quarta-feira, 20 de novembro de 2024

CIÊNCIA X RELIGIÃO... (FINAL)

SEM O MEDO DO DIABO NÃO EXISTE NECESSIDADE DE DEUS.
 
A morte é a única certeza que temos na vida, mas o que acontece depois — isso se houver um "depois" — intriga a humanidade desde os tempos mais antigos. 

Os católicos não acreditam em reencarnação; os "bons" vão para o Céu e os "pecadores", para o Inferno (não deixe de ler esta anedota). Na visão dos espíritas, os "maus" reencarnam para evoluir espiritualmente. Já os judeus... enfim, cada grupo tem sua versão do que seria a vida após a morte, e o desfile de crenças é tão variado quanto o desfile das escolas de samba na Marquês de Sapucaí.

A perspectiva da vida eterna sempre foi (e continuará sendo) explorada por proselitistas que alegam falar em nome de um Deus cuja existência jamais se provou. E, claro, soam convincentes: afinal, o sucesso do engodo depende da habilidade do enganador em manipular a fé alheia, como bem ilustra a origem do termo "conto do vigário". Uma das versões mais conhecidas remonta a Ouro Preto, onde um pároco propôs amarrar uma imagem de Nossa Senhora a um burro e sugeriu que o animal decidisse para qual paróquia a santa deveria ir. O burro foi direto para a igreja de Pilar, que ficou com a imagem até que se descobriu que o burro pertencia ao pároco da outra paróquia.


Política e religião não são mutuamente excludentes, mas a influência da religião na política cria uma via de mão dupla que fomenta a instrumentalização recíproca. Reivindicando uma suposta interlocução divina, padres, pastores e outros "religiosos" (dentro ou fora dos parlamentos) exercem forte influência sobre a população, que, fragilizada pelo temor do fogo do inferno, se deixa manipular pela verborragia desses mestres do proselitismo. O truque é velho como o diabo, mas funciona, pois oferece conforto diante das incertezas do porvir.

 

A fé individual não depende de rituais, hierarquias ou dogmas. Ela surge espontaneamente, movida por experiências profundas e pessoais — como um momento inesperado de conexão com a existência —, e se desenvolve sem a necessidade de intermediários ou tradições rígidas. Em tempos de desconfiança nas instituições, muitos encontram na espiritualidade uma maneira de se conectar com uma força maior. Para outros, a fé é uma confiança silenciosa em algo transcendente, uma aceitação do mistério que dispensa "explicações definitivas".

 

A complexidade do Universo pode ser contemplada e apreciada sem uma explicação finalista. Ao afirmar que somos "poeira das estrelas", o astrofísico Carl Sagan não só descreveu a conexão entre nós e o cosmos como abriu uma janela para que muitos vejam no vasto Universo um sentido de "sagrado", mesmo que sem figura divina. Até porque a ciência não invalida a fé — ela a expande. 


A fé pode ser uma admiração pelo Universo, uma disposição para o questionamento, uma abertura ao desconhecido, uma busca por novas respostas, uma maneira de honrar o mistério da existência. Einstein, Spinoza e outros grandes pensadores viam no Universo uma ordem tão majestosa que, mesmo sem acreditar em um "Deus pessoal", sentiam-se conectados a uma força criadora e consideravam a busca pelo conhecimento um ato quase espiritual — Einstein chegou a dizer que o mistério é a fonte de toda verdadeira arte e ciência.

 

A busca pelo autoconhecimento mostra que a espiritualidade livre pode ser um uma maneira de nos conectarmos com o mundo sem a necessidade de um conjunto de crenças formais. A fé, nesse contexto, se torna uma prática interior, uma jornada de descoberta pessoal que aceita as incertezas da existência.

 

Diferente de muitas religiões tradicionais, que impõem normas e rituais rígidos, a espiritualidade pessoal se ajusta aos valores e necessidades de cada um. Meditação, contemplação da natureza ou mesmo o simples exercício de gratidão são maneiras de alinhar a vida com uma ordem maior. Uma fé ao mesmo tempo íntima e universal, que respeita o mistério sem se prender às religiões formais nem enjeitar as tradições. 


Uma fé que aceita respostas parciais, valoriza o caminho e celebra o mistério é um retorno ao sentido mais original da espiritualidade, de uma ligação com o que nos transcende sem precisar de explicações definitivas. Em outras palavras, uma confiança de que, mesmo sem respostas absolutas, nossa existência tem um um propósito, ainda que seja simplesmente a busca por entender o insondável.


Quod erat demonstrandum.