sábado, 30 de maio de 2020

A FRITURA DO FRITADOR



A situação do atual inquilino do Palácio do Planalto não é das mais confortáveis. Quem passou 17 meses fritando auxiliares pode acabar experimentando o próprio remédio.

Diante da perspectiva de investigação do STF e de a PF chegar a seus filhos Bolsonaro insulta, agride e desafia seus novos inimigos, avançando na cobrança de impunidade para parentes e amigos. Completamente descontrolado pelo desespero, o general da banda fez um longo, desconexo e surreal discurso à frente do Palácio da Alvorada — que ele apelidou de entrevista, a primeira da história da imprensa que não continha perguntas, mas apenas sua arenga. 

Depois da comemoração em palácio da Operação Placebo, o capitão ameaçou os outros poderes com uma paródia pornográfica do “fico” do príncipe dom Pedro  quando as cortes lisboetas tentaram mandá-lo de volta para Portugal. 

Acabou, porra”, esbravejou o celerado, apoiando seu delírio de onipotência na afirmação de que teria “as armas da democracia”, uma bravata aludindo ao apoio militar para impedir que o STF investigue o financiamento de sua campanha por empresários para os quais pratica advocacia administrativa no exercício do mais alto cargo da República. Os presidentes do Congresso e da Câmara declararam-se vacinados contra esse tipo de golpe de gogó. E a cúpula do Judiciário não parece disposta a se amedrontar com seus grunhidos.

Mesmo que Maia tenha lá suas razões (que a própria razão desconhece) para continuar aboletado em cima dos 35 pedidos de abertura de processo de impeachment, os desdobramentos da investigação sobre a suposta (e cada vez mais evidente) interferência do capitão do mundo da lua na PF transformaram nuvens de chuva no horizonte numa ameaça de tempestade que pode passar a Tsunami se o insensato continuar bravateando contra o STF.  

O ministro Og Fernandes, do TSE, decidiu ouvir a campanha de Bolsonaro e o MPE antes de decidir sobre o compartilhamento de provas do inquérito das fake news. A decisão do magistrado pode pavimentar o caminho da cassação da chapa Bolsonaro/Mourão. Entre os membros da corte a avaliação é a de que, caso seja autorizado, o compartilhamento das provas deve dar novo fôlego às investigações que apuram o disparo de mensagens em massa na campanha de Bolsonaro em 2018.

Supondo que a cassação realmente acontecesse (o TSE jamais cassou um presidente da República até hoje, nem mesmo a chapa Dilma/Temer em 2017, a despeito da profusão de provas, e o cenário atual dentro do tribunal é favorável à manutenção do mandato de Bolsonaro) e a decisão fosse proferida ainda este ano (o que seria virtualmente impossível), o presidente da Câmara assumiria interinamente e convocaria novas eleições. Caso a cassação ocorresse em 2021 ou 2022, caberia ao Congresso escolher o novo presidente (e não seria uma surpresa se Maia fosse efetivado no cargo).

Alexandre de Moraes é um personagem-chave nas duas cortes. Como relator do inquérito das fake news no Supremo, ele determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de empresários bolsonaristas no intervalo de julho de 2018 a abril de 2020, abrangendo, portanto, o período das últimas eleições presidenciais. No TSE, ele passará a titular, a partir da semana que vem, na vaga aberta como fim do biênio da ministra Rosa Weber  — o que lhe garantirá participação no julgamento das ações que investigam a campanha de Bolsonaro.

Moraes, que é considerado um ministro "militante" por aliados do governo devido à sua proximidade com Rodrigo Maia, é relator do inquérito que investiga os atos antidemocráticos diante do quartel general do Exército, em Brasília, dos quais Bolsonaro participou. Dos atuais sete ministros titulares do TSE, dois foram nomeados pelo atual governo e os demais são ministros do STF e do STJ, que acumulam os tribunais de origem com o TSE num esquema de rodízio.

Ao todo, tramitam na Corte Eleitoral oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro. Duas delas devem ser julgadas nas próximas semanas pelo plenário e tudo indica que serão arquivadas, a exemplo de outras sete que já foram julgadas. Mas as ações mais delicadas são as que tratam do disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp.

Sobre estas últimas, há quem diga que até agora as acusações não foram comprovadas, e que não basta identificar a irregularidade, é preciso, também, considerar sua escala. Por se tratar de uma campanha presidencial, a dimensão da irregularidade deveria ser alta o suficiente para se constatar a quebra da normalidade da legitimidade do pleito, justificando, dessa forma, a cassação. Mas a experiência ensina que em barriga de criança e cabeça de juiz não é prudente confiar.

A ver.