terça-feira, 14 de janeiro de 2020

O JUIZ DE INSTRUÇÃO E AS IDAS E VINDAS DO STF



As constantes idas e vindas do STF, que vem se aprimorando na prática de decidir não decidir — ou de “desdecidir” o que acabou de decidir, como fez Dias Toffoli em relação à polêmica sobre o Especial de Natal do Porta dos Fundos/Netflix —, dão azo à proliferação de um sem-número de palpiteiros travestidos de juristas. Assim, seja na impressa escrita, falada e televisiva, seja nas redes sociais, mesas de botequins e macarronadas de domingo em família, não faltam opiniões exaradas com um suposto conhecimento de causa de dar inveja ao retrocitado presidente da nossa mais alta Corte de Injustiça que não passava de um advogado de porta cadeia do PT até Lula brindá-lo com cargos de destaque em seu governo e ao final cobri-lo com a suprema toga.

Observação: Antonio Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski não só foram indicados ao STF pelo então presidente molusco, mas também emergiram das fileiras do PT. Detalhe: dentre outras exigências para integrar a mais alta Corte, o candidato deve ter reputação ilibada e notável saber jurídico. Toffoli não fez doutorado nem mestrado e foi reprovado duas vezes em concursos para juiz de primeira instância, mas passou de advogado do PT ministro do Supremo. Lewandowski, amigo de Lula e dos Demarchi, ingressou na vida pública quando Walter Demarchi, então vice-prefeito de São Bernardo do Campo, convidou-o a ocupar a Secretaria de Assuntos Jurídicos daquele município. A família Demarchi se orgulha de ter sugerido seu nome à finada Marisa Letícia, quando surgiu uma vaga no STF, com o que Lula concordou prontamente.  

Resta saber como Toffoli se posicionará em relação à malfadada questão do “juízo de garantias” — mais um jabuti posto na árvore "pela mão do gato" por parlamentares que desfiguraram o pacote anticrime e anticorrupção do ministro Sérgio Moro antes de aprovar o pouco que sobrou dele — o que não chega a espantar: na atual legislatura, nada menos que 50 deputados federais respondem a processos criminais, e outros 93, a exemplo de pelo menos 27 senadores, são alvo de algum tipo de investigação.

A criação da excrescência em pauta — segundo a qual processos criminais deverão contar com dois magistrados: um para atuar na fase do inquérito policial, apreciando os pedidos dos investigadores, e outro para sentenciar as ações — vem sendo questionada por partidos políticos como o Podemos e o Cidadania, além de associações de magistrados como a AMB e a AJUFE. A maior serventia desse troço, diz o jurista (de verdade) Modesto Carvalhosa, é abrir um vasto cardápio de recursos passíveis de interposição na fase instrutória da ação penal, fazendo com que o processo só fique “pronto” para julgamento quando o crime estiver à beira da prescrição.

No afã de confrontar o ministro Sergio Moro e mandar “recados” aos operadores da Lava-Jato, o Congresso aprovou de qualquer jeito a figura do juiz de garantias, o que gerou muitos problemas e nenhuma solução. A lei corre sério risco de não “pegar”, tantos são os obstáculos para sua implementação. Uma das consequência é a criação de um vácuo jurídico, uma situação de marginalidade legal que alguém (provavelmente o Judiciário) terá de resolver. A decisão de afogadilho, que demonstra a assertividade do dito de que o apressado come cru e quente, é filhote da prática de se tomarem decisões de repercussão geral com base nesse ou naquele caso, nessa ou naquela intenção. Como demonstra a torta discussão em torno da prisão em segunda instância referida na situação do ex-presidente Lula.

Jair Bolsonaro, que se elegeu envolto na bandeira do combate à corrupção e aos corruptos, mas mudou o discurso para livrar a pele de Zero Um e Zero Dois (ambos investigados por suspeitas de rachadinha), se absteve de vetar esse e outros itens do que restou do projeto de lei de Sérgio Moro. Segundo o capitão, de nada adiantaria ele vetar, pois o Congresso fatalmente derrubaria o veto. Talvez sim, talvez não... isso a gente só saberia se sua excelência se dignasse de fazer seu papel.

Fala-se que seis dos onze togados supremos são favoráveis ao juiz de instrução (ou juízo de garantias, ou o diabo que os carregue a todos). Suponho que sejam os mesmos magistrados que votaram pelo fim da prisão após condenação em segunda instância, e que, dentre outras imoralidades, moveram mundos e fundos para tirar Lula da cadeia.

Toffoli deve responde pelo plantão no Supremo até o final desta semana, a partir de quando passará o bastão ao vice-presidente da Corte, Luiz Fux, que atuará como plantonista até o final do recesso. Aliás, Fux é o relator dos recursos que incluem pedidos de liminar para suspender imediatamente a nova regra, prevista para vigorar a partir do dia 23 de janeiro, e já se manifestou contrário criação da figura do juiz de instrução. Por outro lado, Toffoli já se manifestou publicamente a favor da implantação de mais essa bizarrice. A conferir.

Observação: Escrevi este texto no domingo e, como reza o novo bordão da BandNews, "em um segundo tudo pode mudar". Portanto, se houver alguma alteração digna de nota, acrescentarei o devido aditamento.