sábado, 1 de fevereiro de 2020

BOLSONARO — NEM TANTO AO MAR, NEM TANTO À TERRA



Pode parecer incrível, mas muita gente acredita piamente que quem reprova a roubalheira protagonizada por Lula e sua quadrilha durante os 13 anos e fumaça de lulopetismo no Planalto é necessariamente admirador confesso, fã de carteirinha e baba-ovo de Jair Bolsonaro.

O que acontece no mundo real, mas que o raciocínio raso impede os esquerdopatas de compreender, é que Bolsonaro foi eleito graças aos descerebrados que, no primeiro turno, descartaram as pouquíssimas opções que poderíamos ter experimentado e convocaram para o embate final os representantes dos dois extremos do espectro político partidário: pela esquerda, o bonifrate do então presidiário de Curitiba; no canto oposto do tablado, um inexpressivo deputado do baixo clero, nitidamente despreparado para exercer a presidência da República (mesmo que por “república” se entenda este arremedo de republiqueta de bananas).   

Ensina o jornalista J.R. Guzzo que um dos inconvenientes que causam mais irritação nas democracias é que elas exigem eleições livres para receberem o certificado oficial de democracia — e o grande inconveniente das eleições, como se sabe, é que pode ir para o governo gente que não faz nada daquilo que, na sua opinião, um governo decente deveria fazer. Os ministros não são aqueles que deveriam ser nomeados, as declarações do presidente e de seus assessores estão sempre erradas, são ofensivas, absurdas, retrógradas, perigosas ou simplesmente cretinas. Nada que o governo propõe está certo. Tudo o que não está fazendo deveria ser feito. O presidente, em vez de ouvir a oposição, ouve os seus eleitores; em vez de falar para a esquerda, fala para a direita. Enfim: é um transtorno.

Por outro lado, não se leva em conta o fato de que não está acontecendo nenhuma das catástrofes que os perdedores da eleição diziam que Bolsonaro iria produzir: o genocídio dos homossexuais, dos índios e das mulheres, a guerra civil provocada pela “liberação das armas”, a liquidação da democracia e sabe lá Deus o que mais. Em suma, o presidente leva nota ruim quando tenta fazer o que prometeu, não leva nota boa quando não faz nenhuma das barbaridades que deveria estar fazendo e é frequentemente acusado de faltar com o decoro. Mas desde quando a palavra “decoro”, como está definida no dicionário, guarda alguma relação com a vida política brasileira?

Temos uma Câmara dos Deputados onde pelo menos um terço dos membros (há cálculos que falam em 40%, ou mesmo mais que isso) está respondendo a algum tipo de denúncia criminal. Temos um senador com nove ou dez processos nas costas, outro que foi pego em flagrante de extorsão ao telefone e outros que só não estão numa penitenciária porque têm “imunidades parlamentares” — ou seja, licença para praticar crimes sem ser presos. Isso sem mencionar um presidente do STF que foi reprovado duas vezes no concurso para juiz de direito e políticos metendo a mão num fundo eleitoral que tem bilhões de reais roubados do contribuinte. Falta de decoro? Conta outra!

Seria desejável que nossos homens públicos tivessem uma conduta exemplar. Mas não têm, Muitos seriam incapazes de reconhecer o conceito de “decoro”, mesmo que topassem de cara com ele numa esquina. O que fica francamente esquisito é cobrar bom comportamento só do presidente, que, num recente destempero, falou algumas barbaridades contra os jornalistas que o interrogavam. Isso não se faz, é óbvio, e não porque jornalistas merecem algum tratamento especial — na verdade, eles não merecem coisa nenhuma. Tampouco se trata, no caso, de uma reação justa ou compreensível diante de uma imprensa que, francamente, jamais foi imparcial em relação a Bolsonaro — e nunca será; ao contrário, trata-o como se ele fosse um delinquente de rua.

Ouvindo os insultos — ou coisas muito parecidas — que os jornalistas fazem dia sim, outro também, ao capitão, muitas pessoas devolveriam na mesma moeda e na mesma hora. Acontece, e é aí que está o problema, que Bolsonaro não é “muitas pessoas”. Ele é o presidente da República, e o cidadão que se dispõe a ocupar esse cargo não pode, simplesmente não pode, achar que tem o direito de sair por aí dizendo o que lhe der na telha. Não tem “sangue de barata”, e outras bobagens? Então não vá ser presidente e pronto. Bolsonaro está 100% errado, porque não pode fazer o que faz, mas ficar com essa história de “decoro”, ao mesmo tempo, é 100% hipocrisia.

O capitão pode acabar seu mandato como um bom presidente ou como um mau presidente — isso ficará perfeitamente claro com os resultados objetivos que o seu governo apresentar. Mas não é razoável exigir que ele presida o país como os seus adversários querem. Sua obrigação é fazer o que os seus eleitores esperam que ele faça; é cumprir o que prometeu a eles durante a campanha. Tudo isso pode ser muito desagradável, mas os quase 58 milhões de brasileiros que votaram nele para presidente foram a maioria do eleitorado no momento da eleição. Essa maioria tem anseios de direita, ou conservadores, e entregou ao atual presidente a incumbência de cumpri-los. Tem valores que pretende ver apoiados, são contra tudo o que cheire a Lula, a esquerda, a corrupção e a incompetência dos governos petistas. Bolsonaro erra, na verdade, quando não cumpre o que prometeu a quem votou nele.

É evidente que o Brasil é maior que o eleitorado bolsonarista, e é dever do presidente governar para todos os cidadãos, e não apenas para os seus seguidores. Mas não faz sentido ficar revoltado porque ele pensa diferente de você — e por não fazer um governo parecido ao que Fernando Haddad ou Fernando Henrique, por exemplo, possivelmente fariam. Para isso será preciso esperar pela próxima eleição.