Segundo matéria publicada em O ESTADO, o juiz
substituto da 18.ª Vara do Trabalho de São Paulo, Jerônimo Azambuja Franco
Neto, escreveu, na sentença em que condenou o restaurante Recanto da XV
a pagar indenização de R$ 10 mil por danos morais e a demonstrar o pagamento do
piso salarial, seguro de vida e de acidentes e assistência funerária aos
funcionários, que “a merdocracia neoliberal neofascista está aí para quem
quiser ou puder ver”.
Em sua fundamentação, o magistrado tece críticas contundentes
aos ministros Abraham Weintraub, da Educação; Sérgio Moro, da
Justiça e Segurança Pública; Paulo Guedes, da Economia; e Damares
Alves, da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, além do próprio
presidente Jair Bolsonaro: “O ser humano Abrahan Weintraub no cargo de Ministro da Educação escreve ‘imprecionante’. O ser
humano Sérgio Moro no cargo de Ministro da Justiça foi chamado de ‘juizeco
fascista’ e abominável pela neta do Coronel Alexandrino. O ser humano Paulo Guedes
no cargo de Ministro da Economia ameaça com AI-5 e disse que ‘gostaria de vender tudo’. O ser
humano Damares Alves no cargo de Ministro da Família defende ‘abstinência
sexual como política pública’. O ser humano Jair Bolsonaro no cargo de
Presidente da República é acusado de ‘incitação ao genocídio indígena’ no
Tribunal Penal Internacional.”
O termo “merdocracia”, segundo o magistrado, “vem a
sintetizar o poder que se atribui aos seres humanos que fazem merdas e/ou
perpetuam as merdas feitas. E tudo isso em nome de uma pauta que se
convencionou chamar neoliberal, ou seja, libertinar a economia para que as
merdas sejam feitas”.
O juiz criticou também o coordenador da Lava-Jato, Deltan
Dallagnol, a Reforma Trabalhista aprovada no governo Temer e a
Lei da Liberdade Econômica, sancionada em setembro de 2019 por Bolsonaro,
além de se referir à Reforma da Previdência, aprovada no ano passado,
como “destruição da Seguridade Social”. A decisão também menciona o
assassinato da vereadora Marielle Franco e diz que o atual momento gerou
“exilados políticos”, citando o ex-deputado Jean Wyllys e a filósofa Márcia
Tiburi — que foi candidata pelo PT ao governo do Rio —, que deixaram
o Brasil após a eleição de Bolsonaro.
Ao final de sua “fundamentação”, o conspícuo julgador assevera que sua
decisão visa contribuir para a “derrocada” do que chama de “merdocracia
neoliberal neofascista”. “O lugar de fala da presente decisão, portanto, não é
voltado ao mercado nem ao lucro, os quais já têm seus bilionários, sabujos e
asseclas de estimação. O lugar de fala da presente decisão é o trabalho humano
digno voltado à igualdade e aos direitos humanos fundamentais.”
O corregedor nacional de Justiça em exercício, ministro
Emmanoel Pereira, determinou
a abertura de pedido de providências para apurar "suposta prática
de conduta vedada a magistrados” cometida por Azambuja. O Código de
Ética da Magistratura prevê, em seu artigo 22, que o magistrado deve utilizar
uma linguagem “polida, respeitosa e compreensível”.
O advogado que representa o restaurante se disse
“estarrecido” e que vai recorrer da decisão — que classificou como
"esdrúxula" e "teratológica" — e, caso tenha autorização do
seu cliente, entrar com as representações cabíveis junto ao CNJ. Em
nota, o TRT-2 afirmou que "a fundamentação jurídica das decisões
judiciais incumbe a magistrados designados para julgamento, sendo de sua
exclusiva responsabilidade qualquer posição que dela se possa extrair".
A presidente da Associação Nacional dos Magistrados da
Justiça do Trabalho, Noêmia Porto, afirmou que a entidade não
comenta sobre julgamentos de magistrados, mas que acompanha com "bastante
preocupação" a repercussão da decisão. "A entidade acompanha com
bastante preocupação toda a repercussão dessa decisão, os inúmeros
compartilhamentos, e observa com cautela, porque é representativa da
polarização que hoje toma conta de toda a sociedade brasileira. O Judiciário
não é infenso a esse sentimento de polarização", disse.
O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, André
Mendonça, postou no Twitter que o “linguajar utilizado na sentença —
característico de um militante partidário, não de um juiz — foge da técnica
jurídica e claramente viola o Código de Ética da Magistratura”, e que a AGU
representará perante o Conselho Nacional de Justiça”.
Jerônimo Azambuja Franco Neto, de 35 anos, é natural
de Bagé, no Rio Grande do Sul. Foi técnico e analista no TRT-4 antes de
ter sido aprovado em primeiro lugar no 40º concurso para juízes do TRT-2,
em 2014, e orador de sua turma na posse, em 2016 e, segundo informações da
página desse regional, disse em seu discurso que a Justiça trabalhista vivia
uma crise que terminaria por fortificá-la.
Em 2018, em parceria com o jurista Lenio Streck, Azambuja
publicou um artigo na qual criticava a terceirização da força de trabalho e ao
modo como a Justiça vinha lidando com os direitos trabalhistas. Em resposta ao
texto, Eros Grau, ex-ministro do STF, publicou um artigo
criticando as ideias de Azambuja e Streck, classificando seu
texto como “complexo e confuso” e dizendo que este “aparentemente” pretendia
ser “mais divertido do que jurídico”. Ao falar sobre os autores, Grau
diz conhecer e ter boa consideração por Streck, mas em relação a Azambuja
diz “não saber quem é”.
Azambuja e Streck, então, escreveram um novo
artigo no qual se defendem das críticas do ex-ministro, dizendo que Grau
demonstrava “nítido desprezo ao juiz Azambuja. “Esse modo de se dirigir
a alguém é fenômeno inerente ao fechamento ético dos indivíduos pela ideologia
mercantilizante que prepondera numa espécie de Análise Econômica da Moral”,
dizia a “tréplica”.
Procurado pelo ESTADO,
o juiz Jerônimo Azambuja não quis se manifestar.