O presidente de fato do Brasil vestiu a toga de ministro
sobre a farda de militante em 2009, levando na bagagem uma fieira de serviços
prestados ao PT, a José Dirceu e a Lula e duas reprovações em concursos para juiz de primeira
instância (ambas na fase preliminar, que testa conhecimentos gerais e noções
básicas do Direito).
Sem currículo nem conhecimento ou luz própria, privado dos
laços com a rede protetora do partido e do padrinho, esse filho de Marília
seguiu o caminho usual dos fracos: no melhor estilo República Velha, foi buscar apoio em Gilmar Mendes, que é quem melhor encarna a figura do velho coronel político. Uma vez
consolidado no habitat, passou
a emular os piores hábitos do novo mentor ―
a arrogância
incontida, o ego avantajado, a falta de limites e o uso da autoridade da forma
mais arbitrária
possível. Mas nada
disso nos autoriza a menosprezar a capacidade de José Antonio Maquiavel Dias Toffoli. Basta ver como ele conciliou a
blindagem de Flávio Bolsonaro (que o
papai Jair deve nomear presidente da
"Aliança pelo Brasil",
caso consiga realmente fundar o partido, que nascerá sob os auspícios de Mercúrio, o deus dos ladrões, e com a
pecha da corrupção) com a de sua esposa e a da mulher da maritaca de Diamantino. Mas isso é conversa para outra hora.
Em 2016, a teimosia da aliada Rosa Weber em manter convicção a favor da obrigatoriedade de
cumprir o “trânsito em julgado”, mas negar-lhe voto, apoiada na falsa lealdade
ao colegiado, levou o petista Dias
Toffoli e o tucano Gilmar Mendes
a apoiarem o início da pena após terceira instância. Sem respaldo algum sequer
na leitura mal feita do texto constitucional, que ampara sua posição original
numa quimera mal-intencionada, o primeiro tentou no desespero soltar os chefes
da vida inteira, Lula e Zé Dirceu, com truque que naufragou
quando 5ª Turma do STJ confirmou por
5 votos a 0 a decisão das instâncias anteriores.
Em 2019, no quinto julgamento em dez anos, ou seja, um a
cada dois, Rosa Weber mandou os
escrúpulos às favas e garantiu o voto da vitória. Alguns crentes do caráter da
dupla Gilmar-Toffoli acreditaram que
a chamada modulação do presidente do Supremo poderia ser exatamente a proposta
anterior, sepultada pela dura constatação da condenação em três instâncias. A
vã ilusão animou até o desavisado relator da Lava Jato, Edson Fachin, a acenar para a possibilidade de apoiar a quimera
anunciada, mas nunca cumprida. Só que a iniciativa apenas o fez cair no
ridículo mal disfarçado e em descrédito geral.
O voto de Toffoli
pela derrubada da autorização de um juiz para o começo do cumprimento de pena
após a condenação por um juízo colegiado serviu para confirmar a ignorância de
semântica do ministro derrotado em dois concursos para magistrado de primeiro
grau. A viga mestra de apoio à teoria da obrigatoriedade constitucional rui à
vista de qualquer aluno de curso primário. O inciso 57 do artigo 5.º da
Constituição remete às calendas da culpabilidade considerar o indigitado
culpado, sem jamais proibir que se o prenda.
Abalam a estrutura do despautério verbetes de dicionários,
dos populares aos eruditos, e a dura realidade carcerária: dos presos
provisórios no Brasil que são os atingidos pela medida (41,9%), muitos já
cumpriram a pena ou nem sequer foram processados. Mas estes são em geral
pobres, que não podem pagar advogados que frequentam as Cortes superiores, em
Brasília, e dependem de defensores públicos. Estes não fazem o trabalho a
cumprir, de vez que se dedicam a apoiar defensores nobres dos suspeitos
milionários de viverem à custa do furto do erário, na charmosa tribuna onde são
adulados por membros do “excelso pretório”.
Em suma: as ruas estão cheias de condenados que não estão
presos porque a rotina policial nas investigações dos crimes violentos é de
total incompetência, e as prisões estão superlotadas com desobrigados de
frequentar celas, com a pena finda, ou de cidadãos cuja “presunção de
inocência” nunca foi questionada, por falta de renda para pagar defesa. O
argumento dos seis votos vencedores padece de autenticidade gramatical e do
mínimo de sensibilidade social. Expressões como “populismo judicial”, da lavra
do Boca do Inferno Gilmar, soam como
preconceito de classe, de vez que acusam o povo de incapacidade de ter opinião
e maldizem colegas que escutam o clamor popular batendo à porta de covardes.
Mas verdade seja dita: a acusação feita pelo Rui Barbosa de Diamantino, amigo de fé do ex-governador Silval Barbosa, de que a imprensa não
gosta de povo, serve como uma toga bem cortada nos próprios ombros.
O espetáculo grotesco da última sessão, em que o fundador do
Instituto de Direito Público enunciou seu voto, mostrou contradições ainda mais
gravosas. Sem espanto geral, Sua
Excelência (como seu colega de capa e de voto Marco Aurélio exigiu ser tratado) recorreu a “provas” roubadas
pelos “ararahackers” para acusar o ministro
Sergio Moro de combinar com a força-tarefa da Lava-Jato, o que comprovaria sua parcialidade. Mas não ocultou a
própria combinação com o príncipe do verbo em falso, Dias Toffoli do PT, de assuntos do interesse particular do tema em
disputa, em nada coincidente com a questão votada.
Em determinado momento, o presidente pediu a palavra, que
lhe foi concedida. E a dirigiu a Alexandre
de Moraes, que respondeu sobre certo advogado que esteve para ganhar R$ 1,3
bilhão para dar forma jurídica a uma fundação de procuradores cujo capital
seria formado pelo dinheiro devolvido pelos réus da Lava-Jato ao Tesouro. Aparentemente, o terceiro elemento no trio da
armação estava fora até do contexto. Afinal, foi a hipotenusa que votou contra
o interesse dos dois catetos. Mas não se arriscou a nomear a vítima da infâmia,
tarefa transferida para o votante. Gilmar
não se fez de rogado: Modesto Carvalhosa,
que acusou também de ser falso professor da Faculdade de Direito da USP. Este,
livre-docente aposentado, após lecionar por mais de 20 anos nas famosas
arcadas, de fato não ficou em primeiro lugar no concurso por uma cátedra. E foi
contratado como advogado por acionistas americanos prejudicados pela
administração petista, que quase levou a Petrobrás à ruína, episódio que nada
tem que ver com a tal fundação. Fundação, aliás, que nem chegou a existir, por
desistência do autor da ideia, Deltan
Dallagnol, que terá de pagar pelo palpite infeliz em ação de Renan Calheiros, recordista em
processos no STF.
O Trio Ternura — Moraes, Toffoli e Gilmar — é
alvo de ações de impeachment do professor da USP. Depois desse desempenho
execrável no plenário, o Maquiavel de
Marília disse no domingo subsequente, em que o povo se manifestou nas ruas
contra a falseta da Corte dos desiguais: “O
Judiciário e a Justiça são feitos para a pacificação social. Se alguém quer se
valer da Justiça para uma luta social não vai conseguir. A Justiça não tolerará
uma crise institucional e saberá agir a tempo e a hora”. Vale lembrar que,
tão logo foi solto, o sem-caráter de
Garanhuns acusou o presidente da República de governar para os milicianos
do Rio, e não para a população brasileira.
Na verdade, a palavra do togado supremo e atual presidente
dos demais supremos togados continua pesando como uma pluma e infectando o ar
como uma bactéria mentirosa e sem valor, a não ser para o mal. Mas é propagada.
Para o presidente de fato desta república de merda (a que ponto chegamos!), “radicalismo não leva a lugar nenhum; o que
se espera é que as pessoas tenham serenidade e pensem no Brasil”. Toffoli declarou, ainda, que “a nação brasileira é devedora das Forças
Armadas para a construção do Brasil e para a unidade nacional, assim como o
Judiciário”.
Acontece que o momento certo foi a votação em que a
gramática foi corrompida e a Constituição adulterada em benefício exatamente de
quem é o inspirador da guerra que separa ideologias e regiões, desde que lançou
norte contra sul e pobres contra ricos para vencer o anódino Geraldo Alckmin na reeleição
conquistada em 2006. No entanto, a carapuça serve a todos, incluindo o
ex-presidente tucano Fernando Henrique,
que, em sua manifestação depois da soltura de Lula, usou o Twitter
para comentar o atual ambiente político brasileiro, no domingo 10. “A polarização aumenta. Sem alternativas
populares e progressistas continuaremos no jogo político/pessoal”, afirmou.
A pretensão de ser líder de progressistas condutores das
alternativas populares (uma ofensa à gramática, pois alternativa só há uma)
reveste o social-democrata de
Higienópolis de um ridículo que não chega a ser relevante, de vez que o
emplumado tucanato também foi beneficiado pela canetada do eixo Marília-Diamantino com a liberdade
concedida ao pioneiro de todos os mensalões, o mineiro Eduardo Azeredo. O prócer foi governador de Minas Gerais e
presidente nacional do PSDB, para
desonra geral de quem nem sequer jamais incentivou sua expulsão da sagrada
legenda.
A bem da verdade, ficou faltando esclarecer que o Conselheiro Acácio da presunçosa toga
não é o único nobre presidente de Poder no Brasil a merecer o valor do vintém,
que nem existe mais, para a própria palavra. Rodrigo Maia, Davi
Alcolumbre e Jair Bolsonaro não
o deixam só.