O PODER NÃO
CORROMPE O HOMEM; É O HOMEM QUE CORROMPE O PODER.
Até não
muito tempo atrás, o grosso da bandidagem que se valia da Internet como
ferramenta se esgueirava pela “deep web”,
deixando a “internet comum” para os usuários igualmente comuns. Todavia, uma
novidade introduzida sem muito alarde vem mudando significativamente esse
quadro: no início do mês passado, o WhatsApp
― que é usado por mais de 100 milhões de brasileiros ― ganhou um aprimoramento
de segurança que tornou praticamente invioláveis as mensagens trocadas pela rede.
Observação: O aprimoramento em questão, conhecido como “criptografia ponta a ponta”, cria uma codificação exclusiva que
garante a segurança de cada nova mensagem. Em outras palavras, se até então
existia um único sistema de proteção para todo o programa, agora existe uma
miríade de bloqueios, pois cada novo grupo de conversação gera uma encriptação
inédita, produzida por inteligência artificial e praticamente inacessível no
curto ou no médio prazo.
Segundo
matéria publicada recentemente na revista Veja
(veja detalhes na postagem anterior), os marginais vêm se valendo cada vez mais
do escudo protetor que as empresas dispensam a todos os usuários ― sejam
pessoas de bem, sejam malfeitores de carteirinha ―, e enquanto todos comemoram
o incremento da segurança, a Justiça fica de mãos atadas quando necessita de
informações sobre as trocas de mensagens, que, no caso específico do WhatsApp, teria de ser fornecidas pelo Facebook, que se recusa terminantemente
a fazê-lo, daí as recorrentes suspensões do serviço, como mencionado na
postagem anterior.
Até o final
da década passada, narcotraficantes, traficantes de armas e assemelhados se
valiam da “deep web” ― porção da
Grande Rede que concentra uma profusão de sites não indexados, armazenados em
servidores incógnitos, cujo acesso não raro requer programas especializados e o
uso de ferramentas que impedem o rastreamento dos dados. Agora, no entanto,
protegidos pelo escudo da criptografia mais poderosa que passou a blindar os
aplicativos de comunicação, os meliantes vêm navegando cada vez mais próximos
da superfície e se misturando com os “usuários comuns”.
Observação: Investigações conduzidas pelo delegado Fabiano Barbeiro, do DEIC/SP,
levaram ao primeiro pedido cumprido de bloqueio do WhatsApp no Brasil, em 2013, quando a polícia começou a desconfiar
do uso do programa por integrantes do PCC, já que chamadas por voz via celular
eram facilmente monitoradas pelas autoridades.
Enfim,
depois das mais recentes suspensões do WhatsApp
― e da vinda ao Brasil de representantes do Facebook para tratar do assunto ― foi aprovado na Câmara Federal o
relatório da CPI de Crimes Cibernéticos,
no qual se incluiu, a toque de caixa, a proibição de bloquear serviços online
de troca de mensagens e de aplicativos e sites com escritório em território
nacional. O curioso é que, antes disso, o argumento do WhatsApp para não atender às determinações judiciais era justamente
o fato de não ter filial no Brasil (apesar de o Facebook possuí-la); agora, com a nova regra, o aplicativo pode se
beneficiar de ter um endereço em terras tupiniquins (justamente o da empresa de
Mark Zuckerberg).
Resumo da
ópera: de um lado, procura-se preservar a privacidade individual; de outro, há
preocupações com a segurança pública. E o problema se agrava por ser global,
embora países civilizados dão poderes aos juízes para gravar conversas entre
criminosos, e isso não prejudica os cidadãos de bem, e com aplicativos e redes
sociais não pode ser diferente. No entanto, estamos no Brasil, onde tudo é
diferente, e facilitar o acesso a dados sigilosos poderia abrir brechas para
que governos autoritários exigissem barbaridades, como expor um usuário que se
opõe politicamente a eles.
Para encerrar, uma frase lapidar de Antonio Amurri (jornalista e escritor
italiano falecido em 1992): “A LUTA
CONTRA O CRIME ORGANIZADO É MUITO DIFÍCIL PORQUE A CRIMINALIDADE É ORGANIZADA,
MAS NÓS NÃO”.