domingo, 23 de fevereiro de 2020

O CALDEIRÃO QUE NÃO É DO HUCK



Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio, do que supõe sua vã filosofia. Sobretudo num país onde até o passado é imprevisível, e a única certeza que se tem do futuro é de que um dia ele vai chegar chegar. Aliás, esta banânia já foi chamada de “País do Futuro”. Pelo visto, deve ser do futuro que nunca chega, mas dizer isso negar o pressuposto que mencionei no início deste parágrafo, de modo que vamos deixar pra lá essas elucubrações e ir direto ao ponto.

Depois de Cuba, somos o país latino-americano com a maior carga fiscal — que, segundo a Receita Federal, já superou 32% do PIB — e que tem sistema tributário mais complexo e mais caro do mundo. Porém, a despeito de sermos achacados por nada menos que 63 tributos (entre impostos, taxas e “contribuições”), não sobra dinheiro sequer para abastecer de gaze e esparadrapo os postos de saúde e de giz as escolas públicas.

No ano passado, o governo arrecadou R$ 2,5 trilhões em impostos, mas as contas públicas apresentaram um déficit primário de R$ 95,06 bilhões (note que nesses valores não foram considerados os gastos com o pagamento dos juros da dívida pública). Ou seja, gastou-se quase R$ 100 bilhões a mais do que se arrecadou.

Observação: A boa notícia, se é que se pode dizer assim, é que o rombo fiscal de 2019 foi o menor desde 2014 — em 2018, por exemplo, o déficit somou R$ 120 bilhões.

Como consequência desse descalabro, ameaças de greve e pressões por salários colocam estados na corda bamba diante da falta de margem nas contas para atender as demandas (se o amigo leitor estranhou eu ter usado o verbo ser no plural no início da frase, sugiro seguir este link).

Em dezembro, profissionais da saúde da rede municipal do Rio de Janeiro entraram em greve porque não recebiam salários havia mais de dois meses. Na semana passada, um motim dos policiais militares do Ceará resultou no aumento da média de homicídios de 6 (o que já era um absurdo) para 29 casos a cada 24 horas

O senador licenciado e ex-governador Cid Gomes foi baleado por policiais encapuzados (?!) ao tentar invadir um quartel usando uma retroescavadeira (?!). A Força Nacional foi enviada, mas outros dez estados (Santa Catarina, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Amazonas, Pernambuco, Alagoas, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins) também registram pressões da categoria por aumento.

Não é preciso ter a capacidade dedutiva de um Sherlock Holmes — detetive imortalizado pelo médico e escritor escocês Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) em 60 histórias que foram consideradas uma grande inovação no campo da literatura criminal — para desvendar um mistério cuja solução salta aos olhos: Dinheiro há; o problema é a maneira como ele é gasto (vale lembrar que tanto o governo federal quanto os estaduais e municipais não geram recursos, apenas os administram, e mal).

Há nesta republiqueta de bananas um sem-número de problemas de difícil solução. Mas bastariam dois dedos de vontade política para solucionar boa parte deles.

A questão é que vontade política depende da escolha de representantes probos — o que é uma quimera, considerando o baixíssimo nível de informação e a absoluta ausência de politização dos eleitores tupiniquins (note que o termo politização nada tem a ver com ideologia ou partidarismo político).

Para não encompridar demais esta postagem, sobretudo num domingo de carnaval, encerro-a por aqui, mas não sem antes relembrar o velho ditado segundo o qual “a esperança é a última que morre”. Pode até ser. Mas esperança não ganha corridas de cavalos.