Em meio a essa hecatombe, o presidente da República disse que intervém no trabalho de seus ministros para não se tornar um “presidente banana”. E como que para provar que estava falando sério, substituiu um ministro da Saúde que vinha fazendo um bom trabalho e contava com 76% de aprovação popular (entendeu o porquê?) pelo até então ilustre e desconhecido (a não entre seus pares de jaleco e estetoscópio, naturalmente) Nelson Teich.
Na cerimônia de posse, o oncologista recém-nomeado disse estar perfeitamente alinhado com o presidente sobre o uso da cloroquina e a flexibilização do isolamento social. Mas sua pálida atuação no combate à pandemia não demonstrou nem alinhamento com o chefe, nem adequação ao cargo, nem disposição para engolir sapos. Na manhã de ontem, a um dia de completar um mês no posto, Teich pediu demissão.
Tanto o antecessor quanto o sucessor resistiram à
adoção da cloroquina no tratamento da Covid-19 (na verdade, o que o presidente quer é a alteração no protocolo do Ministério da Saúde para incluir o uso do medicamento; para entender melhor, clique aqui). Na última segunda-feira,
11, ao ser questionado por repórteres sobre o decreto que incluiu
barbearias, salões de beleza e academias de ginástica à lista das
atividades essenciais, Teich, visivelmente constrangido, reconheceu
que foi pego de surpresa, deixando patente que o capitão sem luz não o consultou nem teve a cortesia de informá-lo sobre sua brilhante decisão.
Horas depois de se demitir, num breve pronunciamento à
imprensa, Teich disse que "não é simples estar no Ministério da Saúde
neste momento". “A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair. Eu
aceitei que achava que poderia ajudar o Brasil e ajudar as pessoas”, acrescentou.
Em seguida, o ex-ministro agradeceu o presidente pela oportunidade de ter comandado o
ministério e fez elogios à dedicação da equipe que "sempre o apoiou". Ele não tocou no assunto da cloroquina, principal
motivo de suas divergências com o capitão, mas afirmou ter elaborado um
programa de testagem que está pronto para ser implementado, e que deixou um
plano pronto para governadores e secretários estaduais — há quem diga que eles se recusaram a analisar a proposta porque "estão de mal" com presidente, o que, se for verdade, deixa claro como o dia que os governos federal, estadual e municipal se tornaram um imenso jardim de infância.
O debate sobre a substituição do ministro foi aberto, mas a
escolha de seu substituto tem pouca importância. Bolsonaro tornou a pasta
da Saúde irrelevante em plena crise sanitária. Governadores e prefeitos já
entenderam que, para enfrentar o coronavírus adequadamente, é preciso virar as
costas para Brasília. Já se sabia que o general da banda, PhD em bula de
cloroquina, ignora a sua própria ignorância científica. Mas alguns governadores
e prefeitos tentavam restabelecer com Teich um diálogo que fluía com Mandetta.
O ministro caiu na semana em que pretendia levar à vitrine um plano de
gerenciamento da crise.
O próximo ministro da Saúde, ainda que queira dialogar, terá
dificuldades para encontrar interlocutores. Está entendido que vale para o
governo federal não as receitas dos doutores, mas a autoprescrição de Bolsonaro.
E os remédios do presidente, por anticientíficos, são inaplicáveis.
Na origem da pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a um
negacionismo pueril. Desde então, sempre que não tem o que dizer sobre mortes pelo
coronavírus, agora na casa de 14 mil, o presidente retira da gaveta duas ideias
fixas: o fim do isolamento social, única alternativa à ausência da vacina; e o
uso da cloroquina, remédio de serventia não comprovada. Nos dois casos, o capitão se comporta como um sujeito que
bate com a cabeça na parede, esperando que a qualquer momento ela vire
uma porta.
Com Josias de Souza