segunda-feira, 27 de janeiro de 2020

MAIS SOBRE O "NOIVADO" NA CULTURA E O DESMEMBRAMENTO DO MINISTÉRIO DE MORO



A revista VEJA desta semana antecipa os próximos capítulos da novela envolvendo o “noivado” de Regina Duarte com o governo Bolsonaro. Para Dora Kramer, o capitão foi esperto ao convidar a atriz para assumir a Secretaria da Cultura, já que, no mínimo, isso deve apaziguar os ânimos no setor. A questão é que não há como ela ter garantias de que poderá exercer um bom trabalho, pois só Deus sabe como o presidente reagirá diante da primeira contrariedade que a nova colaboradora venha a causar.

Augusto Nunes avalia que o “noivado” serve para a presumível futura secretária “sentir a temperatura da água” e deixa claro que ela quer um canal direto com Bolsonaro. Afinal, a pasta é subordinada ao ministério do Turismo, e a sua nova comandante quer ter a certeza de que não enfrentará qualquer tipo de ingerência.

 J.R. Guzzo, em sua coluna na Gazeta do Povo, ponderou que noivados muito longos — ou pelo menos aqueles do tipo antigo, que passavam anos a fio sem maiores inconvenientes para as duas partes — costumam ser uma mão na roda para os noivos, pois postergam ad aeternum um casamento que poderia trazer um caminhão de problemas. No caso em tela, se os consortes continuarem noivando para sempre, terão a chance de continuar sendo bons amigos, e a Secretaria da Cultura, que permanecerá sem dono, com alguma sorte acabará morrendo de morte morrida.

Observação: O Brasil não precisa de um Ministério ou Secretaria da Cultura, mas, sim, salvar seu belo patrimônio histórico e cultural de goteiras, incêndios, desabamentos, furtos e de todo tipo de ruína — e isso é garantido que o ministério ou a secretaria não fazem e jamais vão fazer. A presença do Estado, principalmente quando envolve um negócio chamado “verba”, não é apenas inútil para a cultura — é um perigo. Deixem que o público responda, com o seu apoio voluntário, pelo sucesso cultural brasileiro. Talento não precisa de culturocratas para nascer, crescer e vencer.

Outro assunto que vem dando o que falar é o fatiamento do ministério da Justiça. Depois de muitas idas e vindas, o capitão-decepção afirmou que a separação tem chance zero de acontecer, mas suas promessas são tão confiáveis quanto previsões de horoscopistas, cartomantes e assemelhados. Num de seus pronunciamentos, Bolsonaro afirmou candidamente que ofereceu ao ex-juiz Sérgio Moro o ministério da Justiça, mas postagens antigas que ambos publicaram nas redes sociais falam claramente em ministério da Justiça e Segurança Pública.

Na avaliação de Dora Kramer, o presidente, com ciúmes do bom desempenho de Moro no programa Roda Viva, quis dar uma “alfinetada” no auxiliar — uma ideia que Augusto Nunes classificou como um tiro no pé. O dito ficou pelo não dito, mas muita polêmica inútil poderia ter sido evitada se o assunto tivesse sido encerrado dois dias antes, quando Bolsonaro recebeu uma comissão de secretários estaduais de Segurança Pública. Em vez disso, o indômito boquirroto preferiu jogar lenha na fogueira afirmando que a proposta estava em “estudo”.

Em off, Bolsonaro fala em promover ajustes no ministério desde o final do ano passado. Quando o tema chegou ao noticiário, declarou: "É fake news, tá ok?" Mas fake não era a notícia, e sim o presidente, que é useiro e vezeiro em dizer uma coisa e fazer outra. Moro acreditou quando ele desmentiu o plano de desmembrar seu ministério, mas voltou à frigideira na semana passada, dias depois de afirmar que o relacionamento de ambos era excelente, quando o capitão admitiu em público o que apenas sussurrava às sombras.

Bolsonaro e Moro parecem ter feito apostas erradas quando o primeiro acabara de ser eleito e o segundo ainda era juiz da Lava-Jato. O presidente ainda não empossado imaginou que usufruiria da popularidade de Moro sem pagar qualquer preço, e o futuro ministro, que teria do capitão um apoio firme no enfrentamento da corrupção, numa sequência animadora do seu trabalho como juiz na maior operação anticorrupção da história desta Banânia. Mas o imbróglio envolvendo Fabrício Queiroz e o Zero Um mostrou que a bandeira anticorrupção do então candidato era apenas um gesto eleitoreiro, pois, uma vez empossado, o capitão moveu mundos e fundos para blindar seu primogênito. 

Bolsonaro incutiu em Moro a crença de que o tornaria um superministro, e agora o submete a sucessivas humilhações públicas. Ao descartar o desmembramento do ministério da Justiça e Segurança Pública, ele fez questão de acrescentar que "não sabe o amanhã, porque na política tudo muda". Ou seja, o fogo continua aceso...  Mas não será fácil convencer a sociedade de que a grande necessidade da segurança pública é a recriação de um ministério específico, o expõe o presidente ao risco de descobrir da pior maneira que, por melhor que seja o seu teatro, parte da plateia não está suficientemente ensaiada para fazer o papel de idiota.

Assombrações e fantasmas aparecem para quem acredita neles. Ou Moro ergue a coluna vertebral, ou compromete, por excesso de submissão, o prestígio que lhe rende altos índices de popularidade. Quanto a Bolsonaro, se quiser mesmo ver o ministro pelas costas, terá de assumir o ônus da demissão em vez de continuar testando os limites da paciência do auxiliar, que têm se mostrado ilimitados. E nesse jogo de gato e rato é o capitão quem tem mais a perder, haja vista a profusão de críticas a que foi submetido nas redes sociais, seu habitat natural. A pergunta é: o que acontecerá se Moro chamar o caminhão de mudança e sair batendo a porta?

Josias de Souza sintetiza a resposta de maneira magistral. Segundo ele, ciente de que o passado político da primeira-família estava enrolado em rachadinhas e relações perigosas com Fabrício Queiroz e milicianos, Bolsonaro recrutou o xerife da Lava-Jato para cuidar do combate à corrupção e ao crime organizado, e agora tenta cortar suas asas. Moro, ironicamente, contribui para a própria fritura por não ter traçado limites e sofre calado uma sequência de humilhações que já evoluíram para o esquartejamento: foi-lhe arrancado o braço do Coaf e, para manter os dedos da direção-geral da PF, teve de dar o anel da superintendência da instituição no Rio de Janeiro — onde Zero Um enfrenta sua tormenta judicial. Dias atrás, Bolsonaro castrou o ministro ao contrariar sua recomendação de vetar o juiz de garantias, e só vem adiando a amputação da Segurança Pública por razões estratégicas. 

A impressão que se tem é a de que ambos, picados pela mosca azul de 2022, perderam o rumo, mas há um rumo nesse encrenca, e esse rumo se chama crise. E para o presidente há um risco adicional, pois ele chamou Moro para o governo com o argumento de que lhe daria condições para melhorar sua biografia, e agora lhe oferece a oportunidade ganhar respeito (e pavimentar o caminho para as urnas em 2022) pedindo o boné.

Aguardemos, pois, os próximos capítulos dessa novela.