A CORRUPÇÃO É A MAIOR DAS INVENÇÕES POLÍTICAS. ELA TÃO GRANDIOSA QUE, SE ACABAR, ACABAM OS POLÍTICOS.
Em 1993, o general Ernesto Geisel qualificou Jair Bolsonaro como anormal e mau militar. Em momentos distintos da ditadura, Pelé e o general Figueiredo alertaram para o perigo de misturar brasileiros com urnas em eleições presidenciais. Geisel era um sábio; Pelé e Figueiredo eram profetas e não sabiam.
Em 2021, o empresário Paulo Marinho — que transformou a própria casa em estúdio de programa eleitoral para a campanha bolsonarista de 2018 — disse que Bolsonaro sabia que seria preso pelos crimes que havia cometido e ainda cometeria até o final de seu mandato, e planejava "virar a mesa". Marinho era um vidente: meses depois, farejando a derrota nas urnas, Bolsonaro rosnou que só haveria eleições se houvesse voto impresso.
Ao longo de sua passagem pelo Planalto, Bolsonaro incitou ou participou pessoalmente de manifestações pró-ditadura, promoveu "motociatas", cavalgou pela Explanada dos Ministérios (mimetizando o ex-chefe do SNI, Newton Cruz) e articulou um desfile de tanques defronte ao Congresso (para pressionar os parlamentares a aprovar a PEC do voto impresso).
Sempre que se via ameaçado, o capetão fingia recuar. Mas pau que nasce torto morre torto, e ele logo reencarnava o "anormal e mau militar" que, numa democracia séria, seria inexoravelmente apeado do cargo. Mas o Brasil é uma republiqueta de bananas, e o antiprocurador-geral, o imperador da Câmara e o próprio STF fingiram não ver o que o pior mandatário desde Tomé de Souza estava fazendo.
Sem a blindagem do cargo, inelegível até 2030 e na bica de ser processado criminalmente, Bolsonaro admitiu em entrevista ao portal UOL que, se sua prisão for decretada, ele pode se refugiar em alguma embaixada (como fez em fevereiro, quando passou dois dias na embaixada da Hungria, após ter o passaporte apreendido). Se a fala foi um ato falho ou uma estratégia para se promover de "perseguido" a "preso político" e causar "comoção social", só saberemos com o desenrolar dos acontecimentos.
De acordo com o relatório da PF, o ex-presidente planejou, atuou e teve o domínio de forma direta e efetiva dos atos executórios realizados pela organização criminosa. O golpe de Estado e da abolição do Estado Democrático de Direito só não se consumou devido a circunstâncias alheias à vontade dos golpistas. O próprio Bolsonaro admitiu que discutiu com militares a decretação de estado de sítio, de defesa, e a utilização do famigerado artigo 142.
Mauro Cid montou em slides um plano de fuga para o chefe e produziu fake news sobre hackers terem encontrado vulnerabilidades nas urnas. A célebre "minuta do golpe" foi apresentada aos comandantes, e o plano "Punhal Verde e Amarelo" foi impresso no Palácio do Planalto pelo então secretário-executivo da Secretaria-geral da Presidência, general Mário Fernandes.
Os militares golpistas não têm do que se queixar, pois o golpe veio. Não na forma da ditadura que eles desejavam, mas como um conto do vigário em que eles caíram. Tudo que parecia ser deixou de ser quando Bolsonaro, já então indiciado, negou ter discutido o golpe e classificou o plano de assassinar Lula, Alckmin e Moraes de "papo de quem tem minhoca na cabeça". E como o Brasil é o país da piada pronta, sua defesa diz agora que o golpe não beneficiaria seu cliente, mas uma junta comandada pelos generais palacianos Braga Netto e Augusto Heleno.
O abantesma do Planalto assombrou a democracia por quatro anos com o bordão do "meu Exército". Se ele e seus acólitos fardados não concordavam em tudo, pelo menos não discordavam no golpismo. Mas a tentativa de instrumentalizar as FFAA falhou no atacado, e, no varejo, seu ex-comandante-em-chefe arrastou para o rol de indiciados 25 fardados (67,5% do total de candidatos à tranca).
A caminho do patíbulo supremo, o verdugo do Planalto se apega ao cinismo como um náufrago se agarra a um jacaré pensando ser um tronco. Se perguntasse ao general Mário Fernandes, preso preventivamente, o que ele está fazendo "lá dentro", Bolsonaro talvez ouvisse do redator do plano que previa os assassinatos de Lula, Alckmin e Moraes: "O que você está fazendo aí fora?"
Observação: Começa a ser julgado nesta sexta-feira, no escurinho do plenário virtual, o recurso de Bolsonaro que postula o afastamento de Moraes do inquérito do golpe, já que, por ser vítima, não poderia relatar e julgar o caso. Segundo a PGR, o que o ex-presidente pretende é usar o julgamento para tentar convencer a população de que vem sendo perseguido por "Xandão". O pedido foi rejeitado monocraticamente pelo presidente das togas em fevereiro; nos bastidores, dá-se de barato que o resultado do recurso será o mesmo.
O "mito" dos sem-noção continua dizendo que disputará a Presidência em 2026, mas a Operação Contragolpe reduziu a subzero suas chances de reverter a inelegibilidade no TSE, de modo que ele já admite delegar ao filho Eduardo o papel de bonifrate (como fez Lula com Haddad em 2018).
O ex-presidiário do mensalão, dono do PL e integrante da lista de 37 indiciados pela PF sugeriu lançar a candidatura de Flávio Bolsonaro, mas uma parte da legenda avalia que, por estar mais conectado com a militância de direita que baba os ovos de Trump, o ex-fritador de hambúrgueres que quase virou embaixador seria uma opção melhor que o senador das rachadinhas. Como Tarcísio de Freitas, Romeu Zema, Ronaldo Caiado também estão de olho no Planalto, a disputa será acirrada.
Cabe ao STF reaproximar o capitão golpista do seu exército de traíras. Uma sentença criminal está de bom tamanho para o reencontro. Em "Canção da América", Milton Nascimento e Fernando Brandt ensinam que "amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves".
No mínimo, a 28 anos de cana.