sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

A MERDOCRACIA NEOLIBERAL NEOFACISTA



Segundo matéria publicada em O ESTADO, o juiz substituto da 18.ª Vara do Trabalho de São Paulo, Jerônimo Azambuja Franco Neto, escreveu, na sentença em que condenou o restaurante Recanto da XV a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais e a demonstrar o pagamento do piso salarial, seguro de vida e de acidentes e assistência funerária aos funcionários, que “a merdocracia neoliberal neofascista está aí para quem quiser ou puder ver”. 

Em sua fundamentação, o magistrado tece críticas contundentes aos ministros Abraham Weintraub, da Educação; Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública; Paulo Guedes, da Economia; e Damares Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além do próprio presidente Jair Bolsonaro: “O ser humano Abrahan Weintraub no cargo de Ministro da Educação escreve ‘imprecionante’. O ser humano Sérgio Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de ‘juizeco fascista’ e abominável pela neta do Coronel Alexandrino. O ser humano Paulo Guedes no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5  e disse que ‘gostaria de vender tudo’. O ser humano Damares Alves no cargo de Ministro da Família defende ‘abstinência sexual como política pública’. O ser humano Jair Bolsonaro no cargo de Presidente da República é acusado de ‘incitação ao genocídio indígena’ no Tribunal Penal Internacional.”

O termo “merdocracia”, segundo o magistrado, “vem a sintetizar o poder que se atribui aos seres humanos que fazem merdas e/ou perpetuam as merdas feitas. E tudo isso em nome de uma pauta que se convencionou chamar neoliberal, ou seja, libertinar a economia para que as merdas sejam feitas”.

O juiz criticou também o coordenador da Lava-JatoDeltan Dallagnol, a Reforma Trabalhista aprovada no governo Temer e a Lei da Liberdade Econômica, sancionada em setembro de 2019 por Bolsonaro, além de se referir à Reforma da Previdência, aprovada no ano passado, como “destruição da Seguridade Social”. A decisão também menciona o assassinato da vereadora Marielle Franco e diz que o atual momento gerou “exilados políticos”, citando o ex-deputado Jean Wyllys e a filósofa Márcia Tiburi — que foi candidata pelo PT ao governo do Rio —, que deixaram o Brasil após a eleição de Bolsonaro

Ao final de sua “fundamentação”, o conspícuo julgador assevera que sua decisão visa contribuir para a “derrocada” do que chama de “merdocracia neoliberal neofascista”. “O lugar de fala da presente decisão, portanto, não é voltado ao mercado nem ao lucro, os quais já têm seus bilionários, sabujos e asseclas de estimação. O lugar de fala da presente decisão é o trabalho humano digno voltado à igualdade e aos direitos humanos fundamentais.”

O corregedor nacional de Justiça em exercício, ministro Emmanoel Pereira, determinou a abertura de pedido de providências para apurar "suposta prática de conduta vedada a magistrados” cometida por Azambuja. O Código de Ética da Magistratura prevê, em seu artigo 22, que o magistrado deve utilizar uma linguagem “polida, respeitosa e compreensível”.

O advogado que representa o restaurante se disse “estarrecido” e que vai recorrer da decisão — que classificou como "esdrúxula" e "teratológica" — e, caso tenha autorização do seu cliente, entrar com as representações cabíveis junto ao CNJ. Em nota, o TRT-2 afirmou que "a fundamentação jurídica das decisões judiciais incumbe a magistrados designados para julgamento, sendo de sua exclusiva responsabilidade qualquer posição que dela se possa extrair".

A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do TrabalhoNoêmia Porto, afirmou que a entidade não comenta sobre julgamentos de magistrados, mas que acompanha com "bastante preocupação" a repercussão da decisão. "A entidade acompanha com bastante preocupação toda a repercussão dessa decisão, os inúmeros compartilhamentos, e observa com cautela, porque é representativa da polarização que hoje toma conta de toda a sociedade brasileira. O Judiciário não é infenso a esse sentimento de polarização", disse.

O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André Mendonça, postou no Twitter que o “linguajar utilizado na sentença — característico de um militante partidário, não de um juiz — foge da técnica jurídica e claramente viola o Código de Ética da Magistratura”, e que a AGU representará perante o Conselho Nacional de Justiça”.

Jerônimo Azambuja Franco Neto, de 35 anos, é natural de Bagé, no Rio Grande do Sul. Foi técnico e analista no TRT-4 antes de ter sido aprovado em primeiro lugar no 40º concurso para juízes do TRT-2, em 2014, e orador de sua turma na posse, em 2016 e, segundo informações da página desse regional, disse em seu discurso que a Justiça trabalhista vivia uma crise que terminaria por fortificá-la.

Em 2018, em parceria com o jurista Lenio Streck, Azambuja publicou um artigo na qual criticava a terceirização da força de trabalho e ao modo como a Justiça vinha lidando com os direitos trabalhistas. Em resposta ao texto, Eros Grau, ex-ministro do STF, publicou um artigo criticando as ideias de Azambuja e Streck, classificando seu texto como “complexo e confuso” e dizendo que este “aparentemente” pretendia ser “mais divertido do que jurídico”. Ao falar sobre os autores, Grau diz conhecer e ter boa consideração por Streck, mas em relação a Azambuja diz “não saber quem é”. 
Azambuja e Streck, então, escreveram um novo artigo no qual se defendem das críticas do ex-ministro, dizendo que Grau demonstrava “nítido desprezo ao juiz Azambuja. “Esse modo de se dirigir a alguém é fenômeno inerente ao fechamento ético dos indivíduos pela ideologia mercantilizante que prepondera numa espécie de Análise Econômica da Moral”, dizia a “tréplica”.

Procurado pelo ESTADO, o juiz Jerônimo Azambuja não quis se manifestar.