domingo, 17 de maio de 2020

E AGORA, JOSÉ?



As considerações a seguir são elos da mesma corrente. Se lhe parecerem um tanto emboladas em alguns pontos, é porque dois meses de isolamento e duas expetativas frustradas de reabertura operam milagres na sanidade mental de qualquer cristão (ou ateu, agnóstico, crente, kardecista, umbandista, maometano, israelita, enfim...). 

O mote desta postagem não é a quarentena, mas a pandemia de proporções bíblicas que começou pela saúde, atacou a economia e pôs o mundo de joelhos — e o Brasil de quatro, porque estamos nas mãos de um psicopata maquiavélico chamado de "mito" por uma claque de apoiadores que o chamaria de “mitômano” se tivesse olhos para ver, ouvidos para ouvir e cérebro para raciocinar.

Parafraseando o sumo pontífice da seita do inferno “nunca antes na história deste país” tivemos no Palácio do Planalto um inquilino tão indiferente à dor alheia, que tanto despreza a Democracia e o Estado de Direito e que tanto odeia a liberdade de expressão, a imprensa e quem mais discordar de sua opinião. Do cruel “e daí?” ao “cala a boca”, passando pelo churrasco da morte (que depois fomos instados a acreditar que não passava de uma pilhéria), o Mefistófeles de botequim deixou de ser o palhaço negacionista da “gripezinha” para concorrer (com grandes chances de vencer) ao título de Monstruosidade Pública Número 1. E agora, José?

Não tenho a resposta para essa pergunta, mas tenho algumas teorias sobre como chegamos a isso. Vamos a elas.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar, Pelé afirmou que os brasileiros não sabiam votar, ou, litteris, que “o povo brasileiro não está preparado para votar”. Isso provocou uma chuva de críticas, embora tenha sido uma das coisas mais acertadas que o Rei do Futebol disse em seus quase 80 anos de vida. 

Da mesma forma que jabuti não sobe em árvore (se estiver lá, foi posto por enchente ou mão de gente), político não brota em seu gabinete por geração espontânea (se estiver lá, é porque alguém votou nele). À luz da “qualidade” dos nossos representantes e mandatários, é impossível discordar de Pelé, mas sempre há quem não enxergue o que está bem diante de seu nariz — não por falta claridade, mas porque lhe falta acuidade visual (para um cego, tanto faz se a luz estiver acesa ou apagada).

Aqui abro um parêntese para esclarecer que digo cego e não deficiente visual por dois motivos: 1) acho esse modismo do politicamente correto execrável; 2) o termo “cego” se aplica a quem não enxerga e “deficiente visual”, a quem tem uma disfunção da visão, que tanto pode ser total quanto parcial. A machinha de carnaval Cabeleira do Zezé (composta por João Roberto Kelly) é “politicamente incorreta”, já que põe em dúvida a masculinidade do tal Zezé. Aliás, a “patrulha do politicamente correto” chegou a tal ponto de imbecilidade que nem o clássico Reinações de Narizinho, escrito por Monteiro Lobato na década de 1920, escapou de acusações de racismo pelo fato de Emíliauma boneca de pano, chamar Tia Nastácia de “macaca de carvão”, “negra beiçuda” ou “negra de estimação”. Vale lembrar que antes da Lei Áurea, ter escravos não era crime. Até negros tinham escravos. 

Observação: Um dos mais importantes axiomas do Direito reza que nullum crimen, nulla poena sine prævia lege — ou seja, nenhum ato pode ser considerado criminoso e, portanto, passível de pena se não existir uma lei anterior que o tipifique como tal.

A demissão de Nelson Teich, na última sexta-feira, foi um prato cheio para a imprensa e para Bolsonaro — que passou a fritar seu ministro quando se deu conta de que, a exemplo do antecessor e a despeito de prometer total alinhamento com o chefe, o médico não estava disposto a rasgar o diploma para compactuar com as obsessões de um maníaco. Teich levou apenas 28 dias para regurgitar os batráquios que o déspota lhe enfiou goela abaixo; Mandetta e Moro levaram um ano e meio.

Bolsonaro acredita — e não sem razão — que novas crises tiram o foco da imprensa e da população das crises anteriores, e é por isso que as gesta e pare à farta. E a estratégia vinha funcionando, até que um lance errado mudou o cenário do tabuleiro e, ao que tudo indica, selou a sorte do capitão sem luz.  Ao provocar a saída o ex-juiz da Lava-Jato do governo, Bolsonaro não esperava criar uma turbulência maior do que as criadas com as demissões de Bebianno e dos outros dez ministros de Estado que permearam os últimos 16 meses. Mas aí entrou em cena uma inoportuna investigação autorizada pelo decano do STF, que tem pressa em esclarecer as suspeitas que o ex-ministro da Justiça levantou ao longo do pronunciamento que fez à imprensa para explicar o porquê de sua demissão.

A oitiva de testemunhas ainda não foi concluída, mas a peça chave para comprovar a veracidade da narrativa de Moro é o vídeo da reunião ministerial do dia 22. O ministro Celso de Mello deve decidir amanhã se torna público o conteúdo da gravação, depois que ele próprio assistir ao vídeo. A liberação integral do conteúdo deixará o general da banda em maus lençóis, daí a razão de ele estar atriculando com o Centrão a compra do apoio das marafonas do Câmara e tentando "seduzir" o PGR com uma possível indicação para a cadeira do decano, que deve se aposentar em novembro.

Observação: Vejam como são as coisas: uma das bandeiras de campanha responsáveis pela vitória de Bolsonaro foi seu repúdio à velha política do toma lá dá cá. Mas ele também prometeu ser implacável com a corrupção e os corruptos, mas bastou que as investigações sobre a prática de rachadinha no gabinete do pimpolho 01, quando este era deputado estadual, e outras que bafejam o cangote de 02 e 03 para o capitão caverna mostrar do que é feito, ou por outra, que é farinha do mesmo saco que os políticos corruptos que prometera combater.

Mandetta e Teich atuaram na tragicomédia da Saúde cada qual a sua maneira. O primeiro, deputado experiente, flertava com os holofotes e não se constrangia diante dos microfones. O segundo era sua antítese: retraído, inexpressivo, quase um “mosca morta”. Sua atação à frente da Pasta foi muito criticada (inclusive por este que vos escreve), mas, curiosamente, sua demissão foi pranteada até pelos governadores que, segundo afirmou Caio Coppolla no “Grande Debate” da CNN, recusaram-se a analisar o programa de testagem e o plano de transição para o isolamento social que o ex-ministro havia preparado, porque “estavam de mal" com o presidente. Se essa informação realmente procede, a pandemia do coronavírus transformou a política tupiniquim num imenso Jardim de Infância.

Esperar demais das pessoas é o caminho mais curto para a decepção, e reconhecer as limitações alheias (além das próprias, naturalmente) é sinal de sabedoria. Mas achar que a liturgia inerente à Presidência transformaria em estadista um mau militar e deputado medíocre seria ignorar os ensinamentos da fábula do sapo e o escorpião. Ou acreditar que um urso possa ensinar bons modos à mesa a um porco.

Dos 13 postulantes à presidência em 2018, quatro (Cabo Daciolo, Boulos, Jango Filho e Vera Lucia) pareciam egressos de uma feira de horrores, e outros quatro (Alckmin, Ciro, Marina e Eymael) eram arrozes de festa. Mas havia três (Amoedo, Meirelles e Álvaro Dias) que poderíamos ter testado se o esclarecidíssmo eleitorado — contaminado pelo vírus da dicotomia político partidária disseminado por São Lula e seus apóstolos acerebrados — não tivesse escalado para o embate final os dois extremistas mais extremados do espectro político-ideológico e deixado à parcela da população que não geme de dor quando raciocina duas singelas opções: fazer com fizeram os 42 milhões de brasileiros que anularam o voto, votaram em branco ou se abstiveram de votar, ou unir força com os bolsomínions

Observação: Votar no fantoche que Lula escolheu para preposto depois que Jaques Wagner se recusou a desempenhar o patético papel jamais foi uma opção.

Bolsonaro, como todo bom mau soldado, cumpriu somente parte da missão. Mas — volto a dizer —, não poderíamos esperar outra coisa. Governar vai muito além de ganhar eleições, sobretudo em tempos de guerra. Parafraseando FHC — que não foi um estadista como manda o figurino, mas é o ex-presidente vivo desta banânia que chegou ileso ao final do segundo mandato e até hoje não foi acusado de malfeitos —, “você não lidera dando ordens ao povo, mas fazendo com que o povo siga junto com você”.

Observação: Collor foi impichado e é réu no STF; Lula é réu em 10 ações criminais, já foi condenado em duas e passou 580 dias preso; Dilma fez um governo de merda e foi impichada a 2 anos e 4 meses do término do segundo mandato (e não sei por que ainda não foi presa); Temer não conta, porque era vice da anta, mas já passou uns dias atrás das grades... Vai vendo.

Se a população soubesse votar, a parcela pensante do eleitorado não seria obrigada a escolher, a cada eleição, se ficava na frigideira ou se pulava para o fogo. Infelizmente, esse tipo de situação se tornou regra desde a redemocratização (noves fora as vezes em que a emenda foi pior que o soneto), mas de nada adianta amaldiçoar a escuridão sem se dar ao trabalho de, ao menos, acender uma vela.

A meu ver, o bom senso recomenda impõe uma mudança de rumo, e pede pressa, sob pena de a colisão do Titanic com o iceberg se tornar inevitável e as consequências, incalculáveis. Dito de outra maneria, faz sentido manter no volante de um ônibus desgovernado um motorista embriagado, quando há um passageiro que, mesmo sem carteira, pode levar o veículo com segurança até que a empresa escale outro chofer habilitado? 

Fica a pergunta. A resposta é com vocês.