terça-feira, 19 de maio de 2020

SALVE-SE QUEM PUDER!


Você tem direito a suas próprias opiniões, não a seus próprios fatos" Daniel Patrick Moyniham, senador americano (1927-2003). O brocardo é lapidar, mas foi sepultado (se me perdoam o trocadilho infame) pelo maniqueísmo político-ideológico que foi semeado pelo desempregado que deu certo e seus sectários, adubado pelos tucanos e seus “coxinhas” — que até recentemente eram os adversários dos petralhas na eterna disputa pelo poder — e amplificados pelas redes sociais, que promoveram idiotas da aldeia a portadores da verdade e deram voz a imbecis que até então falavam apenas no bar, sem causar danos à coletividade.

Não há nada tão ruim que não possa piorar”. O autor é desconhecido, mas isso em nada diminui o brilhantismo dessa máxima, que sintetiza as folclóricas Leis de Murphy. Seja em poucas palavras, seja num elenco de pensamentos ácidos e pessimistas — mas sempre bem-humorados —, a ideia se aplica perfeitamente à dicotomia e à total falta de consenso e de bom senso que, graças ao advento do fenômeno Bolsonaro e seus bolsomínions amestrados, espalhou-se como metástase pelo cenário político, tornando ainda pior o que já era bastante ruim.

As pessoas parecem não se dar conta de que o verdadeiro inimigo é o fanatismo, e que essa discórdia insana acerca de absolutamente tudo não leva absolutamente a lugar nenhum. No cenário atual, a polarização desbragada serve apenas para potencializar (e muito) as consequências da pandemia sanitária e seus reflexos perversos na economia.

Tudo é politizado hoje em dia. Das opiniões escatológicas excretadas pelo general da banda às decisões de nossa mais alta Corte de (in)Justiça. Ninguém mais se entende. Conflitos viraram confrontos, debates se tornaram batalhas e adversários políticos se transformaram em inimigos figadais.

O rebotalho de Garanhuns padecia (e ainda padece, visto que vaso ruim não quebra fácil) de tamanha sanha megalômana que chegou a se autodeclarar “a alma viva mais honesta do Brasil”. Seu distanciamento com o mundo real é tanto que ele repetia esse mantra mesmo quando estava preso. Até recentemente, era Deus no céu e Lula na Terra (melhor seria sob a terra, a bons sete palmos, mas isso é outra conversa), e o picareta dos picaretas continua incentivando esse culto a sua personalidade, chegando mesmo a dizer que “não era mais um ser humano, era uma ideia.

E como tudo que é ruim pode piorar, eis senão quando o atual inquilino no Palácio do Planalto diz ser um “escolhido por Deus para salvar o Brasil”!

Espelha o cenário político atual o do livro 1984, de George Orwell, no qual o Partido se alimentava do ódio por qualquer posição contrária a suas “ideologias” e fomentava rupturas dualistas entre governistas e oposicionistas. Bastava a alguém não rezar por sua cartilha para estar contra ele e, portanto, tornar-se um inimigo a ser combatido e abatido.

A popularização das redes sociais fez com que a mídia deixasse de dominar as massas e passasse a ser controlada por elas. Vivemos no estado de ódio da distopia de Orwell, num maniqueísmo em que tudo se reduz a uma batalha entre “o bem” e “o mal”. E, enquanto cadáveres se empilham de ambos os lados, políticos mau-caráter disputam — com palavras, ações, reações e omissões — eleições que só acontecerão — se é que acontecerão — daqui a 3 anos.

Todos os Poderes e seus escalões foram infectados pelo vírus da polarização. A Imprensa, na condição de “Quarto Poder”, não poderia ficar de fora. A isenção, a lisura, a imparcialidade e a responsabilidade inerentes ao bom jornalismo deu lagar aos embates entre esquerdopatas e extremistas de direita.

Em vez de expor os fatos e deixar as conclusões por conta do leitor, ouvinte ou telespectador, como mandam as regras do bom jornalismo, profissionais da imprensa divulgam opiniões distorcidas pelo fanatismo, a favor ou contra seja do que for, conforme a ideologia político-partidária do repórter, do redator, do âncora ou do dono do veículo. E dá-lhe proselitismo, manipulação, meias-verdades, frases tiradas do contexto, e por aí vai. Para expressar sua opinião, o jornalista deveria se limitar à sua coluna, e os veículos, aos editoriais. Mas quem se importa?

A título de ilustração, vejamos um exemplo real e atual:

FatoHá um mês, o mundo contabilizava 2,06 milhões de casos da Covid-19, com 25% de recuperações e 6,5% de óbitos. No Brasil havia 28.320 casos, 14.026 recuperações (49,5%) e 1.736 óbitos (6,1%). Hoje, há 4,58 milhões de caso no mundo, 1,74 milhão de recuperações e 306 mil mortes. No Brasil são 170,6 milhões de casos, 67.384 recuperações e 11.772 óbitos.

Versão — que cito apenas para ilustrar a facilidade com que se pode partir dos mesmos fatos (no caso, números) e induzir o leitor, ouvinte ou telespectador a uma opinião, digamos, equivocada: Mandetta foi expelido do comando do Ministério da Saúde em 17 de Maio, quando o número de casos da Covid-19 no Brasil nem chegava a 30 mil e os óbitos, a 2 mil. Hoje, menos de um mês depois de Nelson Teich assumir a pasta (e horas depois de ele ter apresentado seu pedido de demissão) são 208 mil casos, 80 mil recuperações e 14,3 mil óbitos.

Divergências, sempre houve. Na política, inclusive. Mas as redes sociais as elevaram à enésima potência.

A política, na definição de John K. Galbraith, "não é a arte do possível, mas a escolha entre o desagradável e o desastroso". Eu não poderia concordar mais. E você?