 2042, já que, em nossas cortes superiores, a aposentadoria dos magistrados só é compulsória aos 75 anos. Claro que nada impede sua excelência antecipar a troca da suprema toga pelo supremo pijama — como fez Joaquim Barbosa em julho de 2014, aos 59 anos —, nem o destino de presenteá-lo com o pijama de madeira — como fez com Menezes Direito em 2009 e Teori Zavascki em 2016. 

Gilberto Freyre, morto há 37 anos, disse certa vez que o formalismo exacerbado leva os juristas a se isolarem da realidade brasileira. Se ainda caminhasse entre os vivos, o autor de Casa-Grande & Senzala contataria que o problema de certos ministros do STF não é o excesso de liturgia, mas a falta dela. A julgar pela desfaçatez com que se dedicam a rega-bofes e encontros com o lobismo político e empresarial, algumas togas já deram alta aos psicanalistas, e Toffoli é um dos que desafiam Freud e a própria sensatez. 

 

A penúltima afronta do Maquiavel de Marília (apelido cunhado pelo jornalista paraibano José Nêumanne) ao recato produziu a torrefação de R$ 39 mil em diárias internacionais de um agente de segurança, que o acompanhou de 25 de maio a 3 de junho, durante uma viagem ao Reino Unido sem o menor vestígio de interesse público.

 

No dia 1º, Toffoli compareceu à final da Champions League e assistiu à vitória do Real Madrid sobre o Borussia Dortmund em camarote financiado pelo empresário Alberto Leite, dono da FS Security — um devoto de Bolsonaro, fã de Elon Musk e crítico de Alexandre de Moraes. Antes, entre abril e maio, excursões por Londres e Madrid já haviam torrado quase R$ 100 mil em diárias do segurança. Em nota, a assessoria do ministro realçou que as viagens não afetam o ritmo de trabalho do magistrado, que continua a proferir decisões e a participar das sessões plenárias, ainda que virtualmente.

 

Em despachos recentes, Toffoli cancelou as penas de Marcelo Odebrecht, anulou punições à Odebrecht e até à J&F, que nada tem a ver com a Lava-Jato. Na véspera do Carnaval, suspendeu com um pedido de vista o julgamento dos embargos protelatórios opostos pela defesa de Collor no processo em que o Rei-Sol foi condenado a 8 anos e 10 meses de reclusão, e devolveu os autos três meses depois, acompanhado do voto pela redução da pena para menos da metade (o que permitiria o cumprimento em regime aberto desde o início). 

 

O Supremo faria um bem a si mesmo se aplicasse em relação ao eminente togado — e a outras togas assemelhadas — a fórmula contida numa lei enunciada pelo ex-ministro da Fazenda e economista Mario Henrique Simonsen, segundo a qual é preferível pagar a comissão de certas obras para que os interessados esqueçam o projeto. Mal comparando, pode ser mais vantajoso para o país pagar as despesas de viagens internacionais e nacionais de Toffoli, desde que ele seja dispensado de tomar decisões judiciais.

 

Continua...