sábado, 16 de maio de 2020

REI MORTO, REI POSTO. RESTA SABER QUEM VEM LÁ.

O Brasil pode se tornar o novo epicentro mundial da pandemia do coronavírus, advertiu o diretor do Instituto Butantã, Dr. Dimas Tadeu Covas. E a culpa pelo agravamento da crise é da falta de liderança e de coordenação do Poder central e ao sucateamento do sistema público de Saúde, completou seu colega, Dr. David Zylbergeld.

Em meio a essa hecatombe, o presidente da República disse que intervém no trabalho de seus ministros para não se tornar um “presidente banana”. E como que para provar que estava falando sério, substituiu um ministro da Saúde que vinha fazendo um bom trabalho e contava com 76% de aprovação popular (entendeu o porquê?) pelo até então ilustre e desconhecido (a não entre seus pares de jaleco e estetoscópio, naturalmente) Nelson Teich.

Na cerimônia de posse, o oncologista recém-nomeado disse estar perfeitamente alinhado com o presidente sobre o uso da cloroquina e a flexibilização do isolamento social. Mas sua pálida atuação no combate à pandemia não demonstrou nem alinhamento com o chefe, nem adequação ao cargo, nem disposição para engolir sapos. Na manhã de ontem, a um dia de completar um mês no posto, Teich pediu demissão.

Tanto o antecessor quanto o sucessor resistiram à adoção da cloroquina no tratamento da Covid-19 (na verdade, o que o presidente quer é a alteração no protocolo do Ministério da Saúde para incluir o uso do medicamento; para entender melhor, clique aqui). Na última segunda-feira, 11, ao ser questionado por repórteres sobre o decreto que incluiu barbearias, salões de beleza e academias de ginástica à lista das atividades essenciais, Teich, visivelmente constrangido, reconheceu que foi pego de surpresa, deixando patente que o capitão sem luz não o consultou nem teve a cortesia de informá-lo sobre sua brilhante decisão. 

Horas depois de se demitir, num breve pronunciamento à imprensa, Teich disse que "não é simples estar no Ministério da Saúde neste momento". “A vida é feita de escolhas, e hoje eu escolhi sair. Eu aceitei que achava que poderia ajudar o Brasil e ajudar as pessoas”, acrescentou. Em seguida, o ex-ministro agradeceu o presidente pela oportunidade de ter comandado o ministério e fez elogios à dedicação da equipe que "sempre o apoiou". Ele não tocou no assunto da cloroquina, principal motivo de suas divergências com o capitão, mas afirmou ter elaborado um programa de testagem que está pronto para ser implementado, e que deixou um plano pronto para governadores e secretários estaduais — há quem diga que eles se recusaram a analisar a proposta porque "estão de mal" com presidente, o que, se for verdade, deixa claro como o dia que os governos federal, estadual e municipal se tornaram um imenso jardim de infância.


O debate sobre a substituição do ministro foi aberto, mas a escolha de seu substituto tem pouca importância. Bolsonaro tornou a pasta da Saúde irrelevante em plena crise sanitária. Governadores e prefeitos já entenderam que, para enfrentar o coronavírus adequadamente, é preciso virar as costas para Brasília. Já se sabia que o general da banda, PhD em bula de cloroquina, ignora a sua própria ignorância científica. Mas alguns governadores e prefeitos tentavam restabelecer com Teich um diálogo que fluía com Mandetta. O ministro caiu na semana em que pretendia levar à vitrine um plano de gerenciamento da crise.

O próximo ministro da Saúde, ainda que queira dialogar, terá dificuldades para encontrar interlocutores. Está entendido que vale para o governo federal não as receitas dos doutores, mas a autoprescrição de Bolsonaro. E os remédios do presidente, por anticientíficos, são inaplicáveis.

Na origem da pandemia, Bolsonaro acorrentou-se a um negacionismo pueril. Desde então, sempre que não tem o que dizer sobre mortes pelo coronavírus, agora na casa de 14 mil, o presidente retira da gaveta duas ideias fixas: o fim do isolamento social, única alternativa à ausência da vacina; e o uso da cloroquina, remédio de serventia não comprovada. Nos dois casos, o capitão se comporta como um sujeito que bate com a cabeça na parede, esperando que a qualquer momento ela vire uma porta.

Com Josias de Souza