Aprendemos na escola que o mineiro Alberto Santos Dumont teria sido o inventor do avião, e que o desgosto de ver sua criação utilizada para fins bélicos levara-o a cometer suicídio em meados de 1932.
Entretanto, como diria o inesquecível Chico Milani (na Escolinha do Prof. Raimundo), “há controvérsias”: nos Estados Unidos (e em boa parte do resto do mundo), os irmãos Wright são considerados os verdadeiros precursores da aviação.
A propósito, vale ler o que Leandro Narloch diz a respeito em seu GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA HISTÓRIA DO BRASIL (Editora LeYa), que – dentre outros assuntos igualmente interessantes – dedica um capítulo inteiro ao “Pai da Aviação”.
Respaldado em farta bibliografia e copiosa documentação, o escritor paranaense atesta que Santos Dumont – filho de um dos maiores cafeicultores do mundo, amigo de magnatas e princesas e presumivelmente gay – provou ser possível dirigir engenhocas movidas a hidrogênio ou ar quente contornando a Torre Eiffel, em 1901, a bordo de um balão alongado, provido de hélice e leme (e abriu caminho para a criação de enormes balões transatlânticos, como o Zepelim). Mas enquanto ele apostava nos balões, os fabricantes de bicicletas Orville e Wilbur Wright – mais preocupados em auferir lucros do que notícias adulatórias nos jornais – inventaram o avião, concluíram a fase de testes e, no início de 1906, obtiveram a respectiva a patente. No ano que precedeu o famoso vôo do 14-Bis (220 metros de distância a 6 m de altura, em 12 de novembro de 1906), eles teriam voado cerca de 50 vezes e percorrido distâncias bem superiores (numa delas, cerca de 40 km).
Um argumento amplamente utilizado pelos patriotas que defendem Santos Dumont remete ao fato de os irmãos americanos utilizarem uma espécie de catapulta e uma linha de trilhos em declive para facilitar a decolagem do Flyer. No entanto, questionados a propósito durante uma demonstração na França, em 1908, eles decolaram sem o auxílio daqueles artifícios e, mesmo assim, bateram recordes de distância e duração de vôo e altura.
Ainda segundo Narloch, em que pese a pecha de pacifista de Santos Dumont em seus últimos anos de vida, ele não só sabia da utilidade militar dos elementos aéreos como também a promovia. Numa carta enviada aos jornais americanos em 1904, ele dizia que a França havia adotado seus planos de balões militares e pretendia aproveitá-los na próxima guerra, e que o Japão solicitava seus balões para uso militar, o que incluía jogar explosivos de alta potência em Port Arthur (no Pacífico).
Ao fim e ao cabo, nosso patrício ficaria com o título de inventor do relógio de pulso – pois teria inspirado o amigo joalheiro Louis Cartier a criar o modelo portátil – se alguns historiadores não atestassem que a Rainha Elizabeth I já usava um modelito desses nos tempos de Shakespeare (século XVI), enquanto outros, mais comedidos, atribuam sua criação a Abraham-Louis Bréguet, no século XIX.
Embora nem de longe o escritor paranaense puxe a brasa para a nossa sardinha, por assim dizer, as ilações apresentadas em seu livro são, no mínimo, imperdíveis (fica aqui a recomendação).
Bom dia a todos e até mais ler.