sexta-feira, 15 de novembro de 2019

130 ANOS DE REPÚBLICA PARA DAR NISSO?



O presidente de fato do Brasil vestiu a toga de ministro sobre a farda de militante em 2009, levando na bagagem uma fieira de serviços prestados ao PT, a José Dirceu e a Lula e duas reprovações em concursos para juiz de primeira instância (ambas na fase preliminar, que testa conhecimentos gerais e noções básicas do Direito).

Sem currículo nem conhecimento ou luz própria, privado dos laços com a rede protetora do partido e do padrinho, esse filho de Marília seguiu o caminho usual dos fracos: no melhor estilo República Velha, foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Uma vez consolidado no habitat, passou a emular os piores hábitos do novo mentor a arrogância incontida, o ego avantajado, a falta de limites e o uso da autoridade da forma mais arbitrária possível. Mas nada disso nos autoriza a menosprezar a capacidade de José Antonio Maquiavel Dias Toffoli. Basta ver como ele conciliou a blindagem de Flávio Bolsonaro (que o papai Jair deve nomear presidente da "Aliança pelo Brasil", caso consiga realmente fundar o partido, que nascerá sob os auspícios de Mercúrio, o deus dos ladrões, e com a pecha da corrupção) com a de sua esposa e a da mulher da maritaca de Diamantino. Mas isso é conversa para outra hora.

Em 2016, a teimosia da aliada Rosa Weber em manter convicção a favor da obrigatoriedade de cumprir o “trânsito em julgado”, mas negar-lhe voto, apoiada na falsa lealdade ao colegiado, levou o petista Dias Toffoli e o tucano Gilmar Mendes a apoiarem o início da pena após terceira instância. Sem respaldo algum sequer na leitura mal feita do texto constitucional, que ampara sua posição original numa quimera mal-intencionada, o primeiro tentou no desespero soltar os chefes da vida inteira, Lula e Zé Dirceu, com truque que naufragou quando 5ª Turma do STJ confirmou por 5 votos a 0 a decisão das instâncias anteriores.

Em 2019, no quinto julgamento em dez anos, ou seja, um a cada dois, Rosa Weber mandou os escrúpulos às favas e garantiu o voto da vitória. Alguns crentes do caráter da dupla Gilmar-Toffoli acreditaram que a chamada modulação do presidente do Supremo poderia ser exatamente a proposta anterior, sepultada pela dura constatação da condenação em três instâncias. A vã ilusão animou até o desavisado relator da Lava Jato, Edson Fachin, a acenar para a possibilidade de apoiar a quimera anunciada, mas nunca cumprida. Só que a iniciativa apenas o fez cair no ridículo mal disfarçado e em descrédito geral.

O voto de Toffoli pela derrubada da autorização de um juiz para o começo do cumprimento de pena após a condenação por um juízo colegiado serviu para confirmar a ignorância de semântica do ministro derrotado em dois concursos para magistrado de primeiro grau. A viga mestra de apoio à teoria da obrigatoriedade constitucional rui à vista de qualquer aluno de curso primário. O inciso 57 do artigo 5.º da Constituição remete às calendas da culpabilidade considerar o indigitado culpado, sem jamais proibir que se o prenda.

Abalam a estrutura do despautério verbetes de dicionários, dos populares aos eruditos, e a dura realidade carcerária: dos presos provisórios no Brasil que são os atingidos pela medida (41,9%), muitos já cumpriram a pena ou nem sequer foram processados. Mas estes são em geral pobres, que não podem pagar advogados que frequentam as Cortes superiores, em Brasília, e dependem de defensores públicos. Estes não fazem o trabalho a cumprir, de vez que se dedicam a apoiar defensores nobres dos suspeitos milionários de viverem à custa do furto do erário, na charmosa tribuna onde são adulados por membros do “excelso pretório”.

Em suma: as ruas estão cheias de condenados que não estão presos porque a rotina policial nas investigações dos crimes violentos é de total incompetência, e as prisões estão superlotadas com desobrigados de frequentar celas, com a pena finda, ou de cidadãos cuja “presunção de inocência” nunca foi questionada, por falta de renda para pagar defesa. O argumento dos seis votos vencedores padece de autenticidade gramatical e do mínimo de sensibilidade social. Expressões como “populismo judicial”, da lavra do Boca do Inferno Gilmar, soam como preconceito de classe, de vez que acusam o povo de incapacidade de ter opinião e maldizem colegas que escutam o clamor popular batendo à porta de covardes. Mas verdade seja dita: a acusação feita pelo Rui Barbosa de Diamantino, amigo de fé do ex-governador Silval Barbosa, de que a imprensa não gosta de povo, serve como uma toga bem cortada nos próprios ombros.

O espetáculo grotesco da última sessão, em que o fundador do Instituto de Direito Público enunciou seu voto, mostrou contradições ainda mais gravosas. Sem espanto geral, Sua Excelência (como seu colega de capa e de voto Marco Aurélio exigiu ser tratado) recorreu a “provas” roubadas pelos “ararahackers” para acusar o ministro Sergio Moro de combinar com a força-tarefa da Lava-Jato, o que comprovaria sua parcialidade. Mas não ocultou a própria combinação com o príncipe do verbo em falso, Dias Toffoli do PT, de assuntos do interesse particular do tema em disputa, em nada coincidente com a questão votada.

Em determinado momento, o presidente pediu a palavra, que lhe foi concedida. E a dirigiu a Alexandre de Moraes, que respondeu sobre certo advogado que esteve para ganhar R$ 1,3 bilhão para dar forma jurídica a uma fundação de procuradores cujo capital seria formado pelo dinheiro devolvido pelos réus da Lava-Jato ao Tesouro. Aparentemente, o terceiro elemento no trio da armação estava fora até do contexto. Afinal, foi a hipotenusa que votou contra o interesse dos dois catetos. Mas não se arriscou a nomear a vítima da infâmia, tarefa transferida para o votante. Gilmar não se fez de rogado: Modesto Carvalhosa, que acusou também de ser falso professor da Faculdade de Direito da USP. Este, livre-docente aposentado, após lecionar por mais de 20 anos nas famosas arcadas, de fato não ficou em primeiro lugar no concurso por uma cátedra. E foi contratado como advogado por acionistas americanos prejudicados pela administração petista, que quase levou a Petrobrás à ruína, episódio que nada tem que ver com a tal fundação. Fundação, aliás, que nem chegou a existir, por desistência do autor da ideia, Deltan Dallagnol, que terá de pagar pelo palpite infeliz em ação de Renan Calheiros, recordista em processos no STF.

O Trio TernuraMoraes, Toffoli e Gilmar — é alvo de ações de impeachment do professor da USP. Depois desse desempenho execrável no plenário, o Maquiavel de Marília disse no domingo subsequente, em que o povo se manifestou nas ruas contra a falseta da Corte dos desiguais: “O Judiciário e a Justiça são feitos para a pacificação social. Se alguém quer se valer da Justiça para uma luta social não vai conseguir. A Justiça não tolerará uma crise institucional e saberá agir a tempo e a hora”. Vale lembrar que, tão logo foi solto, o sem-caráter de Garanhuns acusou o presidente da República de governar para os milicianos do Rio, e não para a população brasileira.

Na verdade, a palavra do togado supremo e atual presidente dos demais supremos togados continua pesando como uma pluma e infectando o ar como uma bactéria mentirosa e sem valor, a não ser para o mal. Mas é propagada. Para o presidente de fato desta república de merda (a que ponto chegamos!), “radicalismo não leva a lugar nenhum; o que se espera é que as pessoas tenham serenidade e pensem no Brasil”. Toffoli declarou, ainda, que “a nação brasileira é devedora das Forças Armadas para a construção do Brasil e para a unidade nacional, assim como o Judiciário”.

Acontece que o momento certo foi a votação em que a gramática foi corrompida e a Constituição adulterada em benefício exatamente de quem é o inspirador da guerra que separa ideologias e regiões, desde que lançou norte contra sul e pobres contra ricos para vencer o anódino Geraldo Alckmin na reeleição conquistada em 2006. No entanto, a carapuça serve a todos, incluindo o ex-presidente tucano Fernando Henrique, que, em sua manifestação depois da soltura de Lula, usou o Twitter para comentar o atual ambiente político brasileiro, no domingo 10. “A polarização aumenta. Sem alternativas populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal”, afirmou.

A pretensão de ser líder de progressistas condutores das alternativas populares (uma ofensa à gramática, pois alternativa só há uma) reveste o social-democrata de Higienópolis de um ridículo que não chega a ser relevante, de vez que o emplumado tucanato também foi beneficiado pela canetada do eixo Marília-Diamantino com a liberdade concedida ao pioneiro de todos os mensalões, o mineiro Eduardo Azeredo. O prócer foi governador de Minas Gerais e presidente nacional do PSDB, para desonra geral de quem nem sequer jamais incentivou sua expulsão da sagrada legenda.

A bem da verdade, ficou faltando esclarecer que o Conselheiro Acácio da presunçosa toga não é o único nobre presidente de Poder no Brasil a merecer o valor do vintém, que nem existe mais, para a própria palavra. Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre e Jair Bolsonaro não o deixam só.

Devido ao fim de semana prolongado e a problemas de saúde, resolvi não postar o Blog nem amanhã, nem domingo. Bom feriadão a todos e até segunda, se Deus quiser.