sábado, 13 de junho de 2020

BOLSONARO - A HORA É AGORA




Seria mais fácil tirar água de um poço seco do que entender por que Bolsonaro abdicou de seu dever de governar e, em vez de liderar o combate à maior pandemia sanitária da história recente, passou a fomentar uma inoportuna crise institucional com sua versão caricata do “nós contra eles” de Lula, o picareta dos picaretas (a propósito, vale a pena ouvir o que disse o ex-presidente Fernando Henrique nesta entrevista à CNN).

Talvez para criar uma cortina de fumaça em torno de sua acachapante incompatibilidade com o cargo para o qual foi eleito com quase 58 milhões de votos, o presidente vem estimulando grupelhos de fanáticos a saírem às ruas — por vezes com tochas nas mãos — para protestar contra o Supremo e o Congresso e reivindicar a volta da ditadura. Não raro, ele próprio participa dessas arruaças subversivas, discursa em apoio da turba ignara, realiza midiáticos voos de helicóptero e cavalga pela Esplanada dos Ministérios (inspirando-se no general Newton Cruz, chefe do SNI nos tempos da ditadura).

Juntamente com a cruzada contra a corrupção e a carta branca a Sergio Moro, Bolsonaro enrolou as bandeiras de campanha do fim da reeleição, do repúdio à velha política do "toma lá, dá cá", da redução dos ministérios e do enxugamento da máquina pública, entre outras, e enfiou-as todas em local incerto e não sabido quando o MP-RJ passou a cavar malfeitos no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro.

Observação: Zero dois figura no inquérito das fake news e é suspeito de ser o coordenador do folclórico “gabinete do ódio”, que funciona no Palácio do Planalto e a partir de onde, com a ajuda de zero três, de deputados cooptados e de blogueiros venais, dispara ataques a adversários do governo paterno. A deputada Joice Hasselmann, líder do PSL, tem informações de que a investigação do STF aponta para a existência de uma “caixinha” de R$ 2 milhões mensais, que remuneraria blogueiros de direita que apoiam Bolsonaro, entre os quais “Allan Terça Livre”.

Conforme a Justiça empareda os primeiros-filhos, o papai presidente se mobiliza para protegê-los. Na semana passada, o ministro Celso de Mello determinou a abertura de inquérito contra zero três por crime incurso na Lei de Segurança Nacional — segundo o deputado, “a ruptura institucional não é mais uma questão de ‘se’, mas de ‘quando’”. O folclórico fritador hambúrgueres em rede de fastfood que só serve frango frito e eterno candidato a embaixador já é investigado pela comissão de ética da Câmara por defender a volta do AI-5 e quebra de decoro, além de ter sido denunciado à CPMI das fake news.

Observação: O Ministério Público Eleitoral manifestou-se favoravelmente ao compartilhamento de provas do inquérito das fake news com as ações contra Bolsonaro no TSE. A manifestação ocorreu após um pedido do PT, que pede a impugnação da coligação Bolsonaro/Mourão por abuso eleitoral no pleito de 2018. Também começou nesta semana (na última terça-feira) o julgamento das ações que pedem a cassação da chapa. Como o ministro Alexandre de Moraes pediu vista, ainda não se sabe quando o julgamento será retomado.

O momento não poderia ser menos propício para assistirmos ao terceiro impeachment presidencial em 35 anos de democracia, mas é de pequenino que se torce o pepino. Bolsonaro vem se aproveitando da pusilanimidade do Congresso e da mal disfarçada conivência do procurador-geral — que ele próprio guindou ao posto, condecorou com a Ordem do Mérito Naval e promoveu a passador-de-pano-geral da República.

Mas vão esperar o quê? Que o capitão cumpra a ameaça de dar um autogolpe, leve seu governo para a extrema-direita e transforme o Brasil numa ditadura fascista como fez Chávez com a Venezuela? Até quando vão aceitar calados que esse senhor transgrida impunemente as regras do jogo com sua ideologia tacanha, formatada pelo guru de Virgínia e seguida por sua aloprada prole?

Desde o dia da posse que Bolsonaro age como o cavaleiro das trevas do reacionarismo com seu autoritarismo explícito, sua falta de decoro e suas tentativas de submeter as instituições de Estado à sua vontade. De início, tudo foi relativizado. Interessava que prosperassem a pauta econômica e as reformas estruturantes. A patente grosseria do presidente e seu total desrespeito à liturgia do cargo eram um preço baixo a se pagar pela recuperação da economia. Demais disso, o ex-capitão defenestrado (*) e agora ex-deputado do baixo-clero era visto pelo establishment como como um boquirroto tosco e ignorante, não como alguém que capaz de urdir um maquiavélico projeto de poder.

(*): Em 1986, quando tinha 31 anos, o então oficial da ativa Jair Messias Bolsonaro publicou na revista VEJA um artigo em que reclamava do soldo (salário pago aos militares). A matéria lhe rendeu 15 dias de prisão e um processo por indisciplina. No ano seguinte, também em protesto contra os baixos salários, planejou explodir bombas de baixa potência em quartéis e academias. O assunto foi resolvido discretamente e o insurreto foi absolvido de todas as acusações, mas sua carreira militar terminou ali.

Mas o imprevisto costuma ter voto decisivo na assembleia dos acontecimentos, e ninguém contava com o coronavírus. Mesmo sem oposição de fato e graças a sua ação desastrada e desumana, Bolsonaro transformou-se num pária aos olhos do mundo, sobretudo depois de ser “eleito” pelo jornal americano The Washington Post o pior dos líderes globais no combate à pandemia da Covid-19, colocando em risco a economia brasileira e prejudicando o mercado, como comprova a fuga de capitais estrangeiros: os investidores internacionais concluíram sem grande esforço que o Brasil não tem mais uma política econômica, apenas um governo cambeta que luta para se manter a todo custo no poder, o que isola ainda mais o país da comunidade internacional. 

Por essas e outras, a contagem regressiva para o fim do governo Bolsonaro já começou. Mas a agonia pode ser longa se não houver pronta ação política. Urge, portanto, concitar o general da banda a enfiar a viola no saco e ir tocar em outro coreto. E se não for de moto próprio, que seja conduzido debaixo de vara (para usar uma expressão jurídica que soa ofensiva aos ouvidos delicados de alguns bobos da corte palaciana). 

A despeito de um grupelho de generais de pijama apoiarem seus devaneios fascistas, os da ativa, que efetivamente comandam tropas, parecem constrangidos com o lamentável comportamento de seu comandante-em-chefe. E quanto mais cedo ele for expelido da Presidência, melhor para o Brasil.

Os caminhos constitucionais são os únicos para solucionar esta crise e romper o impasse. Não faltam crimes atribuídos a ação antirrepublicana do cavernoso — somente Sergio Moro denunciou meia dúzia deles. O inquérito que corre no STF poderá ser um instrumento para que, legalmente, e seguindo todos os preceitos jurídicos, a crise encontre um atalho e encurte o caminho do sofrimento nacional. Mas para que isso ocorra será preciso que a Câmara Federal autorize (pelo quórum constitucional) e que a denúncia seja encaminhada ao Supremo, a quem cabe receber a denúncia e, no caso de aceitá-la, processar e julgar o presidente,

Observação: No caso de processos de impeachment, que tratam de crimes de responsabilidade, o julgamento é feito no Senado Federal sob a supervisão do presidente de turno do STF. Em sendo aceita a denúncia, o presidente se torna réu e é afastado das suas funções (pelo prazo máximo de 180 dias) enquanto o processo tramita e vai a julgamento.

Por mera questão de conveniência, Bolsonaro, que só defende a Constituição da boca pra fora, irá recorrer a todos instrumentos do Estado Democrático de Direito para destruí-lo, como explica o historiador e professor Marco Antonio Villa. O presidente conspira contra a República, não quer a manutenção da Carta Magna, mas vai usá-la até a exaustão em ações nocivas ao interesse público — e ao futuro imediato do nosso país. Vai deixar terra arrasada, daí a necessidade imperiosa de agir rapidamente.

Se o hábito não faz o monge, a crise, por si só, não produz o impeachment, somente prolonga a agonia. Em outras palavras: antes que o mal cresça, há que se cortar a cabeça. É imperativo construir uma ação coordenada no plano político, com amplo da sociedade civil, antes que seja tarde demais.