quinta-feira, 26 de março de 2020

VAI DAR CACA...



Se tem consistência pastosa, cor amarronzada, mau cheiro e se parece com aquelas obras caninas que a gente xinga quando pisa inadvertidamente ao andar pelas calçadas (porque os donos mal-educados dos bichos não têm um pingo de civilidade), provavelmente não é uma barra de chocolate. Em outras palavras. periga dar merda o embate que começou (ou teve sequência) na tarde de ontem, quando os governares repudiaram em coro mais um pronunciamento estapafúrdio de Bolsonaro, que parece não ver — ou não querer ver — o tamanho da crise sanitária que assola o país e o mundo, talvez porque foca somente as implicações das medidas profiláticas na economia e, consequentemente, no seu projeto de reeleição.

No mesmo dia em que bateu boca com o governador de São Paulo, Bolsonaro perdeu o apoio de mais um aliado de primeira hora. Ronaldo Caiado, governador de Goiás, anunciou o rompimento em entrevista coletiva nesta quarta-feira, durante a qual não só chamou de irresponsável e desrespeitoso o pronunciamento do chefe do Executivo, como disse que ele não tem postura de governante.

Observação: As atitudes asininas e o pronunciamento estapafúrdio feito em rede nacional por um presidente incapaz de liderar o que quer que não seja sua claque de apoiadores ressuscitou os panelaços, que foram recorrentes durante a gestão da gerentona de araque, mas entraram em hibernação após a deposição da dita-cuja (e não despertaram nem mesmo quando Lauro Jardim divulgou as conversas nada republicanas entre Joesley Batista e vampiro do Jaburu). No mínimo, isso é um mau sinal para o presidente. Para o povo, a esta altura dos acontecimentos, é difícil dizer o que é pior.

A postura e as palavras de Bolsonaro, relativizando a gravidade da pandemia e acusando os governadores e a imprensa de espalharem pânico na sociedade e provocarem prejuízos à economia (só faltou ele dizer que se trata de um complô para evitar sua reeleição) foram alvo de críticas por todo o país no meio político. No Congresso, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o vice-presidente da Casa, Antonio Anastasia, disseram não ser o momento de atacar a imprensa e outros gestores públicos, que o País precisa de uma liderança séria, responsável e comprometida com a vida e a saúde da sua população, e que a posição do presidente da República vai na contramão das ações adotadas em outros países e sugeridas pela própria OMS

Os governadores dos 26 estados e do Distrito Federal fizeram uma videoconferência na tarde de ontem para discutir a elaboração de uma nota conjunta em repúdio às declarações do presidente, que, contestou a necessidade de isolamento social sem apresentar nada que se parecesse com uma, digamos, evidência científica, simplesmente escorando-se num achismo incompatível com a proliferação do coronavírus no Brasil e com as mortes que a pandemia vem causando em escala planetária.

Observação: Durante a reunião, o governador petista do Piauí, Wellington Dias, brincou com o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. “Bem-vindo ao Clube”, disse Dias a Caiado, que anunciou o rompimento político com o presidente da República nesta quarta. Chefe do Maranhão e antigo alvo de Bolsonaro, Flávio Dino pegou carona na fala de Dias: “Quero saber que clube é esse, que eu quero participar”, disse. João Doria foi no embalo: “Todos nós.”

Segundo Josias de Souza, há vários tipos de coragem, mas o modelo adotado por Bolsonaro beira a patologia. Antes do coronavírus, sua bravura era apenas um impulso autodestrutivo; depois, passou a ser uma moléstia que favorece o extermínio, levando o instinto homicida às fronteiras do paroxismo, assassinando o bom senso e colocando em risco a vida de pessoas que, eventualmente, decidam dar ouvidos à insensatez daquele que se nega a exibir comportamento digno da autoridade máxima da República.

"Devemos voltar à normalidade", declarou o presidente. Faltou definir normalidade. O ministro da Saúde já esclareceu que, no caso brasileiro, a anormalidade ainda nem começou. "Em final de abril, nosso sistema de saúde entra em colapso", disse o doutor, antes de definir colapso: "É quando você pode ter o dinheiro, o plano de saúde, a ordem judicial, mas simplesmente não há o sistema para você entrar."

Bolsonaro acusou a imprensa de espalhar a sensação de pavor. Horas antes de comandar uma reunião virtual com governadores do Sudeste, distribuiu caneladas: "Autoridades estaduais e municipais devem abandonar o conceito de terra arrasada, como proibição de transporte, fechamento de comércio e confinamento em massa." Guiando-­se por uma lógica alobrógica, partiu de uma constatação técnica — "...O grupo de risco é o das pessoas acima dos 60 anos" — e chegou a uma indagação estúpida — "Então, por que fechar escolas?". Parece que seu cérebro, ocupado em azeitar a reeleição, é incapaz de processar a informação de que a criançada, embora morra menos, infecta­-se com facilidade e pode ser utilizada pelo vírus como usina da transmissão.

Em mais um ato bufo, o “mito” emula a fábula do rei nu. Mas, ao invés de se exibir como veio ao mundo, o presidente vai se desnudando aos poucos, como uma stripper. Ainda não se sabe qual peça da indumentaria real cairá por último, se a máscara ou a coroa — portanto, façam suas apostas. 

Eu, por medida de cautela, deixo meu prognóstico para depois que o jogo terminar, mas publicarei um aditamento nesta manhã, caso haja alguma novidade relevante. Do contrário, é vida que segue. 

Boa sorte a todos e que Deus nos ajude.