Quer fazer um teste para saber em alguns segundos como você
ajuda a manter de pé um dos mais notáveis monumentos à concentração de renda
que existem atualmente no mundo? Pegue as suas últimas contas de telefone ou de
luz e vá até onde está escrito “total a pagar”. Se você é um morador de São
Paulo, por exemplo, verá que 25% desse total é imposto puro, o ICMS — ao qual se somam outras taxas
que o governo ainda consegue lhe arrancar. O que não se vê na conta é que quase
10% do ICMS arrecadado a cada vez que alguém acende a luz ou fala ao telefone
vai direto para o caixa das três universidades públicas de São Paulo. Acontece
todo santo mês, sem falhar nunca, e provavelmente vai continuar acontecendo até
o fim da sua vida. Mais: esse pedágio é retirado de todo ICMS pago no estado — não só nas contas de luz, telefone ou gás,
mas em qualquer outra coisa cuja existência o Fisco paulista consiga identificar dentro do território estadual.
Uma vez sacado do seu bolso, o dinheiro vai para jovens, em
geral de boa família, estudarem de graça temas como arte lírica, ou
educomunicação, incluindo aí “prática epistemológica do conceito” e “gestão
democrática de mídias”. Podem estudar armênio. Podem tentar um diploma de
semiótica sobre “linguagens imaginárias”, ou sobre a “imanência e
transcendência na emergência do sentido”. É claro que o contribuinte paga todos
os cursos das três universidades — e muitos deles são indispensáveis. Mas isso
não melhora nada. Só significa, na prática, que os cursos úteis para a
sociedade recebem menos dinheiro porque têm de dividir a verba com os inúteis.
Aliviado por não morar em São Paulo? Esqueça. Há o dragão das universidades
federais — um bicho que pega geral, até o último confim do Acre. A diferença é
que o paulista, e os cidadãos de todos os estados que mantêm universidades,
toma duas contas no lombo.
O fato é que os impostos pagos por todos os trabalhadores
brasileiros são doados aos filhos das classes média e alta para que estudem na
universidade pública sem pagar um centavo. Isso se chama transferência de renda
do mais pobre para o mais rico — que passou no vestibular porque foi capaz de
financiar seu ensino básico em escolas particulares. Não tem conversa: se o
governo tira de todos e dá a alguns, está tomando dinheiro da pobralhada, que é
80% desse “todos”, e fazendo um presente para a minoria que forma o “alguns”. É
um método praticamente infalível, se você quer manter as desigualdades neste
país exatamente como elas estão. Uma excelente escolha, também, para fazer a
pobreza no Brasil durar o máximo de tempo possível. Em compensação, o sistema
nos dá as universidades federais “gratuitas” — são nada menos que 63 ao todo,
que talvez sejam 68, segundo os caprichos da burocracia educadora nacional.
Esse monstro é caro, injusto e burro. Dos cerca de 120
bilhões de reais do Orçamento federal de 2019 para a educação, quase metade vai
para as universidades — o contrário do que a inteligência mais rudimentar
recomenda a um país onde o ensino básico está em colapso há anos e que, por
causa disso, ocupa o 119.º lugar na classificação mundial dos países segundo a
qualidade da sua educação. Grande parte dessa despesa vai para o lixo. Na Universidade Federal do ABC, que custa
mais de 250 milhões de reais por ano, há uma licenciatura em “afro-matemática”
— aparentemente, a equação de segundo grau ou a progressão geométrica, do jeito
que os alunos aprendem hoje, são “brancas”, e “reproduzem o racismo nas salas
de aula”. É preciso, portanto, “descolonizar os referenciais teóricos”. Há uma Universidade Federal da Integração
Latino-Americana. Há uma da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira. Há uma Universidade Federal da Fronteira Sul e uma Universidade Federal do Pampa.
Nenhuma delas está entre as 150 melhores universidades do
planeta segundo o ShanghaiRanking,
um dos termômetros mais respeitados para medir a qualidade mundial da educação
superior. Em outra lista de prestígio, a Times
Higher Education, o resultado é pior: não há nenhuma brasileira entre as
melhores 250. Dá o que pensar. Ou o Brasil se livra dos educadores, ou os
educadores conduzirão o Brasil ao nível de instrução vigente na Idade da Pedra.
Há outra consideração a fazer, na sequência. Um jeito conhecido de roubar
dinheiro público é fechar-se numa sala com Marcelo
Odebrecht, por exemplo. Outro é ensinar imanência e transcendência na
emergência, com o dinheiro do ICMS
que você pagou na sua última conta de luz. O primeiro jeito talvez acabe saindo
mais barato.
Texto de J.R. Guzzo.