sábado, 11 de abril de 2020

SOB O COMANDO DE UM PSICOPATA? — Parte 4

Janaína Paschoal, que se notabilizou por ter sido co-signatária do pedido de impeachment da ex-presidanta Dilma, também foi apoiadora de primeira hora de Bolsonaro, chegando mesmo a ser convidada para disputar a vice-presidência na chapa do PSL. Mas declinou do convite, disputou uma cadeira na Assembleia Legislativa de São Paulo e se elegeu com mais de 2 milhões de votos.

Em março do ano passado, diante da ainda incipiente marcha de insensatez bolsonariana, a deputada afirmou à BBC News Brasil que o presidente estava cercado de pessoas que alimentavam visões conspiratórias e que "precisava parar de focar na xaropada”. No final do ano, criticou sua conduta ríspida e ofensiva no relacionamento com a imprensa (quando foi questionado sobre as investigações do MP-RJ envolvendo zero um). Em fevereiro, postou no Twitter que nunca foi bolsonarista e que só apoiou o capitão por ele ser a única opção para vencer o PT (neste ponto nós empatamos, doutora). Em 16 de março, defendeu a renúncia do presidente, afirmando que sua participação nos protestos que ele próprio convocou foi um crime contra a saúde pública.

Em recente entrevista à revista Veja, Janaína declarou que “gostaria muito de defender o sucesso dele [Bolsonaro], mas é impossível seguir apoiando alguém que se mostra irresponsável e egocêntrico.” Disse ainda que “enquanto o presidente permitir que os ministros trabalhem, é possível seguir. Se transformar o discurso equivocado em ações, precisará ser retirado rapidamente. Por enquanto, não foi além do mau exemplo. Entendo que para o país seria melhor que ele saísse logo.”

O presidente da Câmara atribuiu as postagens nas redes sociais contra o Congresso e o STF a assessores de Bolsonaro que se comportam como “marginais”. Na edição do programa Canal Livre veiculada pela Band na madrugada da última segunda-feira, Maia disse o governo deveria agir para “salvar vidas e empregos” em vez de “criar conflitos e insegurança”, que os ataques são financiados por empresários e orientados pelo ex-astrólogo e guru palaciano Olavo de Carvalho, e que o posicionamento de Bolsonaro, favorável a uma retomada imediata das atividades econômicas, atrapalha o país.

Pelo mesmo caminho seguiram o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o ex-ministro da saúde José Serra. Até o líder de caminhoneiros Dedeco, que conquistou espaço no Planalto em meio a negociações para evitar uma nova paralisação da categoria e liderou o apoio a atos pró-governo, pôs em dúvida a sanidade mental do chefe do Executivo: “Bolsonaro está louco. Não tem outra explicação para o comportamento dele. Não se pode salvar a economia empilhando corpos. Como assim ele diz que só idoso morre de coronavírus? ‘Só’ idoso? A vida do idoso vale menos?”

O comportamento errático de Bolsonaro tem levado a um debandar de aliados para a ala dos desafetos. Um dia depois de fazer um surpreendente pronunciamento em tom conciliatório, o presidente voltou a atacar os governadores, tirou do contexto (e distorceu) parte de um pronunciamento do ditador, digo, do diretor etíope da OMS e postou no Twitter um vídeo falso que alertava para um suposto desabastecimento da CEASA de BH. Teve postagens retiradas tanto pelo Twitter quanto pelo Facebook e Instagram, sob a alegação de disseminar desinformação. Foi criticado pelo grão tucano FHC (se não calar, ele estará preparando o fim, e é melhor que seja o dele que de todo o povo). Seu maior aliado internacional, Donald Trump, cogitou de proibir voos entre os Estados Unidos e o Brasil diante da posição do colega brasileiro de querer relaxar o confinamento. Até o criminoso Lula — que só deixou a cadeia porque parte da nossa mais alta corte não tem vergonha na cara nem respeito pela suprema toga — postou críticas a Bolsonaro (e o pior é que muito do que ele disse é incontestável).

Na semana passada o governador João Doria e Lula puseram de lado suas diferenças: “Nossa obsessão agora tem que ser vencer o coronavírus. Chegamos ao ponto de o Doria ter que mandar a PM invadir fábrica pra pegar máscara. A gente tem que reconhecer que quem tá fazendo o trabalho mais sério nessa crise são os governadores e os prefeitos", tuitou o demiurgo de Garanhuns. O governador paulista respondeu: "Temos muitas diferenças. Mas agora não é hora de expor discordâncias. O vírus não escolhe ideologia nem partidos. O momento é de foco, serenidade e trabalho para ajudar a salvar o Brasil e os brasileiros."

Bolsonaro está isolado, mas parece não se dar conta. Se, como numa cena de desenho animado, estivesse agarrado a um mísero raminho para não cair num despenhadeiro, qualquer passante que deparasse coma a cena, noves fora seu triunvirato e os bolsomínions de plantão, cortaria o raminho — ou, para não ferir a plantinha, a mão do presidente.

Bolsonaro continua focado em sua absurda cruzada contra governadores — alguns dos quais ele vê como prováveis adversários em 2022 — e alfinetando não só o Legislativo, o Judiciário e a imprensa, como também seu próprio ministério. Na última segunda-feira, sem dar nomes aos bois, disse que “integrantes de seu governo viraram estrelas”, que “não tem medo de usar a caneta” e que “a hora deles vai chegar”. No final da tarde, quando já havia decidido demitir Luiz Henrique Mandetta (devido a falta de humildade do ministro da Saúde), foi chamado à razão pelos ministros generais Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Governo), e assim o ministro ganhou uma sobrevida (cuja duração é incerta e não sabida)

Observação: Para Josias de Souza, há algo de sádico no comportamento de Bolsonaro. Podendo usufruir do sucesso do ministro que indicou para a pasta da Saúde, ele prefere agir como líder da oposição. Ao se contrapor à gestão do auxiliar, cria uma figura inédita na história republicana: o despresidente. Líderes genuínos aproveitam as guerras para unir a nação. Na guerra contra o vírus, Bolsonaro tornou-se símbolo da desunião. Numa noite, sugere o entendimento em rede nacional. Na manhã seguinte, se desentende com os governadores. Numa palavra: Em vez de presidir, Bolsonaro despreside o país. Quem não quiser fazer papel de bobo deve observar o seguinte: o cotidiano do capitão virou uma sucessão de poses. Ele faz pose do instante em que escova os dentes à hora em que se enfia sob os cobertores. Por trás do destemor com que diz manusear a caneta esconde-se um temor hediondo. O despresidente ameaça avançar sobre a jugular do ministro da Saúde com a gana de um vampiro de Düsseldorf, mas o modo como hesita em rubricar o ato de exoneração revela que há no Planalto o que Nelson Rodrigues chamaria de um reles bebedor de groselha. Nesse teatro do absurdo, o vírus não perde por esperar. Ganha. 

Continua na próxima postagem...