segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

CADA POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE

QUANDO SE TEM 20 ANOS, A VIDA É UM MAPA RODOVIÁRIO; QUANDO SE CHEGA AOS 25, COMEÇA-SE A ACHAR QUE O MAPA DE CABEÇA PARA BAIXO; AOS 40, VEM A CERTEZA DISSO, E AOS 60, A PERCEPÇÃO DE QUE SE ESTÁ ABSOLUTAMENTE PERDIDO.

 

Durante a campanha pelo terceiro mandato, Lula prometeu "devolver a picanha e a cervejinha" aos depauperados, recolocar o Brasil nos trilhos do crescimento e pendurar as chuteiras chulezentas em janeiro de 2027. Eleito, disse que quer viver até os 120 anos e disputar mais umas 10 eleições (que deuses e demônios se unam para nos livrar de tamanha desgraça). Em 26 messes de gestão, detonou teto de gastos via assistencialismo eleitoreiro, ressuscitou a inflação e empurrou o dólar para a casa do R$ 6; hoje, seus índices de rejeição superam os de aprovação (algo inédito para o xamã-petista, que se orgulhava de eleger — como de fato elegeu — até postes). 
 
Em contraposição, contando com o ovo na cloaca da galinha — refiro-me a duas propostas de mudança na Lei da Ficha Limpa —, Bolsonaro fala como se fosse a última bolacha do pacote. Mesmo que o apoio do Centrão facilite a aprovação das PLs, é preciso observar o princípio da anterioridade eleitoral, sem falar que o TSE pode entender pela não-retroatividade, e o Supremo, considerá-las inconstitucionais.

 

São grandes as chances do "mito" de ser condenado a mais de 20 anos de prisão pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, organização criminosa, venda das joias sauditas e fraude em cartões de vacinação. Espera-se que o procurador-geral Paulo Gonet ofereça a denúncia já nas próximas semanas, e que o STF liquide a fatura entre outubro e novembro. Por outro lado, além de cega e surda, a Themis brasileira se tornou uma espécie de dogma: só acredita nela quem tem muita fé: Lula pegou 25 anos de cana (somadas as penas do caso do tríplex e do sítio), mas cumpriu míseros 580 dias e foi "descondenado" por uma sequencia de decisões teratológicas.
 
Em sua campanha eleitoreira antecipada pelo Nordeste, 
a autoproclamada "alma viva mais honesta do Brasil" disse que Bolsonaro perderia novamente se o enfrentasse em 2026, e que "não há possibilidade de a mentira ganhar a eleição no Brasil (pausa para as gargalhadas). Mas não há guerra dos bonés que dê jeito na comunicação de um gestor que, com a geladeira do Alvorada abarrotada de todas as iguarias que o déficit público pode pagar, mimetiza Maria Antonieta — a última rainha da França antes da Revolução Francesa, que teria recomendado aos franceses que não tinham pão que comessem brioches — e tenta culpar as vítimas pela carestia

Como falar besteira lhe é tão natural quanto respirar, o grande xamã da petralhada perorou para um bando de pacóvios amestrados que "na hora em que o dinheiro começar a circular na mão das pessoas, ninguém aqui vai comprar dólar, ninguém vai gastar no exterior". Se a ideia era atrair a sociedade para um combate conjunto à inflação, de duas, uma: ou falhou o conselheiro e novo mago da Esplanada, Sidônio Palmeira, ou o presidente abusou se sua descabida confiança nos improvisos. 

A culpa pela carestia pode ser da disparada do dólar, da alta dos juros, da volta da inflação, do desapreço do governo pelo controle dos gastos, enfim, mas jamais da população, que não tem tempo a perder com guerras de bonés e embates entre sujos e mal lavados. Nos casos mais crônicos, o brasileiro só tem tempo para certas horas — a hora do café, a hora do almoço, a hora do jantar. Quem convive com a sobra do mês no fim do salário sonha com o dia em que terá uma fome típica de presidente, dessas que se pode resolver simplesmente abrindo a geladeira do palácio.
 
A historiografia moderna já demonstrou que Maria Antonieta jamais pronunciou a frase que lhe foi atribuída, mas a declaração do Sun Tzu de Atibaia foi filmada e caiu nas redes como um brioche fornecido à oposição. Mas falto senso de ridículo ao bolsonarismo, pois a inflação dos alimentos foi ainda maior no governo do capetão — a fila do osso é parte da iconografia da Presidência do "mito".
 
Lá atrás, quando da edição do Plano Real, houve colaboração da população, mas a partir de uma solução objetivamente apresentada pelo governo. Aqui, a impressão é de que o governo quer tirar o corpo fora. Lula vem a público compartilhar sua indignação com a carestia (termo usado pelo PT quando era oposição) como se suas palavras tivessem o dom de se sobrepor aos fatos. O truque não funciona, a exemplo da estratégia de trazer de volta a figura de Roberto Campos Neto para culpar pela inflação que o ex-presidente do BC buscou conter com a anuência do sucessor indicado por Lula

Se quiser recuperar a confiança dos brasileiros, o macróbio precisa fazer jus à delegação recebida nas urnas, começando por assumir suas responsabilidades sem falácias, transferências ou maquiagens nas prefere flertar com a autocombustão jogando a inflação dos alimentos no colo das vítimas (com a ajuda do PT e até de Janja) quando ministério chefiado pelo petista Wellington Dias, que cuida do Bolsa Família está metido num caso que envolve dois contratos com ONGs de São Paulo — um, orçado em R$ 5,6 milhões, deveria fornecer comida a quem passa fome; outro, avaliado em R$ 5,2 milhões, levaria cursos de capacitação a quem rala por um emprego. Numa ponta está o ministro petista, na outra, entidades ligadas a petistas da notória família Tatto, com representantes na Câmara Federal e na Assembleia Legislativa de São Paulo. 

Junto com a inflação e a suspeita de corrupção veio a opacidade: o MP instaurou inquérito para investigar a recusa do governo em fornecer dados requisitados com base na Lei de Acesso à Informação — das despesas com a alimentação do Alvorada ao número de servidores mobilizados para assessorar a primeira-dama. Na campanha, Lula prometeu revelar por que Bolsonaro "escondia tanta coisa" sob o sigilo de 100 anos. Eleito, aderiu ao esconde-esconde. Sua situação não é tão crítica como foi durante o Mensalão ou enquanto ele esteve prisão, mas está longe de ser tranquila: além da crise de credibilidade e da popularidade declinante, o parteiro do Brasil Maravilha vê o Centrão amealhar cada vez com mais poder e convive com um paradoxo: se ceder ainda mais espaços no governo aos aliados de hoje, estará favorecendo sues adversários de amanhã.

Enfim, quem pariu Mateus que o embale (dizem que o certo é "quem pariu que mantenha e embale", mas o sentido é o mesmo).