segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

O ONTEM, O HOJE E O AMANHÃ


O Partido dos Trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam sempre foi uma legenda de vanguarda: aos 25, quando exalava a doce fragrância do poder, viveu a crise etária dos 40, com aquele jeitão ávido de quem perdera muito tempo na vida. Hoje, ao atingir de fato os 40, padece os males de uma velhice precoce.

Com deficiência neurológica, o PT não consegue compreender sua própria realidade. Ainda não se deu conta de que tem um enorme passado pela frente. Acorrentado a Lula e à fábula da perseguição, o partido se confunde com a imagem do dono. Mantém os pendores hegemônicos, mas já não consegue liderar o que se convencionou chamar de "esquerda".

Batizada de “Festival PT 40 anos”, a festa de aniversário da sigla oferece três dias de tédio. Exibe algo que Cazuza chamaria de museu de grandes novidades. Em seu discurso, Lula, a grande atração da efeméride, despeja no microfone ideias que não correspondem aos fatos. Não que tenha se tornado igual aos políticos que atacava; na verdade, ele ficou diferente do personagem que dizia ser.

"Se não formos para a rua lutar e resistir, estaremos perdidos", disse Lula. Convocação similar foi feita mais cedo pelo ex-prefeito de Sampa e bonifrate do molusco, Fernando Calamiddad: “Não temos muita alternativa. Estão destruindo tudo o que montamos, além da subserviência ao governo americano. Sempre existe alternativa. Os petistas poderiam debandar para a Venezuela e depois nadar de Caracas até Havana (são apenas 2 mil km, e os tubarões que infestam o Mar das Caraíbas precisam se alimentar).

No prefácio de um livro lançado em dezembro de 2002 ("Lula, o filho do Brasil", de Denise Paraná), o escritor Antônio Cândido enxergou no PT um partido "vivo", capaz "de escolher no arsenal ideológico os instrumentos adequados à ação política transformadora desse Brasil pesado de iniquidades seculares". No mesmo livro, à altura da página 147, Lula pintou assim o seu autorretrato: "(...) Se eu não tivesse algumas [qualidades pessoais] não teria chegado aonde cheguei. Eu não sou bobo. Acho que cheguei aonde cheguei pela fidelidade aos propósitos que não são meus, são de centenas, milhares de pessoas."

Decorridas quase duas décadas, o Lula de 2020 não faz jus nem às avaliações de Cândido nem à imagem que fazia de si mesmo. Ele agora reivindica a condição de bobo. A "esperança" foi derrotada pelo dinheiro. Tomado de assalto por vivaldinos, o partido "vivo" flerta com o pior tipo de morte: a irrelevância. Lula nunca soube de nada. Mas as nove ações penais que coleciona indicam que, no seu caso, nada é um vocábulo que ultrapassa tudo.

Recém-libertado por obra e graça da banda podre do STF, o petralha deixou a cadeia cuspindo foto, mas, de lá para cá, está deixando discretamente de ser o principal (ou único?) grande nome da política brasileira capaz de enfrentar Bolsonaro em 2022. Hoje, fala-se menos dele do que ontem. E amanhã?

Ao que tudo indica, o grande adversário de Bolsonaro não está mais na classe proletária, mas na elite da elite da elite. O que estão tentando fabricar como “alternativa séria” para enfrentar o capitão em 2022 é algum tipo “moderado- liberal-centrista-moderno-socialmente sensível-preocupado com a ecologia- preocupado com a pobreza-preocupado com a desigualdade-etc.”. Talvez o governador de São Paulo, ou então um certo apresentador de televisão milionário, cujo dote é ser muito conhecido, e que, com muito marketing, muita TV Globo, muitos milhões e muito aval de “gente séria”, talvez possa crescer nos próximos três anos. E Lula? Será que já estão botando o homem de lado?

Lula não enxerga no espelho a figura de um desbravador do Código Penal e recusa a ideia da autocrítica. Admite, no máximo, que o PT "cometeu erros". Ao usar a palavra "erro" como eufemismo para corrupção, revela uma desconexão voluntária com a realidade. Virou paródia grotesca do herói idílico do PT. Vendeu os ideais para financiar sua aventura. Trocou o ascetismo pela propina. Daquele sonho de 40 anos atrás só sobrou o esboço de um epitáfio: "Cometemos erros."

Com Josias de Souza e J.R. Guzzo