É no mínimo frustrante nossa sensação de impotência diante da
pandemia do Covid-19, uma crise mundial inusitada e sem paralelo na
história recente da humanidade. É certo que a Gripe Espanhola contaminou
quase 30% da população mundial e matou dezenas de milhões de pessoas — no Rio
de Janeiro, por exemplo, chegaram a ser registrados mil óbitos num único
dia —, mas isso foi entre 1918 e 1920, antes mesmo da descoberta da penicilina.
Observação: Faço essa remissão para dar ao
leitor uma ideia de quão limitados eram os recursos da medicina de então, já que antibióticos não combatem vírus e podem aumentar a
suscetibilidade da pessoa a uma infecção viral (embora
haja controvérsias a esse respeito).
Esse imbróglio começou
na China, no final do ano passado, mas à medida que os casos aumentaram
mundo afora — já são cerca de 200 mil
infectados —, em Wuhan, epicentro do SARS-CoV-2, registrou-se
uma única transmissão local na última terça-feira (17). A maior parte dos 78
mil chineses infectados já estão recuperados, e algumas atividades começam a
voltar ao normal, com os trabalhadores retornando às fábricas (que estavam
fechadas desde fevereiro). Isso se deve em grande parte ao fato de os chineses terem construído em tempo
recorde 16 hospitais em Wuhan, (o primeiro ficou pronto em dez dias)
para atender tanto infectados quanto qualquer pessoa que apresentasse sintomas.
O maior deles, com
capacidade para atender duas mil pessoas simultaneamente, deve ser fechado no final deste mês,
já que o número de casos está controlado.
É impossível negar a responsabilidade (ou irresponsabilidade,
melhor dizendo) do governo chinês pelo alastramento do vírus, e de as autoridades locais terem tentado abafar os primeiros alertas sobre seus efeitos e letalidade. No dia 30 de dezembro, o doutor Li Wenliang tentou alertar seus colegas de que pacientes estavam em quarentena na emergência do hospital, mas foi acusado de estar "espalhando boatos" e, três dias depois, forçado a assinar uma advertência de que seu comportamento era “ilegal”. Ele acabou morrendo no dia 6 de fevereiro, em razão da Covid-19.
Nos dias seguintes, pessoas começaram a procurar hospitais da cidade com queixas de sintomas semelhantes ao de uma pneumonia viral, mas que não respondiam a tratamentos comuns. Os médicos notaram que todos trabalhavam no mercado Huanan, onde carnes variadas, exóticas e animais silvestres vivos eram vendidos em um ambiente pouco salubre. No dia 31 de dezembro, o governo de Wuhan foi forçado a admitir que 27 pessoas estavam infectadas com uma pneumonia desconhecida, mas afirmou que a doença era “evitável e controlável”. O escritório da OMS em Pequim também foi alertado, mas o tom do governo local era de otimismo e sugeria que não havia transmissão entre humanos.
No dia 7 de janeiro, foi anunciado que um novo vírus havia sido identificado, e no dia 9 a Covid-19 fez sua primeira vítima fatal, cuja morte só foi anunciada dois dias depois, após seu código genético ser divulgado em um banco de dados público para que pesquisadores do mundo inteiro pudessem estudá-lo. No dia 13 a Tailândia registrou o primeiro caso de Covid-19 fora da China. Dia 16, foi a vez do Japão. Com a disseminação, no dia 18 Pequim mandou a Wuhan o epidemiologista Zhong Nanshan, que anunciou em rede nacional que o vírus era transmitido entre humanos. O presidente Xi Jinping também se pronunciou, e partir daí, a resposta foi rápida. O resto é história recente.
A questão é que a maneira como Eduardo Bolsonaro — que chegou a ser cogitado para assumir o posto de embaixador do Brasil nos EUA — tratou essa questão não foi lá muito diplomática. Em seu perfil oficial no Twitter, ele sugeriu que o Estado chinês teria escondido “algo grave” e comparou o caso com Chernobyl. O embaixador da China no Brasil repudiou a publicação e exigiu pedido de desculpas. Zero três tornou a emenda pior que o soneto, o que levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a apresentar um pedido de desculpas.
Bolsonaro pai, habitualmente loquaz, não deu um pio, mas o vice, general Hamilton Mourão — que teve papel decisivo na reaproximação do Brasil com China após o então candidato a presidente ter disparado declarações hostis ao país asiático durante toda a campanha eleitoral — tentou minimizar o impacto: “(A declaração) não é motivo de estresse, pois a opinião de um parlamentar não corresponde à visão do governo. Nenhum membro do governo tocou nesse assunto”, disse Mourão ao Estado. Já o governador de São Paulo, João Doria, chamou de “lamentável” e “irresponsável” a postagem do deputado fritador de hambúrgueres.
Nos dias seguintes, pessoas começaram a procurar hospitais da cidade com queixas de sintomas semelhantes ao de uma pneumonia viral, mas que não respondiam a tratamentos comuns. Os médicos notaram que todos trabalhavam no mercado Huanan, onde carnes variadas, exóticas e animais silvestres vivos eram vendidos em um ambiente pouco salubre. No dia 31 de dezembro, o governo de Wuhan foi forçado a admitir que 27 pessoas estavam infectadas com uma pneumonia desconhecida, mas afirmou que a doença era “evitável e controlável”. O escritório da OMS em Pequim também foi alertado, mas o tom do governo local era de otimismo e sugeria que não havia transmissão entre humanos.
No dia 7 de janeiro, foi anunciado que um novo vírus havia sido identificado, e no dia 9 a Covid-19 fez sua primeira vítima fatal, cuja morte só foi anunciada dois dias depois, após seu código genético ser divulgado em um banco de dados público para que pesquisadores do mundo inteiro pudessem estudá-lo. No dia 13 a Tailândia registrou o primeiro caso de Covid-19 fora da China. Dia 16, foi a vez do Japão. Com a disseminação, no dia 18 Pequim mandou a Wuhan o epidemiologista Zhong Nanshan, que anunciou em rede nacional que o vírus era transmitido entre humanos. O presidente Xi Jinping também se pronunciou, e partir daí, a resposta foi rápida. O resto é história recente.
A questão é que a maneira como Eduardo Bolsonaro — que chegou a ser cogitado para assumir o posto de embaixador do Brasil nos EUA — tratou essa questão não foi lá muito diplomática. Em seu perfil oficial no Twitter, ele sugeriu que o Estado chinês teria escondido “algo grave” e comparou o caso com Chernobyl. O embaixador da China no Brasil repudiou a publicação e exigiu pedido de desculpas. Zero três tornou a emenda pior que o soneto, o que levou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a apresentar um pedido de desculpas.
Bolsonaro pai, habitualmente loquaz, não deu um pio, mas o vice, general Hamilton Mourão — que teve papel decisivo na reaproximação do Brasil com China após o então candidato a presidente ter disparado declarações hostis ao país asiático durante toda a campanha eleitoral — tentou minimizar o impacto: “(A declaração) não é motivo de estresse, pois a opinião de um parlamentar não corresponde à visão do governo. Nenhum membro do governo tocou nesse assunto”, disse Mourão ao Estado. Já o governador de São Paulo, João Doria, chamou de “lamentável” e “irresponsável” a postagem do deputado fritador de hambúrgueres.
Em situações como a que estamos atravessando, mais
importante que apontar o dedo para o eventual culpado é RESOLVER O PROBLEMA.
O resto se vê depois. Os mercados estão instáveis, com o
dólar acima dos R$ 5 e a bolsa amargando quedas expressivas — após encostar nos 120 mil pontos em 23 de janeiro, o Ibovespa desceu de
elevador o que levou um tempo enorme para subir pela escada. Por volta das
16h30 de ontem, quando eu finalizava este texto, a B3, depois de diversos
picos e vales, operava em alta de 3%, perto dos 69 mil pontos, mas a montanha
russa deve prosseguir até o fechamento e nada indica que não se repita nos
próximos dias.
São Paulo, capital da locomotiva do Brasil e maior
metrópole da América Latina, ainda não virou uma cidade-fantasma, mas o
trânsito e a circulação de pessoas diminuíram dramaticamente. Nos supermercados,
desmiolados lotam carrinhos com álcool em gel — isso
quando encontram o produto nas gôndolas — e papel higiênico — talvez com
receio de toda essa paúra lhes desarranjar os intestinos. Ontem à noite, opositores
e apoiadores de Bolsonaro fizeram panelaços, indiferentes ao fato de
estarmos em meio a uma tormenta de dimensões épicas, e
que precisamos remar juntos e na mesma direção, ou esta nau de insensatos irá a
pique e nós estaremos fodidos e mal pagos.
Os ataques de Bolsonaro & Filhos ao Congresso
visam manter mobilizada a claque de apoiadores. O capitão está de
olho na reeleição desde que subiu a rampa do Planalto, mas foi eleito para
governar para todos, em que pesem diferenças político-ideológicas e de visão do
mundo. Com sua postura beligerante, vem desfazendo velhas amizades, transformando correligionários em desafetos e aliados
de primeira hora em adversários.
Embora jamais tenha sido o candidato de nossos
sonhos (noves fora os bolsomínions, que são uma versão com sinal
invertido da militância lulopetista), Bolsonaro acabou se tornando a única alternativa à volta
do PT graças aos votos do esclarecidíssmo eleitorado tupiniquim no primeiro
turno. E a despeito de estar se saindo pior como presidente do que como
candidato, temos de aturá-lo até 2022 e torcer pelo sucesso do seu governo, pois
disso depende o futuro do Brasil e, em última análise, o de todos nós. Portanto, não é o momento de falar em impeachment, de bater panelas ou convocar manifestações de rua (tanto contra quanto a favor do governo).
Observação: Ao assumir o comando da Famiglia
Corleone com a “aposentadoria” do pai — Don Vito, o “padrinho”
(tanto no livro de Mario Puzo quanto na trilogia dirigida por Francis
Ford Coppola o título “The Godfather”, que significa “O Padrinho”,
foi traduzido como “O Poderoso Chefão”) —, Michel apeou o irmão
de criação, Tom Hagen, do posto de consiglieri, dizendo-lhe que
não havia ninguém melhor que o pai para aconselhá-lo, mas o fato é que Hagen
não era um conselheiro para tempos de guerra (e aí seguiu-se a execução
sumária dos capi das famílias mafiosas rivais, mas essa é uma outra conversa).
Se servir de consolo, é bom lembrar que Bolsonaro é o presidente desta banânia, mas há no governo gente do quilate de Paulo Guedes e Sérgio
Moro, entre outros — aliás, o ministro Luiz Henrique Mandetta vem demonstrando
habilidade e competência para lidar com as imensas dificuldades impostas pelos
limitados recursos do nosso sistema de saúde. Se o capitão não atrapalhar, conseguiremos superar mais essa crise. E que sirva de lição para apedeutas munidos de título eleitoral praticarem o árduo exercício do raciocínio
— que está longe se ser o esporte preferido dos brasileiros. Assim, talvez nas próximas eleições possamos escolher o melhor candidato nas próximas em vez de eleger o menos
ruim para evitar a volta do pior.
Por hoje chega. Amanhã tem mais. Isso se houver amanhã.