domingo, 1 de setembro de 2024

MUSK X MORAES — A NOVELA CONTINUA

MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO.

O furdunço em epígrafe surgiu nas pegadas do inquérito das fake news e ganhou vulto no ano passado, quando uma investigação envolvendo apoiadores e aliados de Bolsonaro que financiaram, fomentaram ou participaram da tentativa fracassada de golpe no 8 de janeiro, foi instaurada pelo STF e relatada por Alexandre de Moraes — que é relator também dos inquéritos das milícias digitais e dos atos golpistas.

Após determinar o bloqueio de perfis de diversas pessoas acusadas de atentar contra o Estado Democrático de Direito e o processo eleitoral, Moraes foi causado por políticos ligados ao líder da escumalha golpista de cercear a liberdade de expressão nas redes sociais. Em resposta, o ministro sustentou que liberdade não se confunde com permissão para desrespeitar leis e agir contra a ordem democrática, e que as redes sociais não são "terra de ninguém". 

Depois que Elon Musk tomou as dores dos direitistas radicais e usou sua rede social para atacar Moraes, o ministro o arrastou para o inquérito das milícias digitais, e a novela virou uma guerra de egos: o de Musk, agigantado por seus bilhões, e o de Moraes, inflado pelo poder extraordinário que lhe foi conferido por seus pares. 

Alegando preocupação com a segurança de sus funcionários no Brasil e com uma possível prisão do representante legal do "Xwitter",  o bilionário desmontou o escritório local, recusou-se a pagar mais de R$ 18 milhões em multas e a  um novo representante para sua rede social — exigência legal que se aplica a qualquer empresa estrangeira que atue no território nacional. 
 
Na última sexta-feira, Moraes determinou que o X fosse tirado do ar. Na falta de um representante legal no país, o magistrado intimou o próprio Musk uma postagem no próprio X, na qual marcou o perfil do empresário e a conta de assuntos globais da mídia social (foi a primeira vez que o STF usou o ex-Twitter para intimar alguém). Musk respondeu com postagens ofensivas e memes sarcásticos, comparando o togado a vilões de Star Wars e Harry Potter e publicando uma foto (criada por inteligência artificial) de um rolo de papel higiênico com o nome "Alexandre". Em reposta, Moraes bloqueou as contas da Starlink — provedora de internet via satélite que também pertence ao bilionário por meio da SpaceX — e foi chamado pelo desafeto de "tirano" e "ditador do Brasil".
 
Observação: Nos meus tempos de ginásio, desinteligências eram resolvidas na base do "te pego lá fora", pois pugilatos intramuros não eram tolerados pelo corpo docente. Embora os ânimos se acalmassem até o momento do embate, a falta de uma "saída honrosa" e a pressão dos colegas (que queriam ver o circo pegar fogo) inviabilizava o armistício, pois quem o propusesse seria taxado de "arregão". Mas isso era coisa de pré-adolescentes que compravam merenda com dinheiro da mesada, de jovens impúberes cujas opiniões não valiam um traque.  
 
Moraes voltou atrás no tocante ao bloqueio de VPN nas lojas App Store e Google Play Store — que, segundo ele próprio reconheceu, prejudicaria empresas que nada têm a ver com o peixe —, mas manteve a suspensão do X e a multa de R$ 50 mil a qualquer pessoa (natural ou jurídica) que ouse burlar a proibição. 

Tudo somado e subtraído, manda quem pode e obedece quem tem juízo, mas a decisão de Moraes rebaixou o Brasil ao nível de países como Rússia, Coreia do Sul, Cuba, Venezuela e outras ditaduras escrachadas ou disfarçadas. Não por exigir que uma plataforma estrangeira que opere no país cumpra as leis brasileiras, mas porque a forma como vem conduzindo o assunto afeta negativamente a segurança jurídica e a confiança de investidores internacionais, além de reacender o debate sobre o limite entre regulação e censura nas redes sociais.
 
Moraes deixou Musk numa sinuca de bico. Se nomear um representante legal, o bilionário estará mandando essa pessoa para a cadeia, a menos que capitule cumpra as determinações anteriores e censure os alvos do ministro. Se não quiser nenhum desses desfechos, só lhe resta continuar desobedecendo as determinações judiciais e arcando com as consequências. Em contrapartida, Musk transformou o que Moraes imaginava ser uma cruzada em defesa do Estado Democrático de Direito numa briga de bar. Na última sexta-feira, em meio a memes e garrafadas virtuais, Moraes rejeitou um recurso do X contra o bloqueio de 34 perfis sem analisar o mérito. Alegou que cabe à plataforma cumprir as ordens judiciais, não recorrer em nome dos bloqueados. 

Observação: A decisão de Moraes foi submetida à 1ª Turma do STF, que, por unanimidade, manteve a suspensão do X no Brasil, mas existe a possibilidade de o caso ir a plenário, de modo a proteger o tribunal de acusações de abuso de poder. 
 
Com um patrimônio estimado em US$ 250 bilhões, Musk está cagando e andando para dinheiro. Mas o desenlace da novela, qualquer que ele seja, trará prejuízos para os usuários do Xwitter e sobretudo para os brasileiros conectados à internet pela Starlink. Mas as leis existem para serem cumpridas. Moraes não tinha alternativa senão intimar Musk, que pode discordar de suas decisões, mas a maneira correta de contestá-las é a interposição de recursos, e ele tem dinheiro de sobra para apresentar recursos. 

Em mais um emocionante capítulo da novela (que parece estar longe de terminar), Musk criou a conta "Alexandre Files" para divulgar supostos "crimes" de Moraes no âmbito do bloqueio de conteúdos e perfis da plataforma. Uma publicação promete "lançar luz sobre os abusos" e outra qualifica de "violação frontal da lei" uma determinação do ministro de bloquear os perfis do senador bolsonarista Marcos do Val e da filha adolescente do blogueiro bolsonarista Oswaldo Eustáquio, entre outros.


Observação: "ELON MUSK confunde LIBERDADE DE EXPRESSÃO com uma inexistente LIBERDADE DE AGRESSÃO, confunde deliberadamente CENSURA com PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL AO DISCURSO DE ÓDIO E DE INCITAÇÃO A ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS", escreveu Moraes ao derrubar o X, usando letras maiúsculas, e afirmou ainda que "não se trata de novidade" a instrumentalização das redes sociais para "divulgação de diversos discursos de ódio", e que o "ápice dessa instrumentalização" contribuiu para a tentativa de golpe de estado de 8 de janeiro de 2023.

 
Tão importante quanto a continuidade dos processos é sua conclusão. A sensação de invulnerabilidade do refugo da escória da humanidade e do alto comando do golpe vai se tornando um novo atentado à democracia. De resto, a atmosfera de emergência institucional perdeu o prazo de validade: Aras foi para casa, os réus do 8 de janeiro colecionam sentenças e a PF faz o seu trabalho. Se Moraes voltasse a ser apenas Alexandre, não haveria um Xandão para Musk chutar. O ministro ainda não percebeu, mas está lidando com um porco-espinho, e esse porco-espinho o está arrastando para seu chiqueiro.

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