sábado, 15 de outubro de 2016

SOBRE PRESIDENTES E EX-PRESIDENTES ― A VEZ E A HORA DE DILMA

Dilma não foi vítima de um “golpe de estado”, mas deposta através de um processo constitucional, que lhe garantiu amplo direito de defesa. Foi condenada porque os parlamentares que atuaram como juízes entenderam houve crimes de responsabilidade. Aliás, acreditar na inocência de Dilma é coisa de militante cego ― achar que ela não sabia de nada do aparelhamento nas estatais, da promiscuidade com empreiteiras, dos superfaturamentos milionários, das escaramuças no Orçamento com fins eleitorais é uma ofensa não só a inteligência do povo, mas à própria Dilma, que sempre fez questão de centralizar todas as decisões. Golpe, torno a dizer, foi a maracutaia urdida à sorrelfa pelo PT, que, com a conivência dos presidentes do Senado e do STF, fracionou a votação em duas etapas e não inabilitou a petralha ao exercício de cargos públicos (em flagrante desrespeito à Lei, segundo a qual a perda dos direitos políticos é uma consequência da perda do mandato, e não uma pena acessória que pode ser aplicada ou não).

Dilma jamais foi política e tampouco demonstrou vocação para gerir o que quer que fosse. Prova disso é que quebrou duas lojinhas de badulaques importados do Panamá em apenas 17 meses, e isso quando a paridade entre o real e o dólar favorecia esse tipo de negócio. Para resumir sua história pregressa, Dilma foi um arremedo de guerrilheira que jamais disparou um tiro ― a não ser no próprio pé, ao se reeleger, devido ao tamanho da encrenca que herdou de si mesma; um Pacheco de terninho que, sem ter sido vereadora, virou secretária municipal; sem passar pela Assembleia Legislativa, virou secretária de Estado, sem estagiar no Congresso, virou ministra; sem ter inaugurado nada de relevante, posou de gerente de país; sem saber juntar sujeito e predicado, virou estrela de palanque; sem ter tido um único voto na vida até 2010, virou presidente do Brasil em outubro daquele ano e renovou o mandato quatro anos depois. Não podia mesmo dar certo.

O fato é que, com Dirceu e outras estrelas do alto escalão petista no xadrez, Lula, sem peito para levar adiante o golpe (via emenda constitucional) que lhe garantiria um terceiro mandato, decidiu escolher Dilma, em detrimento de Marina Silva, para sucedê-lo no cargo e manter aquecida sua poltrona até 2014, quando ele estaria apto a torar a ocupá-la e lá permanecer até 2022. Do seu ponto de vista, Dilma seria fácil de manipular e, por “não ser política”, não se apegaria ao cargo. Ledo engano. A cria não só tomou gosto pelo poder como “fez o diabo” para se reeleger ― o que azedou suas relações com o criador.

Observação: Lula chegou a dizer ― em off, naturalmente ― ter sido “a maior vítima de Dilma”, rebaixando, em seu egocentrismo megalômano, a crise medonha que se abateu sobre o país à condição de “acidente de percurso” ― o que não chega a surpreender, vindo de quem, mesmo sendo réu em três inquéritos e investigado em mais dois (por enquanto, que outros mais estão por vir), tem o desplante de se comparar a Jesus Cristo e se autodeclarar “a alma viva mais honesta do Brasil”.

A escolha de Lula feriu de morte sua relação com Marina, que abandonou o governo em 2008 e o PT em 2009 (ao qual era filiada desde 1986). Em 2010, ela disputou a presidência pelo PV, mas ficou em 3° lugar (com respeitáveis 19% dos votos válidos).

Observação: É importante ter em mente que Dilma tinha o apoio de Lula e de marqueteiros de primeiríssimo time, como João Santana e sua mulher, Mônica Moura ― presos na 23ª fase da Lava-Jato e soltos mediante o pagamento de R$ 31,4 milhões, a fiança mais alta estipulada até agora pelo juiz Sergio Moro ―, além de contar com recursos milionários (oriundos, em grande parte, do propinoduto da Petrobras)―  o que lhe permitiu derrotar Marina no primeiro turno e vencer o tucano José Serra no segundo, por 46,91% a 32,61% dos votos válidos.

Marina voltaria a concorrer em 2014, primeiro como vice na chapa do peessedebista Eduardo Campos ― o partido Rede Sustentabilidade, que ela fundou em fevereiro de 2013, não conseguiu registro junto ao TSE a tempo de disputar o pleito ― e depois como titular, já que Campos vira a falecer num acidente aéreo ocorrido 2 meses antes das eleições. Com essa reviravolta, Marina chegou a ser cotada para enfrentar Aécio Neves no segundo turno, mas morreu na praia outra vez, a despeito de ter obtido 2 milhões de votos a mais que em 2010.

Para resumir a história, Dilma passou para o segundo turno, venceu Aécio com uma vantagem de 3.459.963 de votos (se pouco mais de 10% dos eleitores que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de votar tivessem votado no tucano, os últimos 22 meses da nossa história teriam sido bem diferentes) e, superando a si mesma em incompetência, pariu a maior crise econômica da história deste país e acabou afastada da presidência às vésperas de seu segundo mandato completar 600 dias e deposta 114 dias depois.   

Para Roberto Romano, doutor em filosofia e professor de Ética Política na Unicamp, a crise gerada e parida por Dilma remonta ao processo de criação de um Estado de modelo absolutista, no qual os governantes estão acima do cidadão comum e não têm de prestar contas a ninguém, onde não há autonomia dos municípios e dos Estados, e 70% dos impostos vão direto para o cofre do poder central. Em sua avaliação, a crise se agrava quando um presidente ― Dilma, no caso ― tem dificuldade em dialogar com a sociedade e escala auxiliares tão ou mais inábeis do que ela. Nesse contexto, o resultado não pode ser outro que não um desastre, e para um partido que vendeu esperança com a eleição de Lula, o quadro se torna ainda mais grave.

O presidente brasileiro é um gigante de pés de barro, pois depende da base aliada, dos acordos com as oligarquias, do dinheiro das empresas. Em vez de mandar no sentido absolutista, ele é mandado. Se tiver capacidade política e diplomática, até pode se sair razoavelmente bem, mas Dilma jamais teve essas virtudes e, para piorar, sempre escolheu muito mal os seus assessores (caso de Erenice Guerra, Gleisi Hoffmann e Aloízio Mercadante, para ficar somente nos mais notórios).

Collor granjeou grande impopularidade com o sequestro das poupanças, que arruinou o seu relacionamento com todas as classes brasileiras. Seu partido, minúsculo, dependia vitalmente de outros partidos, mas nunca teve uma base sólida como a do PMDB. Já Dilma recebeu de FHC e de Lula a capacidade de aliança com grandes partidos, mas não a levou adiante graças à inabilidade de seus negociadores. Aliás, boa parte da erosão de seu governo foi eclodida no segundo mandato de Lula, quando a aliança com o PMDB começou a periclitar.

O Estado brasileiro funciona à base da corrupção. A negociação entre o Executivo e o Legislativo acontece na maioria das democracias, mas a maneira como isso é feito no Brasil é absolutamente delirante. Todavia, não há outra saída, porque, no plebiscito de 1993, o regime parlamentarista foi derrotado pelo presidencialismo de coalizão, embora nossa Constituição seja eminentemente parlamentarista. E deu no que deu: a Presidência da República é quase irresponsável e o Parlamento não é responsável. Inexiste o princípio da responsabilidade. O Congresso não assume a plena responsabilidade pela governança do País, ou por outra, quando não chantageia o Executivo, é subserviente a ele. Isso vem acontecendo desde a morte do Getúlio.

Observação: No artigo intitulado “Lula, o senhor da razão”, de 1987, o professor Romano deixa claro que o petralha adota uma postura extremamente conservadora e intimamente ligada à sua pessoa ― o que não combina com um País democrático nem tampouco com um partido democrático. Desde a greve do ABC, Lula sempre foi o protegido, nunca se pode criticá-lo, mas a verdade é que lhe falta a característica de um líder colegiado ― tanto é que o PT só tem Lula, e em seu favor foram abortadas todas as tentativas de lideranças regionais; se Lula faltar, o partido fica sem alternativa. Desde Getúlio que se vendem “pais do Brasil”, e Lula sempre se teve nessa conta. Um slogan muito usado em sua campanha era “a esperança venceu o medo”. Só que o medo voltou e a esperança chegou ao fundo do poço, como a impopularidade de Dilma demonstrou, e a derrocada do PT nas eleições municipais deixou ainda mais claro.

Para concluir esta novela, resta dizer que, juntamente com o cargo de presidente, Dilma perdeu a prerrogativa de foro, e por conta disso a PGR pediu Teori Zavascki que remetesse ao juiz Moro o inquérito que a investiga por suspeita de obstruir as investigações da Lava-Jato. Para o ministro, no entanto, “não se vislumbra, no presente momento, a possibilidade de desmembramento da investigação, pois a análise dos fatos por meio de investigação segmentada, como pretende o órgão ministerial, dificultaria sobremaneira a colheita e análise de provas, bem como afastaria, por ora, a coesão necessária para corroborar a tese da acusação”.

Sobre as três situações citadas no post de abertura desta sequência, que estão conectadas entre si, disse Zavascki: “Busca-se evidenciar que havia, dentro do governo da então presidente Dilma Rousseff, movimento destinado a aviltar as investigações de infrações que envolviam organização criminosa, e o fatiamento dos fatos impossibilitaria o exame coeso das condutas, supostamente executadas por agentes interligados” (além de Dilma, são investigados no mesmo inquérito Lula, Marcelo Navarro, Delcídio do Amaral, os ex-ministros Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardozo, além do ministro do STJ Francisco Falcão).

Na opinião do jornalista Reinaldo Azevedo, a decisão de Zavascki ― de não enviar ao juiz Moro todos os inquéritos envolvendo o ex-presidente petralha ― faz sentido, até porque alguns deles, como o que apura se Lula e outros tentaram comprar o silêncio de Nestor Cerveró, envolvem pessoas com prerrogativa de foro. E o mesmo vale para Dilma, pois há corréus na ação em que ela é investigada por tentativa de obstrução da Lava-Jato que contam com prerrogativa de foro ― caso de Marcelo Navarro Ribeiro Dantas, ministro do STJ, e de Francisco Falcão, presidente daquela Corte (outros dois ministros do STJ também são investigados no Supremo: Benedito Gonçalves, suspeito de ter pedido favores a Léo Pinheiro, e Sebastião Reis, acusado de vender sentenças).

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