Há coisas que parecem ter sido feitas sob medida para não
funcionar ou funcionar mal. Um exemplo lato sensu são as leis brasileiras, criadas
por corruptos para favorecer criminosos em detrimento dos cidadãos de bem. Um
exemplo strictu sensu é o fundo eleitoral — projeto gestado e parido
pelo legislativo em causa própria, até porque nesta banânia os políticos se
elegem para roubar e roubam para se reeleger.
Segundo J.R. Guzzo, o Brasil é um país que requer
paciência. Nada vai na rapidez em que deveria ir. Nada vai até onde deveria
chegar. Nada vai na hora em que deveria ter ido. Quase tudo, além disso, vai na
base do “um passo para trás” a cada passo e meio para a frente. Em suma: o
Brasil é demorado. Isso não quer dizer, porém, que nada ande.
Anda, mas anda devagar — e quase sempre é preciso prestar
muita atenção para se perceber que alguma coisa está realmente andando, porque
os movimentos para adiante em geral são feitos em silêncio. É o caso do recente
avanço na eliminação da propaganda partidária “gratuita” no rádio e televisão —
na verdade, propaganda obrigatória, que os partidos forçavam a população a
engolir, querendo ou não, e que nunca teve nada de gratuita: os cofres públicos
eram obrigados a ressarcir as emissoras de rádio e tevê pelo tempo desperdiçado
com os políticos. A conta, que ficava entre R$ 450 milhões e R$ 500 milhões por
ano, havia sido liquidada pelo atual governo, mas foi contrabandeada de volta
para a legalidade num truque armado na reforma
eleitoral de setembro de 2019.
Como alguém talvez ainda se lembre, Bolsonaro vetou
esse dispositivo ao sancionar a lei, mas a Câmara dos Deputados, em mais
uma vitória em defesa das instituições e em seu próprio favor, naturalmente
paga com o dinheiro dos impostos do distinto leitor, derrubou o veto
presidencial. As gangues que no Brasil têm o nome de “partidos” já iam levar
mais essa — só que não levaram. É o tal passo e meio adiante do qual se falou
acima.
O Senado Federal, no início do ano e por apenas dois
votos de diferença, manteve o veto do presidente. Mais: manteve, também, a
proibição para os políticos usarem os “fundos da vergonha” para pagarem
multas e os advogados que contratam para defendê-los dos delitos que cometem.
Pouca gente notou – foi mais um avanço que se obteve em silêncio. Tudo bem: o
que interessa é o avanço conseguido.
Interessa saber, também, que as ações de delinquência
praticadas na Câmara já não podem contar com 100% de apoio do Senado. Na
verdade, mesmo em casos de empate entre o passo para a frente e o passo para
trás, o público já pode considerar que a coisa fica de bom tamanho. Num país em
que a maioria dos políticos não faz outra coisa que não seja trabalhar
diariamente para manter tudo em marcha a ré permanente, o ponto morto acaba virando
um progresso.
O “fundo eleitoral”, esse ato de extorsão que acabou
conhecido como “Fundão da Vergonha”, é um bom exemplo. Esses recursos,
como se sabe, foram capturados por um motivo muito simples: tendo ficado mais
difícil arrumar dinheiro com a corrupção, via caixa 2, malas de dinheiro vivo e
outros golpes, nossos homens públicos trataram de achar uma outra mina.
Avançaram, aí, direto em cima do erário, fazendo com que o eleitor pague as
despesas que os políticos terão para se manterem seus cargos e continuarem a
roubá-lo.
Esse dinheiro, como se diz, dançou. Mas manter o roubo do
tamanho que estava, sem ficar pior, não é de se jogar fora. Este é o Brasil
real. Cada um dos seus atos termina com pano extremamente lento.