quinta-feira, 9 de outubro de 2025

DE VOLTA À (IN)SEGURANÇA DIGITAL (FINAL)

INFORMAÇÃO É PODER, E O PODER CORROMPE.

O modelo de negócios dominante é baseado na coleta e monetização de dados pessoais. Quanto mais digitais nos tornamos, mas rastros deixamos: gostos, hábitos, rotas, padrões de sono, saúde, consumo, relacionamentos e tudo mais que possa interessar aos bisbilhoteiros de plantão.

Os smartphones são espiões perfeitos: eles sabem onde estamos, com quem falamos, o que pesquisamos, compramos ou desejamos, já que a maioria dos aplicativos solicita permissões que vão muito além do necessário — e a maioria de nós concede acesso irrestrito a microfone, câmera, localização e contatos.

Observação: Um app de lanterna, por exemplo, não precise saber onde moramos. Só que nós permitimos que ele saiba — e que alguém lucre com isso.

CONTINUA DEPOIS DA POLÍTICA

Diz um ditado que quem já foi rei nunca perde a majestade, e outro, que quem nasceu para teco-teco nunca será um bimotor. O governador Tarcísio de Freitas se enquadra perfeitamente no segundo aforismo.
Num instante em que cresce o número de mortes e internações pelo consumo de drinks intoxicados com metanol, o discípulo de Bolsonaro achou que seria uma boa ideia fazer graça: "no dia em que começarem a falsificar Coca-Cola, eu vou me preocupar", disse ele. Num contexto em que há pessoas morrendo, só uma coisa é mais dura do que a suavidade da indiferença: a insensibilidade do descaso.
Comparado consigo mesmo, Tarcísio tratou os envenenados de metanol com o mesmo descaso que dedicou às vítimas de sua PM quando a ONG Conectas recorreu ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas contra as "operações letais e a escalada da violência policial na Baixada Santista". Comparado a Bolsonaro, a criatura soou tão inadequada quanto o criador nos piores momentos da pandemia: "Pelo meu histórico de atleta, não precisaria me preocupar..."; "E daí? Todos vão morrer um dia..."; "Não sou coveiro...".
Fica evidente que o governador que serve maus drinks à sociedade deveria extrair um ensinamento da conjuntura: se beber coca-cola, não se dirija ao microfone.

A enxurrada de anúncios que recebemos é uma "consequência natural" de nossas incursões pela Web e das pesquisas que fazemos com o Google Search ou qualquer outro mecanismo de busca. No entanto, anúncios que remetem a produtos sobre os quais conversarmos por voz leva água ao moinho da teoria conspiratória segunda a qual smartphones e assistentes virtuais realmente espionam seus usuários.

Os fabricantes garantem que seus espiões, digo, que seus produtos aguardam o comando de ativação para começar a gravar e processar o áudio, que as gravações são armazenadas localmente ou em servidores seguros, e que os dados coletados não são usados para fins de marketing. Como seguro morreu de velho, desative o microfone dos gadgets quando eles não estiverem sendo usados, instale um bloqueador de anúncios no celular, revise suas configurações de privacidade e limite as permissões de acesso dos aplicativos.

A maioria dos spywares (softwares espiões) disponíveis para download na Internet costuma se disfarçar de joguinhos, blocos de notas ou outros programinhas aparentemente inofensivos, mas cumpre seu papel, embora ofereça menos recursos que as versões comercializadas por empresas, cuja instalação requer acesso físico e desbloqueio do aparelho.

A IA de que dispomos não se compara à do HAL 9000 ou do Skynet, mas já existem veículos que controlam a direção, os freios e o acelerador com o auxílio de sensores cada vez mais sofisticados e precisos (radar, câmeras, lidar). Telas para o carona e os passageiros que viajam no banco traseiro são o presente; no futuro, requintes como realidade aumentada e integração de inteligências artificiais ainda mais avançadas permitirão ao software adequar as faixas musicais ao gosto do motorista da vez, por exemplo, além de tornar ainda mais precisas as atualizações OTA.

 

Luzes-espia que indicam problemas no sistema perderão a razão de existir quando a IA antecipar qualquer mau funcionamento através de check-ups preditivos. Nos carros elétricos, o navegador por satélite incluirá paradas de carregamento e recalculará a rota se detectar mudanças no trânsito, nas condições climáticas ou no estilo de direção. A IoT (internet das coisas) será a base das cidades inteligentes, onde semáforos, edifícios e veículos V2V (Vehicle To Vehicle) conversarão entre si, reduzindo consideravelmente os congestionamentos.

 

Embora (ainda) não faça sentido temer uma "revolta das máquinas", softwares cada vez mais complexos podem tanto resolver como criar problemas — vale lembrar o velho adágio segundo o qual "os computadores vieram para resolver todos os problemas que não existiam quando não havia computadores". 


Manter nossos dados sensíveis fora do alcance de bisbilhoteiros e cibercriminosos é crucial: afora a possibilidade de informações caírem nas mãos de pessoas mal-intencionadas, os riscos de o veículo ser roubado ou controlado remotamente porque alguém que consiga acesso ao sistema para gerenciar a direção, o acelerador e os freios são no mínimo preocupantes. Infelizmente, é mais fácil falar do que fazer.

 

As montadoras coletam dados para "aprimorar seus produtos e serviços", mas também os utilizam para incrementar seus ganhos. Companhias de seguros compram informações sobre nossos hábitos de dirigir para prever com maior precisão a probabilidade de acidentes e ajustar o custo das apólices, e empresas de marketing as utilizam para direcionar a publicidade com base em nossa renda, estado civil e status social. Em 2020, 62% dos veículos vinham de fábrica com essa função controversa — e o número deve aumentar para 91% até o final de 2025. I


Isso sem falar em outros cenários de monetização desagradáveis, como ativar ou desativar funções adicionais do carro por meio de assinaturas — como a BMW tentou fazer com assentos aquecidos — e bloquear um veículo financiado em caso de inadimplência. Para piorar, os fabricantes nem sempre protegem adequadamente os dados que armazenam. A Toyota admitiu um vazamento de dados coletados de milhões de modelos habilitados para a nuvem, e a Audi, de informações de mais de 3 milhões de clientes. Em 2014, a empresa de cibersegurança russa Kaspersky concluiu que a possibilidade de criminosos controlarem remotamente um veículo não é uma simples fantasia futurista. 

 

Segundo um velho axioma do marketing, quando você não paga por um produto, é porque você é o produto. Se 80% da receita do Google e a maioria de webservices e apps freeware se monetiza através de anúncios publicitários, nossa privacidade é conversa mole para boi dormir. Ademais, os cibervigaristas se valem de anúncios chamativos para conduzir suas vítimas a sites fraudulentos ou recheados de malware. 

 

Muitas pessoas que se preocupam com a possibilidade de seus celulares serem monitorados e suas assistentes virtuais "escutarem" suas conversas — o que até faz sentido, considerando que os próprios fabricantes reconhecem que colhem informações para alimentar seu aparato de marketing — entopem suas redes socais com fotos de casa, do carro novo, do restaurantes que frequenta, dos filhos vestidos com o uniforme da escola, e assim por diante. 


O microfone precisa permanecer em stand-by para detectar a palavra de ativação, já que as assistentes virtuais são projetadas para responder a comandos de voz. Mas gravar as conversas o tempo todo, como alguns suspeitam que seus celulares fazem, aumentaria exponencialmente o consumo de dados móveis e aumentaria drasticamente o consumo de bateria. 


Ainda que a amaça de "espionagem" seja real, jabuti não sobe em árvore. Se há um spyware no seu aparelho, é porque você ou alguém o instalou. Na maioria dos casos, o próprio usuário instala o software enxerido a partir de um link malicioso ou de um app infectado, mas cônjuges ciumentos ou pais "zelosos" também podem se aproveitar de um descuido para fazer o servicinho sujo. 


Revelações como as de Edward Snowden, em 2013, mostraram ao mundo que governos — e não apenas os autoritários — mantêm sistemas de espionagem maciça. A NSA, por exemplo, monitorava milhões de comunicações, dentro e fora dos EUA, inclusive de chefes de Estado, sob o pretexto da "segurança nacional". Na China, o sistema de “crédito social” monitora comportamentos e impõe sanções ou benefícios conforme a conduta dos cidadãos. No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) representou um avanço, mas ainda há lacunas sérias na fiscalização, no combate a abusos e na conscientização dos usuários.

 

O risco vai além do uso indevido de informações: dados pessoais, quando cruzados com bases públicas ou vendidas no submundo digital, podem facilitar extorsões, fraudes, golpes de engenharia social e roubos de identidade. E a própria arquitetura da internet torna difícil garantir o anonimato. Cookies, metadados, geolocalização, número do IP, tempo de permanência em páginas — tudo isso ajuda a rastrear mesmo quem navega em modo anônimo. Ferramentas como VPNs, navegadores alternativos e bloqueadores de rastreadores ajudam, mas não fazem milagres.

 

A pergunta que se coloca é: até que ponto vale sacrificar a privacidade em nome da conveniência, da segurança ou da promessa de uma internet "mais inteligente"? No mundo digital, segurança absoluta é conto da Carochinha, mas adotar algumas medidas — como limitar permissões de apps, usar autenticação em dois fatores, manter softwares atualizados, adotar senhas fortes e únicas, desconfiar de links suspeitos e pensar duas vezes antes de compartilhar qualquer informação pessoal, sobretudo em redes sociais — pode reduzir os riscos.


Zelar pela privacidade não é ser paranoico, é ser previdente e cauteloso. Parafraseando Edward Snowden: "Dizer que não se importa com o direito à privacidade porque não tem nada a esconder é o mesmo que dizer que não se importa com a liberdade de expressão porque não tem nada a dizer."