Em março deste ano, o ator José Mayer foi
acusado de assédio sexual por uma figurinista da Globo. Cinco dias depois estava fora do elenco da nova novela
de Aguinaldo Silva. No mês passado, sete horas após começar a se espalhar o
vídeo no qual Willian Waack parece dizer “é coisa de preto”, a emissora enviou comunicado em que anunciava
seu afastamento do Jornal da Globo ― o “disseminador da vergonha”
foi Diego Rocha Pereira, um ativista
de araque que protagonizou o melhor momento de sua encenação debochada ao
sentar-se na cadeira do ex-âncora do telejornal (vide foto).
Na esfera internacional, um bom exemplo desse “nonsense
coletivo” é a execração pública do veterano produtor de cinema Harvey Weinstein ― responsável por
sucessos como O Paciente Inglês e Pulp Fiction ―, acusado de assédio
sexual por uma penca de estrelas famosas. Houve também o caso de Kevin Spacey, protagonista do seriado House of Cards, que foi denunciado por
assédio (homo) sexual pelo também ator Anthony Rapp, e, mais recentemente, do igualmente famoso Dustin
Hoffmann, denunciado por três mulheres (até agora) por assédio praticado
anos 1980. Estes últimos, porém, eu cito apenas como ilustração, já que suas
peculiaridades os excluem das considerações que apresentarei a seguir.
Como bem observou J.R. Guzzo, não existe hoje no
Brasil nenhuma obrigação moral e cívica mais cobrada do cidadão do que se
manifestar contra o “preconceito” e a “intolerância”. Referindo-se à abominável
“Patrulha do Pensamento”, disse o jornalista que, enquanto a mídia faz de cada episódio uma nova batalha de Austerlitz, a
sociedade que se acha “civilizada” comemora o massacre como mais um avanço para
a humanidade.
Sobre o caso específico de Weinstein, há que se ter em mente que a “troca de favores” entre
quem está na função de distribuir papéis e quem está na situação de precisar
deles já era comum na Grécia, 15 séculos antes do início da Era Cristã. Mas o
que me chama atenção é o fato de as denunciantes (Angelina Jolie, Gwyneth
Paltrow, Julianne Moore e mais
uma dúzia de estrelas de menor grandeza) ressuscitarem episódios ocorridos no
final do século passado, e de serem promovidas a heroínas, para não dizer
mártires, enquanto que o produtor foi impiedosamente mastigado e cuspido pelas
redes sociais, abandonado pela mulher e demitido da própria produtora.
Observação: Quem troca “favores sexuais” por papéis em
produções cinematográficas ― ou outras contrapartidas que tais ― é, no mínimo, oportunista.
As condições impostas pelo produtor podem ter sido reprováveis, mas isso não
muda o fato de que houve um “acordo entre as partes”. Aliás, desde que o mundo
é mundo as marafonas trocam sexo pelo vil metal, e eu nunca vi alguém
qualificar isso de assédio (que me perdoem os leitores e leitoras pela
comparação não muito apropriada, mas não resisti).
Causa espécie as delatoras hollywoodianas permanecerem em
silêncio por mais de 20 anos e, de repente, sem qualquer motivo aparente, trazerem
à luz, uma após a outra, os fatos que ora se transformam num “crime contra a
mulher”. Não houve qualquer tentativa de explicar por que elas esperaram tanto
tempo ― ou porque deixaram o “bandido” livre leve e solto para dar em cima de
tantas outas moças que também queriam ser estrela de cinema, mesmo que para
isso precisassem se submeter ao famoso “teste do sofá”.
A conclusão a que se chega, pelo menos a partir do que foi
divulgado na mídia isenta, é de que o produtor exigia sexo para dar papéis, e
as atrizes aceitavam a troca. Não se sabe se isso ocorreu apenas uma vez com
cada uma delas. O fato é que, a partir do assédio contra o qual agora se
insurgem, essas atrizes construíram suas carreiras, ficaram famosas e ganharam
milhões de dólares.
Não se espera comportamento ético impecável de uma moça de
20 anos fascinada pelo sonho de ser atriz. Mas, convenhamos, se elas ficaram
quietas na hora de ir para a cama com o chefão, deveriam ter ficado quietas até
hoje, pois não podem estar certas na mão e na contramão. Se tivessem agido
assim há alguns anos, as estrelas hollywoodianas em questão seriam chamadas de
“mulheres de mau caráter”; hoje, porém, são vistas como “Joanas D’Arc”.
Passando agora a Willian
Waack, o diretor da Globo Ali Kamel não levou mais de alguns minutos
para abrir e fechar o caso jornalista, que há mais de dez anos ocupava a
bancada do Jornal da Globo. Sobre esse
episódio, vejamos o que disse Augusto
Nunes: “Sherlock Kamel decidiu
que a frase dita pelo suspeito no vídeo gravado há mais de um ano bastava para
o encerramento das investigações. Tratava-se de um racista sem
remédio. Convencido de que a gravidade do crime comprometia a imagem da
empresa a que serve com exemplar dedicação, o promotor Kamel solicitou o imediato afastamento do apresentador do Jornal da Globo, no que foi prontamente
atendido pelo juiz Kamel, que negou
ao réu o direito de defesa e arquivou o pedido de desculpas endereçado a quem
se sentisse ofendido pela frase. O rito sumário dispensa tais quinquilharias”.
Por conhecer William
Waack, segue o jornalista em suas ponderações, o grande Boni absolveu-o. O líder genial do
grupo de craques que escreveu a história da Globo informou que jamais faria o
que fez o diretor de jornalismo ― que, também por conhecer Waack, não perdeu a oportunidade de livrar-se do perigo. Afinal, o
brilho alheio é visto com entusiasmo por chefes talentosos, mas eterniza a
insônia de superiores hierárquicos incuravelmente inseguros.
Punido arbitrariamente, William
saiu de cena para aguardar os desdobramentos do episódio. Quem segue no palco,
eufórico com a notoriedade súbita, é o operador de câmera Diego Rocha. Foi ele um dos dois funcionários da Globo que
produziram e, há poucas semanas, divulgaram pela internet o vídeo transformado
em prova contundente de um crime sem perdão. Na última terça-feira, durante
uma visita ao prédio da Globo em São Paulo, o próprio Diego demoliu o monumento ao bom mocismo erguido por santarrões de
bordel.
A manifestação de respeito ao politicamente corretíssimo apenas camuflava uma conspiração urdida
para tirar do ar o melhor jornalista da TV brasileira. Para desferir o tiro que
lhe atingiu o pé e ricocheteou na testa dos mandantes da farsa, bastou a Diego alegar na portaria que precisava
resolver alguns problemas no setor de recursos humanos. Com a desenvoltura
de quem se sente em casa, ele entrou no prédio, circulou pela redação, recebeu
cumprimentos de gente que viu em sua delação premiada um soberbo triunfo da
tropa que combate preconceitos e invadiu, sem topar com quaisquer obstáculos, o
estúdio onde é gravado o Jornal da Globo.
Ali, sentou-se na cadeira que William
Waack ocupava, posou para um admirador, postou a imagem no Instagram e lá se foi saborear outros
dez minutos de fama. Serão os últimos.
A expressão debochada, o meio sorriso atrevido, a frase
insolente sob a foto (“O que acham?”) e as hashtags provocadoras delineiam com
nitidez uma figura desprezível.
Não se enxerga na
cena um único e
escasso vestígio
da amargura que costuma marcar alvos de agressões racistas. O que se vê com
desoladora nitidez é um oportunista arrogante, movido pela certeza de que é
credor da Globo. Uma arrogância inibidora, confirmam o silêncio e o imobilismo
dos que se mostraram tão ágeis na montagem do cadafalso que esperavam ver
escalado por William. O espetáculo
do cinismo protagonizado pelo operador de câmera estreou nas redes sociais no
começo da manhã. No fim da noite, o Sherlock,
o promotor e o juiz que habitam o mesmo corpo continuavam à caça de alguma saída.
A promessa de enquadrar os responsáveis pela desmoralização
do esquema de segurança e do sistema de vigilância da Globo é uma piada. Diego passeou pelo lugar com o
desembaraço de quem zanza na casa da sogra. Tinha a fisionomia distendida pela
ausência de culpas e remorso, e exalava a autoconfiança de quem acabou de
prestar bons serviços aos anfitriões. Está na cara: Diego Rocha é um crápula fantasiado de ativista afrodescendente.
Visite minhas comunidades na Rede
.Link: