terça-feira, 12 de maio de 2020

BOLSONARO E SEU CHURRASCO FAKE

ATUALIZAÇÃO: “No testemunho de Valeixo ficou clara a intenção de Bolsonaro de, por meio de um diretor submisso, se imiscuir – ilegalmente e com abuso de poder – na atividade da polícia judiciária federal”, diz Wálter Fanganiello Maierovitch. É um resumo perfeito. O vídeo da reunião ministerial na qual, segundo Moro, o presidente cobrou mudanças na PF e o teria ameaçado de demissão caso não concordasse, será exibido nesta terça-feira para investigadores da PGR e da PF, além da defesa de Moro, do próprio ex-ministro e de representantes da AGU. Nesta tarde, alguns dos principais ministros do núcleo militar prestarão depoimento. Vamos acompanhar.

Exausto de não exercer a Presidência para a qual foi eleito por 57,7 milhões de eleitores, Bolsonaro decidiu ocupar o tempo ocioso treinando para uma nova carreira. Aventura-se no ramo do humor. Faltando-lhe o talento, virou piada. De mau gosto.

Em meio a uma pandemia que já produziu algo como 10 mil cadáveres — noves fora a subnotificação — o antipresidente da República anunciou para o último sábado a realização de um churrasco para 30 convidados no Alvorada. Pegou mal. Bolsonaro saiu de fininho. Correu para a bolha das redes sociais, seu habitat natural. "Alguns jornalistas idiotas criticaram o churrasco fake...", anotou. Curioso, muito curioso, curiosíssimo. 

Horas depois, foi visto passeando de jet ski pelo Lago Paranoá. Parou ao lado de uma lancha. Em conversa com simpatizantes, disse: "É uma neurose, 70% vai pegar (sic) o vírus. Não tem como. Loucura!" A frase repete uma cantilena que Bolsonaro entoa desde que o coronavírus fez a sua primeira vítima oficial no Brasil, em 17 de março. Para ele, pandemia é apenas um outro nome para "histeria". O isolamento social, por "inútil", só serve para arruinar a economia. Por isso, os brasileiros com menos de 60 anos deveriam submeter-se à infecção "como homens", pois ela é inevitável.

Na definição do poeta Mario Quintana, o autodidata é um ignorante por conta própria. Bolsonaro, que se graduou em ciência lendo a bula da cloroquina, demora a notar que a doença do ignorante é ignorar a sua própria ignorância. O capitão dá de ombros para uma singela evidência médica: quanto menor for a adesão ao isolamento, maior será o número de cadáveres. E sapateia sobre o luto nacional, dizendo que os jornalistas é que são idiotas!

Bolsonaro parece não perceber, mas os brasileiros que se dão ao respeito já não o levam a sério. Não é que o churrasco seja falso, o problema é que o próprio Bolsonaro se converteu num presidente fake, um presidente hipotético acha que personifica a nova política, se orgulha de defender a volta à normalidade e cultua um versículo do Evangelho de João: "Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará".

"Vou sair em 1º de janeiro de 2027", disse Jair Bolsonaro, em timbre resoluto, a um homem que ousou pronunciar uma frase incomum no cercadinho do Alvorada: "A democracia pede sua renúncia ou impeachment." A resposta do capitão revela que ele continua dando de barato que será reeleito em 2022. Será? Segundo o mais novo líder de sua tropa de choque, pitbull de aluguel e mensaleiro condenado Roberto Jefferson, “O Bolsonaro vai para o braço do povo, porque o ministro Marco Aurélio Mello, com apoio do plenário do STF, manietou o presidente e disse que o papel dele nessa crise de saúde que o Brasil atravessa é meramente colocar dinheiro nos estados e municípios”.  

Bolsonaro condenou-se a fazer campanha eleitoral num lugar inóspito. Nem palanques nem redes sociais. Pedirá votos em 2022 ao lado da pilha de cadáveres de 2020. Afora os nomes óbvios de sempre, há ainda muitas dúvidas sobre a lista de candidatos. Haverá governadores no rol de postulantes? A imagem de Sergio Moro sobreviverá aos ataques da milícia virtual do bolsonarismo? Luciano Huck levará a cara à vitrine? O vírus tornou a disputa mais, digamos, aberta.

O presidente real promove uma orgia com o centrão no escurinho do Planalto, ignora a anormalidade do vírus assassino e escancara a única verdade disponível no governo: não importa a quantidade de cadáveres, Bolsonaro não consegue se libertar de sua mediocridade.

Não é que a aliança com o rebotalho deixe Bolsonaro diferente. A questão é que ele volta a ser quem era antes do teatro de 2018. O capitão já passou por sete partidos políticos. Entre eles o PP de prontuários notórios como Paulo Maluf, Arthur Lira e Ciro Nogueira — legenda com a qual se reencontra agora. Na fase de composição da chapa, buscou uma aliança com o PR de Valdemar Costa Neto, agora rebatizado de PL. Mas o ex-presidiário mensaleiro preferiu Alckmin, e o capitão passou a cuspir no prato em que Valdemar não permitiu que ele comesse.

O processo eleitoral vai perdendo gradativamente a aparência que Bolsonaro tentava dar à disputa, tratada por ele como mera formalidade para renovar o mandato de um mito.
Quando um governo precário se prolonga por muito tempo, o humor adquire vida própria. Deixa de ser coisa exclusiva dos profissionais do ramo. E se torna negro. Com seu "churrasco fake", Bolsonaro carbonizou a si mesmo. Virou piada de mau gosto. Gosto de carvão.

Com Josias de Souza