quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A POLARIZAÇÃO E OUTRAS QUESTÕES


A absoluta separação exige absoluta radicalização. Dizer que é preciso separar o joio do trigo é uma forma coloquial de se defender a polarização. Para separar as coisas de maneira absoluta, é preciso identificar o que se está separando, ou seja, a ponta mais aparente da raiz mais encoberta. Radicalizar é isso, ir à raiz, identificar, experimentar, investigar, pesquisar, comparar, conceituar e classificar.

O extremismo não é um mal em si. Ser extremamente justo, bom, inteligente etc. é motivo de orgulho, conquanto existam polarizações ou extremismos que carecem da devida radicalização. Isso acontece quando, por exemplo, colocamos a verdade de um lado e a nossa consciência de outro, juntamente com os fatos, a verdade e a justiça que os cercam. Mas quem faz isso está associado a narrativas, mentiras e injustiças.

Tomemos como exemplo o governo Bolsonaro: há quem ache que tudo que o capitão diz ou faz é certo — são os chamados Bolsominions, toupeiras guiadas por um fanatismo tão extremado quanto os sectários da seita infernal que coloca Lula acima de Deus e de todas as coisas. Tanto uns quanto os outros acreditam no mito de que seu líder é onisciente, incorruptível, capaz de decisões que, mesmo sendo evidentemente equivocadas, são consideradas por eles simplesmente genias. Trata-se claramente de um delírio psicótico que distorce a realidade e produz uma visão pragmático-neurótica baseada na ignorância e no medo, como aqueles presentes entre fanáticos religiosos e histéricos emocionais. Neuróticos dessa catadura produzem racionalizações, sofismas e falácias que, se não fossem trágicas, seriam cômicas.

Por outro lado, há os negadores, os céticos, que rejeitam que alguém com tantos defeitos como o presidente Bolsonaro possa tomar decisões positivas. Esses dão a alguns pronunciamentos infelizes do capitão peso maior que concedem à melhor das suas ações, deixando-se tomar por um extremismo emocional e pervertido. Bolsonaro é o chefe de um governo de coalizão em que há partes positivas e outras nem tanto.

Talvez não se possa afirmar (digo isso no condicional porque tenho cá minhas dúvidas) que a parte que nos satisfaz vai bem apesar do presidente, e não por causa dele, pois é ele o responsável por reunir aqueles que estão mudando a matriz econômica brasileira, e se isso é parte do que há de bom no governo, deve-se creditar os louros ao presidente. Mas aqui cabe abrir um parêntese para lembrar que a reforma da Previdência só passou graças aos esforços de Rodrigo Maia, já que Bolsonaro não só não ajudou como fez o possível para atrapalhar sua tramitação, a despeito da importância vital da aprovação no Congresso (o fato é que o capitão jamais viu com bons olhos essa reforma e menos ainda a associação de sua subida imagem com uma proposta tão impopular, o que em sua visão míope seria suicídio eleitoral).

Enfim, houve no primeiro ano deste governo uma infinidade de tropeços, erros e desilusões, mas não se pode negar que muito do que foi feito produziu bons resultados. Críticas há, mas a maioria é motivada pela polarização extremada e carece de uma boa análise. Há joio e há trigo no governo, e quem só vê joio (ou finge só ver joio) se contrapõe aos fatos, à verdade e à justiça. Mas não podemos nem devemos ficar neutros — até porque há dois lados em tudo num mundo em que é preciso separar o que faz bem do que faz mal —, pois nossa sobrevivência depende de separar o que é verdadeiro do que é falso, o certo do errado, o justo do que não o é. Fazendo um balanço isento (ou quase) do primeiro ano deste governo, o saldo é mais positivo do que nas gestões anteriores, e vai muito além do que se poderia esperar de alguém que coloca Deus acima de todos e a pátria acima de tudo (e a si e a sua prole acima de tudo isso, mas essa já é uma outra história).

No palanque, o candidato Bolsonaro dizia que bandido bom erar bandido morto. Eleito, o presidente Bolsonaro passou a achar que bandido bom é bandido que tem dois juízes diferentes em cada processo, para ter duas vezes mais chance de ficar impune. Engoliu, quietinho, a invenção do “juiz de garantias”. Aliás, a “carta branca” que prometeu a Sérgio Moro, ao convidá-lo para assumir a pasta da Justiça e Segurança Pública, parece ter servido de papel higiênico, a exemplo da bandeira do combate à corrupção e aos corruptos, doa a quem doer. Como se viu, bastou o Ministério Público bafejar no cangote de Zero Um para o capitão se tornar unha-e-carne com José Antonio “Maquiavel” Dias Toffoli — aquele que ganhou a suprema toga do criminoso Lula, mesmo tendo sido reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeira instância, e que agora vem dizer que a Lavo-Jato deixou “empresas quebradas”, tornando-se mais um forte candidato à Medalha Nacional das Declarações Cretinas de 2019.

Tem cabimento o presidente da mais alta Corte de Justiça desta Banânia (só até setembro, se Deus quiser, quando passará o manto e o cetro para o ministro Luiz Fux) dizer que a punição de crimes tem um lado ruim? Ruim é sua pouco memorável carreira de ministro. Ainda outro dia, após falar e falar e falar num discurso ao mesmo tempo interminável e incompreensível, soube sua excelência da avaliação que um de seus pares, Luís Roberto Barroso, fizera do seu voto: “Teremos de chamar um professor de javanês “, sugeriu o ministro. Quem sabe, assim, alguém conseguiria entender o que ele havia acabado de falar.

Mais recentemente, Toffoli achou uma boa ideia dizer numa entrevista que a Operação Lava-Jato, infelizmente, foi responsável pela falência, ou o equivalente a isso, de empresas apanhadas em flagrante de corrupção. Quem quebrou as empresas, senhor ministro, foi a corrupção, não a Justiça. Foi quem praticou crimes — e não quem os puniu.

Dessa vez, nem mesmo Marco Aurélio Mello — primo e apadrinhado de Fenando Collor de Mello, famoso por sua vocação para ser voto vencido e defender todo tipo de causa perdida —, nem ele, aguentou a declaração estapafúrdia. A Lava-Jato não destruiu as empresas, rebateu o vice decano da Corte. Ao contrário, gerou confiança na Justiça e ajudou na civilização do Brasil. Dizer o que, depois disso?

Com Rodrigo Constantino e J.R. Guzzo