Recente pesquisa Datafolha apontou que 82%
dos brasileiros que votaram em Bolsonaro no segundo
turno classificam como ótimo ou bom o trabalho de Henrique
Mandetta à frente do Ministério da Saúde, mas somente 33% aprovam a
atuação do presidente e 51% acham que ele mais atrapalha do que ajuda.
Mesmo assim, 52% acreditam que o capitão ainda reúne condições de
liderar o país e 59% declaram-se contra sua renúncia.
Mandetta, a exemplo das principais autoridades de saúde no mundo, defende a quarentena ampla, ao passo que o capitão demonstra-se favorável ao fim do isolamento o isolamento social — a pretexto de evitar a quebra da economia e o consequente caos social que poria fim a seu sonho (que para nós está se tornando um pesadelo) de reeleição. "Demonstra-se", porque tudo é possível quando se trata de Bolsonaro. De alguém que desdiz às 10 da manhã o que disse às 9 e muda de opinião às 11 para voltar atrás quinze minutos depois, pode-se esperar qualquer coisa, menos coerência.
Na semana retrasada, nosso líder mudou de opinião sobre o isolamento nada menos que três vezes, e resolveu demitir Mandetta outras tantas. O ministro ganhou sobrevida devido ao bom senso dos generais que compõem no núcleo duro do governo, para quem o melhor, pelo menos neste momento, é manter o status quo. Bolsonaro cedeu, mas deixou claro que, “passada a tempestade, chefe da Saúde e mais ‘dois ou três’ ministros devem ser dispensados”.
O médico, deputado e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra é atualmente o mais cotado para chefiar a pasta da Saúde, pois joga no time do presidente na questão do isolamento social. Outros possíveis candidatos são a diretora do Instituto Avanços em Medicina, Nise Yamaguchi, e o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. Ela é defensora do uso da cloroquina no tratamento do coronavírus (ideia da qual o capitão é um entusiasta) e ele, do fim do isolamento social (Torres, inclusive, acompanhou Bolsonaro no dia 15 de março, quando o presidente confraternizou com apoiadores defronte ao Palácio da Alvorada).
Observação: Seguidores de Olavo de Carvalho acabaram ajudando indiretamente a manter Mandetta no cargo, diz a Crusoé. “Ao promoverem uma campanha por sua demissão, os olavistas incentivaram ministros militares a trabalhar nos bastidores pela permanência do titular da Saúde”. Trata-se de um exemplo lapidar de tiro que sai pela culatra e acerta o olho do atirador.
Josias de Souza chama nossa atenção para o fato de os dados paradoxais do Datafolha podem levar Bolsonaro a extrair da pesquisa suas próprias confusões. E lidar com conclusões exige distinguir tolerar de apoiar — tolerância não significa aceitar o que se tolera, apenas que a esperança do brasileiro ainda é maior que seu desespero.
Na guerra contra o coronavírus, o otimismo é mais cômodo do que o pessimismo — até que o vírus provoque um colapso nos hospitais, o otimista sofreu menos. Não convém ao capitão continuar cutucando a paciência alheia com o pé, pois ela pode morder. Afinal, há um limite depois do qual a tolerância deixa de ser uma virtude para virar apenas mais um vocábulo — como cúmulo ou, digamos, túmulo.
Falando em túmulo, os cemitérios da capital paulista estão à beira do colapso. O serviço funerário municipal — que, segundo o próprio prefeito Bruno Covas, está entre os piores da administração pública — ficou ainda pior com o sucateamento que precedeu a privatização, até porque ninguém sequer imaginava essa crise.
A redução no número de sepultadores (coveiros) em razão da pandemia e o aumento da demanda (pelo mesmíssimo motivo) só não provoca filas de rabecões porque não há viaturas o bastante para formá-las. Bolsonaro, cuja competência com que vem enterrando o próprio governo nos autoriza a imaginá-lo um PhD em sepultamentos, poderia ser mais útil, neste momento, no SFMSP do que no Palácio do Planalto. Na Sexta-feira Santa, o presidente deu mais um exemplo lapidar (o trocadilho infeliz foi intencional) do que não fazer em meio a uma pandemia sanitária. Aliás, também segundo Josias de Souza (de cuja ironia ácida sou admirador confesso), há no mundo três coisas absolutamente seguras: o nascer do Sol, a morte e a próxima incoerência de Jair Bolsonaro.
No início da semana, o capitão cobrou dos doutores Davi Uip e Roberto Kalil transparência sobre os remédios que tomaram para derrotar o coronavírus. Dias depois, quando se perguntou ao chefe da nação o que foi fazer no Hospital das Forças Armadas, sua resposta foi: "Tomar sorvete". Os repórteres insistiram, e ele também, no mesmo tom debochado: "Exame de gravidez."
Bolsonaro fala demais e cala demais. Especulou sobre o silêncio dos doutores: "Seriam questões políticas, já que um pertence a equipe do governador de SP?". Levou uma invertida de Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo: "Respeite meu direito de não revelar meu tratamento." Davi Uip lembrou que Bolsonaro também havia se recusado a divulgar os exames a que se submetera para saber se estava infectado pelo novo vírus.
Kalil admitiu o uso da cloroquina junto com outros remédios — antibiótico, corticoide e anticoagulante, por exemplo. Foi citado por Bolsonaro em rede nacional. Transparência no prontuário médico dos outros é refresco. Na ficha médica de um presidente da República, é uma obrigação. Entretanto, Bolsonaro dá de ombros para a liturgia. Dedica-se a se consolidar como um protagonista de tríades.
O comportamento do capitão confirma que há três coisas irrecuperáveis para um político: o respeito, a dignidade e a virgindade. Saúde de presidente é coisa séria. Bolsonaro precisa responder: O teste de gravidez deu positivo?
Mandetta, a exemplo das principais autoridades de saúde no mundo, defende a quarentena ampla, ao passo que o capitão demonstra-se favorável ao fim do isolamento o isolamento social — a pretexto de evitar a quebra da economia e o consequente caos social que poria fim a seu sonho (que para nós está se tornando um pesadelo) de reeleição. "Demonstra-se", porque tudo é possível quando se trata de Bolsonaro. De alguém que desdiz às 10 da manhã o que disse às 9 e muda de opinião às 11 para voltar atrás quinze minutos depois, pode-se esperar qualquer coisa, menos coerência.
Na semana retrasada, nosso líder mudou de opinião sobre o isolamento nada menos que três vezes, e resolveu demitir Mandetta outras tantas. O ministro ganhou sobrevida devido ao bom senso dos generais que compõem no núcleo duro do governo, para quem o melhor, pelo menos neste momento, é manter o status quo. Bolsonaro cedeu, mas deixou claro que, “passada a tempestade, chefe da Saúde e mais ‘dois ou três’ ministros devem ser dispensados”.
O médico, deputado e ex-ministro da Cidadania Osmar Terra é atualmente o mais cotado para chefiar a pasta da Saúde, pois joga no time do presidente na questão do isolamento social. Outros possíveis candidatos são a diretora do Instituto Avanços em Medicina, Nise Yamaguchi, e o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres. Ela é defensora do uso da cloroquina no tratamento do coronavírus (ideia da qual o capitão é um entusiasta) e ele, do fim do isolamento social (Torres, inclusive, acompanhou Bolsonaro no dia 15 de março, quando o presidente confraternizou com apoiadores defronte ao Palácio da Alvorada).
Observação: Seguidores de Olavo de Carvalho acabaram ajudando indiretamente a manter Mandetta no cargo, diz a Crusoé. “Ao promoverem uma campanha por sua demissão, os olavistas incentivaram ministros militares a trabalhar nos bastidores pela permanência do titular da Saúde”. Trata-se de um exemplo lapidar de tiro que sai pela culatra e acerta o olho do atirador.
Josias de Souza chama nossa atenção para o fato de os dados paradoxais do Datafolha podem levar Bolsonaro a extrair da pesquisa suas próprias confusões. E lidar com conclusões exige distinguir tolerar de apoiar — tolerância não significa aceitar o que se tolera, apenas que a esperança do brasileiro ainda é maior que seu desespero.
Na guerra contra o coronavírus, o otimismo é mais cômodo do que o pessimismo — até que o vírus provoque um colapso nos hospitais, o otimista sofreu menos. Não convém ao capitão continuar cutucando a paciência alheia com o pé, pois ela pode morder. Afinal, há um limite depois do qual a tolerância deixa de ser uma virtude para virar apenas mais um vocábulo — como cúmulo ou, digamos, túmulo.
Falando em túmulo, os cemitérios da capital paulista estão à beira do colapso. O serviço funerário municipal — que, segundo o próprio prefeito Bruno Covas, está entre os piores da administração pública — ficou ainda pior com o sucateamento que precedeu a privatização, até porque ninguém sequer imaginava essa crise.
A redução no número de sepultadores (coveiros) em razão da pandemia e o aumento da demanda (pelo mesmíssimo motivo) só não provoca filas de rabecões porque não há viaturas o bastante para formá-las. Bolsonaro, cuja competência com que vem enterrando o próprio governo nos autoriza a imaginá-lo um PhD em sepultamentos, poderia ser mais útil, neste momento, no SFMSP do que no Palácio do Planalto. Na Sexta-feira Santa, o presidente deu mais um exemplo lapidar (o trocadilho infeliz foi intencional) do que não fazer em meio a uma pandemia sanitária. Aliás, também segundo Josias de Souza (de cuja ironia ácida sou admirador confesso), há no mundo três coisas absolutamente seguras: o nascer do Sol, a morte e a próxima incoerência de Jair Bolsonaro.
No início da semana, o capitão cobrou dos doutores Davi Uip e Roberto Kalil transparência sobre os remédios que tomaram para derrotar o coronavírus. Dias depois, quando se perguntou ao chefe da nação o que foi fazer no Hospital das Forças Armadas, sua resposta foi: "Tomar sorvete". Os repórteres insistiram, e ele também, no mesmo tom debochado: "Exame de gravidez."
Bolsonaro fala demais e cala demais. Especulou sobre o silêncio dos doutores: "Seriam questões políticas, já que um pertence a equipe do governador de SP?". Levou uma invertida de Uip, coordenador do Centro de Contingência do Coronavírus em São Paulo: "Respeite meu direito de não revelar meu tratamento." Davi Uip lembrou que Bolsonaro também havia se recusado a divulgar os exames a que se submetera para saber se estava infectado pelo novo vírus.
Kalil admitiu o uso da cloroquina junto com outros remédios — antibiótico, corticoide e anticoagulante, por exemplo. Foi citado por Bolsonaro em rede nacional. Transparência no prontuário médico dos outros é refresco. Na ficha médica de um presidente da República, é uma obrigação. Entretanto, Bolsonaro dá de ombros para a liturgia. Dedica-se a se consolidar como um protagonista de tríades.
O comportamento do capitão confirma que há três coisas irrecuperáveis para um político: o respeito, a dignidade e a virgindade. Saúde de presidente é coisa séria. Bolsonaro precisa responder: O teste de gravidez deu positivo?
Boa Páscoa a todos, apesar dos pesares.