domingo, 2 de fevereiro de 2020

BOLSONARO, MINISTÉRIO E GAMBIARRAS


Hoje, 2 de fevereiro, adeptos da Umbanda e do Candomblé saúdam Yemanjá, a rainha do mar, e Oxum, a deusa das águas doces. Fica aqui minha homenagem a ambas as Orixás. Dito isso, passo à postagem do dia:

Bolsonaro emitiu todos os sinais de que gostaria que Onyx Lorenzoni pedisse para sair, mas a ficha não caiu, e então o presidente passou a cogitar a transferência do aliado — uma solução simples, mas errada, pois o correto seria sanar a ineficiência, não mudá-la de lugar.

O governo faz água em diversos ministérios, e a Casa Civil é apenas um deles. Mas não se deve atribuir toda a responsabilidade aos ministros que se encontram na berlinda. Inobstante o nome do problema — Lorenzoni, Weintraub, Salles ou Zé das Couves —, num regime presidencialista, o presidente preside e os ministros seguem suas decisões. Iniciada a partida, o ministro cuja movimentação em campo não coincide com a tática do presidente é defenestrado, e se o presidente determina a execução de movimentos contrários ao que estava combinado, é o ministro quem pede para sair. Nesse tipo de jogo, trocar o plugue de tomada não evita o curto-circuito, apenas altera o local do choque.

Humilhado pelo presidente, Lorenzoni, antecipou seu retorno das férias no mundo encantado da Disney. Ao desembarcar em Brasília, contrariando conselhos de amigos e correligionários, avisou que não pensa em deixar o governo. Ou seja: não podendo elevar a própria estatura, decidiu rebaixar o pé-direito do seu gabinete. Diz não acreditar que Bolsonaro tencione demiti-lo. Se estiver certo, seu maior desafio será encontrar algo com o que se ocupar: depois de transferir a coordenação política da Casa Civil para a Secretaria de Governo e o serviço de controle sobre a legalidade dos atos assinados pelo presidente para a Secretaria-Geral, o capitão informou pelo Twitter que transferirá para o Ministério da Economia a gestão do Programa de Parcerias de Investimentos, a única atribuição relevante que restou à pasta de Onyx.

A mutilação dos poderes da Casa Civil foi iniciada meados de 2019 e concluída na última quinta-feira, nas pegadas do caso que envolveu o uso de avião da FAB por Vicente Santini, o ex-número 2 do ministério, que em apenas 48 horas foi demitido e recontratado para um cargo cujo contracheque (R$ 16.944) era quase do mesmo tamanho do anterior (R$ 17.327). Esperava-se que a reacomodação fosse feita discretamente, sem os tambores de uma nota oficial, mas, fustigado nas redes sociais, Bolsonaro correu para o Twitter e, num único post, demitiu Santini pela segunda vez e Fernando Moura, um adjunto de Lorenzoni que havia assumido interinamente o comando da Casa Civil.

Nem o próprio Bolsonaro acredita na lorota de que seu ministério, por "eficiente", dispensa reforma. A questão é que, quando uma peça dá defeito, ele prefere “acochambrar”, instalando uma gambiarra, talvez porque uma solução definitiva exigisse o manuseio de um instrumento indisponível na sua caixa de ferramentas: a autocrítica. Na área do meio ambiente, por exemplo, o capitão só agiu quando o ambiente inteiro já estava conspurcado pelo escárnio governamental. Os maiores fundos de investimento do planeta avisaram: mantido o descaso com a proteção da floresta amazônica, não haveria como investir no Brasil. Em resposta, em vez de demitir Ricardo Salles do ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro desligou-o temporariamente da tomada e anunciou a criação do Conselho da Amazônia e da Força Nacional Ambiental, que serão coordenados pelo vice Hamilton Mourão (ainda não há clareza quanto à forma, o conteúdo e os custos, ou seja, o plano de voo virá somente após a decolagem), cuja primeira iniciativa será tentar desobstruir o duto por onde escorriam as verbas milionárias que Noruega e Alemanha aportavam no Fundo Amazônia antes do transe antiambiental que se instalou em Brasília.

Na pasta de Lorenzoni a tática da gambiarra foi levada às fronteiras do paroxismo: Como dito linhas atrás, o presidente, insatisfeito com o desempenho do auxiliar, retirou da Casa Civil o pilar da coordenação política, que transferiu para a Secretaria de Governo, e a viga do controle jurídico dos atos presidenciais, que repassou à Secretaria-Geral da Presidência. Agora, atendendo a uma solicitação de Paulo Guedes, transferiu para o ministério da Economia o Programa de Parcerias de Investimentos, tornando a pasta uma superestrutura pendurada no ar.

Nada mudou, disse Lorenzoni a correligionários, sem se dar conta de que, no seu caso, nada é uma palavra que ultrapassa tudo. No momento, seu ministério é uma espécie de elefante que Bolsonaro eletrocutou sem calcular a dificuldade que teria para remover o cadáver. Propagou-se no Planalto a informação de que, em nova gambiarra canhestra, o capitão acomodaria a inépcia de Onyx na pasta da Educação, hoje preenchida pela incompetência de Abraham Weintraub. Na sexta-feira, depois de interromper uma entrevista para não ter que falar sobre o futuro de Lorenzoni, Bolsonaro postou em suas redes sociais uma foto na qual aparece ao lado de Weintraub, seu auxiliar mais "imprecionante". Na legenda, apenas um enigmático "boa noite a todos".

Com Josias de Souza.