O convidado do Roda Viva da última segunda-feira foi
o músico e escritor Lobão. A entrevista durou mais de hora e meia, mas alguns
trechos valeram o tempo de sono de que abri mão para assistir ao programa até o final.
Não por ser fã do cantor, longe disso. Embora sejamos contemporâneos, sempre preferi Sinatra e Bossa Nova
ao rock pesado que Lobão curte e faz. Mas achei interessante a avaliação do moço sobre o cenário político atual.
Em vários momentos da entrevista, Lobão verbalizou
exatamente o que eu penso. Sobre Bolsonaro ter sido a única opção válida
no segundo turno, por exemplo, e sobre a necessidade de se extirpar o
câncer antes que a metástase alcance outros órgãos vitais e torne o paciente inoperável (essas palavras são minhas, mas o contexto é o mesmo).
Sem prejuízo de assistir à entrevista na íntegra (o vídeo
está no final desta postagem), veja um trecho do que Lobão disse sobre a eleição:
“...Não vou votar [Se a eleição fosse hoje], me absteria.
Detesto fazer isso, não fiz naquela época porque lutei muito, passei 13 anos
lutando contra o PT. Eu me absteria porque também acho que, inclusive, a
grande estufa bolsonarista foi o PT, foi o que causou essa comoção, essa
nova paranoia comunista, foro de São Paulo... Todo mundo com toda razão se
assusta com Bolsonaro, mas a gente tem que lembrar do Lula
posando com Muammar
al-Gaddafi (ex-ditador da Líbia). Ela [Dilma] tentou [impedir o
impeachment, falou com as Forças Armadas, mas não conseguiu. Mas levou o Brasil
à maior recessão".
Dito isso, passo a palavra a Alon Feuerwerker, que
publicou na última edição da revista Veja o texto a seguir:
O TRUNFO E A FRAGILIDADE
O presidente da República opera a política de um
jeito fixo, na ofensiva o tempo todo. Mais ainda agora quando entende que as
instituições ensaiam cercá-lo. Para romper a tentativa de cerco, ele mira o elo
mais fraco, o desgaste delas junto à sociedade. E apoia-se na figura mais
preservada da demolição institucional dos anos recentes: as Forças Armadas. Vai
dar certo?
Depende também de como será executado. Mas é uma tentativa,
sem dúvida. Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos, ganha
quem sabe empregá-los com mais eficiência. Algo que funciona é concentrar o
fogo no ponto mais débil da linha de defesa adversária. Para um governo e um
presidente acossados por subestimar o Sars-CoV-2, é ouro em pó ver
introduzida a variável da corrupção nas iniciativas destinadas a enfrentar a
pandemia.
Jair Bolsonaro vem acumulando pontos na sacola.
Livrou-se do festejado ministro da Saúde e do festejadíssimo ministro da
Justiça. O custo de imagem foi baixo. O custo político foi próximo de zero. E
decepou uma perna da resistência congressual quando dividiu o dito Centrão e
atraiu o presidente do Senado. O da Câmara dá sinais de entender a nova
situação.
Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou
imperícia. Mas de vez em quando os súditos rompem a barreira do ponto crítico e
passam a não mais suportar a dominação, se o custo de enfrentar o poder é menor
que o de continuar passivo. As medições de popularidade nem sempre conseguem
calcular isso. Muitas vezes o problema cresce silenciosamente. Você só percebe
quando é tarde.
Uma coisa que ajuda é olhar sempre para o ponto futuro, para
onde caminham as tendências. A favor de quem opera a inércia. Se nada
acontecer, acontece o quê? Se ninguém introduzir o fato novo relevante, no fim
dá em quê?
A inércia está em parte a favor do presidente. Os
governadores, alguns disfarçando, organizam a reabertura das atividades
econômicas mesmo na subida da Covid-19. Pois não há mais condições
políticas de segurar, especialmente para a população que ganha menos e para a
turma que depende das atividades informais. Só quem continua podendo ficar em
casa são os de renda garantida. E os governadores e prefeitos têm um encontro
marcado com o calendário eleitoral. Pode até atrasar umas semanas, mas vai
acontecer.
A inércia, no entanto, também joga contra. O exercício do
poder faz acumular descontentamentos, mágoas, ressentimentos, insatisfações. Em
última instância é sempre o governo quem acaba organizando e engrossando a
oposição. Acontece novamente agora na Praça dos Três Poderes.
Por enquanto, a dificuldade momentânea de os insatisfeitos
juntarem-se todos contra ele ajuda Bolsonaro. O governo supõe que
capturar um punhado de votos congressuais vai ser suficiente para neutralizar o
cerco e a tentativa de aniquilamento. Ou que vai conseguir intimidar todos os
potenciais inimigos o tempo todo, ou por tempo suficiente. Ou que as barreiras
que separam os inimigos entre eles serão para sempre mais fortes que o desejo,
de todos e de cada um, de se livrar de Sua Excelência.