segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

AINDA A VITÓRIA DE DAVI SOBRE GOLIAS NO SENADO


Apesar de uma série de “acidentes de percurso” ter transformado a eleição da Mesa Diretora do Senado numa palhaçada digna de comédia pastelão, o resultado final, até certo ponto inesperado, merece comemoração. Com 42 votos dos 81 senadores, Davi Alcolumbre (DEM-AP) — um ilustre desconhecido parlamentar do baixo-clero — venceu o “gigante” Renan Calheiros — tido e havido como franco-favorito para comandar o Senado pela quinta vez —, que abandonou o jogo antes do apito final. No placar, o Cangaceiro das Alagoas contabilizou 5 votos — dois a mais que o Caçador de Marajás de festim, que terminou como último colocado (com 2 votos além do próprio).
Alcolumbre atribuiu sua vitória à renovação política resultante das eleições de outubro, que, em números percentuais, foi mais expressiva no Senado do que na Câmara Federal: de cada quatro senadores que tentaram a reeleição em 2018, três não conseguiram. Essa estatística marca a eleição mais surpreendente da história recente da nossa Câmara Alta; no total, das 54 vagas em disputa, 46 foram ocupadas por novos nomes, o que representa uma renovação de mais de 85%.

Voltando à eleição propriamente dita, a sessão foi suspensa por volta das 10 horas da noite da sexta-feira, depois de um desentendimento sobre voto aberto ou secreto e a condução dos trabalhos pelo próprio Alcolumbre — que era um dos candidatos, mas assumiu a presidência porque, embora suplente, foi o único dos integrantes da Mesa Diretora da legislatura anterior que se reelegeu. A essa altura, a questão de ordem sobre o voto aberto já havia sido aprovada por 50 votos a 2, mas o bando de Lampião, digo, os apoiadores de Renan rodaram a baiana, visto que o resultado lhes desfavoreceu, digo, já que a votação violava o regimento do Senado, que prevê voto secreto.

A vitória do voto aberto foi a senha para a senadora Katia Abreu (PDT-GO) questionar a legitimidade de Alcolumbre. Exaltada, a ex-ministra da Agricultura de Dilma e companheira de chapa de Ciro Gomes na disputa presidencial de 2018 pôs-se de pé ao lado de Alcolumbre e vociferou: "Ele é candidato! Ele é candidato e não pode presidir essa sessão!". Ato contínuo, tomou-lhe a pasta das mãos, e quando ele a pediu de volta, retrucou: "Você acha que é candidato, meu amigo? Você está maluco?

Depois de muito bate-boca, Cid Gomes (que se notabilizou por lembrar a militantes da esquerda que “Lula está preso, babacas”), propôs a suspensão da sessão, o que foi aprovado por votação simbólica (sem contagem de votos). Na calada da madrugada de sábado, porém, o MDB (partido de Renan e ninho de um sem-número de investigados, denunciados e réus na Lava-Jato) e Solidariedade (presidido pelo sindicalista e igualmente enrolado na Justiça Paulinho da Força) ingressaram com uma ação no STF para anular a votação e restabelecer o voto secreto. 

O ministro Dias Toffoli (a quem coube decidir o imbróglio, já que esse tipo de ação é de competência do presidente da Corte) acolheu o pedido e determinou que a decisão fosse comunicada ao macróbio José Maranhão, a quem caberia presidir os trabalhos quando a sessão fosse reiniciada (apesar do nome, Maranhão é paraibano, e apesar da idade (85 anos), reluta em abandonar a vida pública.

Concluída a votação, identificou-se que a urna continha 82 votos (um a mais que o número de senadores). Havia 80 envelopes com uma cédula cada um e duas cédulas sem envelopes — imagens feitas pela Globo mostraram que esse votos haviam sido dados a Renan Calheiros. Decidiu-se, então, anular a votação e dar início a um segundo escrutínio, mas Renan anunciou que retirava a candidatura, provocando nova interrupção e outro debate sobre a continuidade ou não daquela segunda votação. A decisão foi por prosseguir, e assim o Davi amapaense derrotou o Golias alagoano, símbolo da velha política, dos conchavos espúrios e da corrupção, encerrando uma hegemonia de 18 anos do MDB no comando no Senado.

De todos os equívocos que produziram a derrota de Renan, o despacho noturno do amigo Dias Toffoli foi o mais surpreendente. Ao restabelecer o voto secreto, o ministro se tornou uma espécie de 82º senador e transformou a eleição numa espécie de teatro de marionetes no qual a plateia deveria fingir que os manipuladores não estavam lá, como se os bonecos fossem seres independentes. Os adeptos do voto aberto desnudaram o truque ao decidir expor seus votos na marra, constrangendo o grupo de senadores-bonecos — aqueles que só admitiam votar em Renan, um aliado radioativo, no escurinho do escrutínio secreto.

O feitiço de Toffoli apequenou Renan, que, ao se dar conta do próprio encolhimento, resolveu bater em retirada, mas não sem antes destilar seu veneno: "Eles querem ganhar de todo jeito, com voto da minoria. Onde é que nós estamos? Para demostrar que esse processo não é democrático, eu queria dizer que o Davi não é o Davi. O Davi é o Golias. Ele é o novo presidente do Senado e eu retiro a minha candidatura, porque eu não vou me submeter a isso." Nos próximos meses, uma das boas diversões da política será assistir às piruetas que o cangaceiro fará para se vingar do governo e, ao mesmo tempo, negociar com a gestão de Jair Bolsonaro a liberação de verbas federais para o governo de Renan Filho em Alagoas.

A eleição de Davi Alcolumbre foi vista como a primeira vitória política do governo Bolsonaro. A preocupação agora é saber qual será o alcance da reação e a capacidade de articulação do grupo de oposição, liderado por Renan, ao governo. Nas palavras de um aliado do candidato derrotado, “Onyx Lorenzoni despertou a ira do grupo ao deixar sua digital na disputa pela Presidência do Senado”. 

Os governistas vão monitorar com lupa se haverá sequelas desta operação bem-sucedida de Lorenzoni para as matérias e votações de interesse do Planalto. Segundo alguns analistas, ele precisa desobstruir a interlocução política com Rodrigo Maia na Câmara, por onde começa a discussão da reforma da previdência. Na última sexta-feira, logo após ser reeleito, Maia disse que Onyx não deve ter atuado na eleição, ou o resultado teria sido diferente. Mas há quem diga que, mesmo sendo colega de partido de Maia, Onyx trabalhou contra ele no início da campanha para a eleição para presidência da Câmara.

Após a vitória, Davi Alcolumbre fez um discurso de conciliação — inclusive com um aceno aos adversário derrotados: "Não haverá nesta Casa senadores do alto ou do baixo clero. Todos serão tratados com a mais absoluta deferência e zelo. No Senado que construiremos juntos, os anseios da rua terão o protagonismo outrora deixado às elites partidárias".

Contrariando recomendações médicas, Jair Bolsonaro acompanhou pela TV tanto a eleição no Senado quanto o jogo entre Palmeiras e Corinthians. Seu time perdeu, mas seu candidato venceu. Menos mal.