sexta-feira, 5 de junho de 2020

BOLSONARO SEGUNDO LOBÃO — O TRUNFO E A FRAGILIDADE


O convidado do Roda Viva da última segunda-feira foi o músico e escritor Lobão. A entrevista durou mais de hora e meia, mas alguns trechos valeram o tempo de sono de que abri mão para assistir ao programa até o final. Não por ser fã do cantor, longe disso. Embora sejamos contemporâneos, sempre preferi Sinatra e Bossa Nova ao rock pesado que Lobão curte e faz. Mas achei interessante a avaliação do moço sobre o cenário político atual.

Em vários momentos da entrevista, Lobão verbalizou exatamente o que eu penso. Sobre Bolsonaro ter sido a única opção válida no segundo turno, por exemplo, e sobre a necessidade de se extirpar o câncer antes que a metástase alcance outros órgãos vitais e torne o paciente inoperável (essas palavras são minhas, mas o contexto é o mesmo).

Sem prejuízo de assistir à entrevista na íntegra (o vídeo está no final desta postagem), veja um trecho do que Lobão disse sobre a eleição:

“...Não vou votar [Se a eleição fosse hoje], me absteria. Detesto fazer isso, não fiz naquela época porque lutei muito, passei 13 anos lutando contra o PT. Eu me absteria porque também acho que, inclusive, a grande estufa bolsonarista foi o PT, foi o que causou essa comoção, essa nova paranoia comunista, foro de São Paulo... Todo mundo com toda razão se assusta com Bolsonaro, mas a gente tem que lembrar do Lula posando com Muammar al-Gaddafi (ex-ditador da Líbia). Ela [Dilma] tentou [impedir o impeachment, falou com as Forças Armadas, mas não conseguiu. Mas levou o Brasil à maior recessão".


Dito isso, passo a palavra a Alon Feuerwerker, que publicou na última edição da revista Veja o texto a seguir:

O TRUNFO E A FRAGILIDADE

O presidente da República opera a política de um jeito fixo, na ofensiva o tempo todo. Mais ainda agora quando entende que as instituições ensaiam cercá-lo. Para romper a tentativa de cerco, ele mira o elo mais fraco, o desgaste delas junto à sociedade. E apoia-se na figura mais preservada da demolição institucional dos anos recentes: as Forças Armadas. Vai dar certo?

Depende também de como será executado. Mas é uma tentativa, sem dúvida. Ganha a guerra não necessariamente quem tem mais recursos, ganha quem sabe empregá-los com mais eficiência. Algo que funciona é concentrar o fogo no ponto mais débil da linha de defesa adversária. Para um governo e um presidente acossados por subestimar o Sars-CoV-2, é ouro em pó ver introduzida a variável da corrupção nas iniciativas destinadas a enfrentar a pandemia.

Jair Bolsonaro vem acumulando pontos na sacola. Livrou-se do festejado ministro da Saúde e do festejadíssimo ministro da Justiça. O custo de imagem foi baixo. O custo político foi próximo de zero. E decepou uma perna da resistência congressual quando dividiu o dito Centrão e atraiu o presidente do Senado. O da Câmara dá sinais de entender a nova situação.

Quem tem o poder só perde a iniciativa por distração ou imperícia. Mas de vez em quando os súditos rompem a barreira do ponto crítico e passam a não mais suportar a dominação, se o custo de enfrentar o poder é menor que o de continuar passivo. As medições de popularidade nem sempre conseguem calcular isso. Muitas vezes o problema cresce silenciosamente. Você só percebe quando é tarde.

Uma coisa que ajuda é olhar sempre para o ponto futuro, para onde caminham as tendências. A favor de quem opera a inércia. Se nada acontecer, acontece o quê? Se ninguém introduzir o fato novo relevante, no fim dá em quê?

A inércia está em parte a favor do presidente. Os governadores, alguns disfarçando, organizam a reabertura das atividades econômicas mesmo na subida da Covid-19. Pois não há mais condições políticas de segurar, especialmente para a população que ganha menos e para a turma que depende das atividades informais. Só quem continua podendo ficar em casa são os de renda garantida. E os governadores e prefeitos têm um encontro marcado com o calendário eleitoral. Pode até atrasar umas semanas, mas vai acontecer.

A inércia, no entanto, também joga contra. O exercício do poder faz acumular descontentamentos, mágoas, ressentimentos, insatisfações. Em última instância é sempre o governo quem acaba organizando e engrossando a oposição. Acontece novamente agora na Praça dos Três Poderes.

Por enquanto, a dificuldade momentânea de os insatisfeitos juntarem-se todos contra ele ajuda Bolsonaro. O governo supõe que capturar um punhado de votos congressuais vai ser suficiente para neutralizar o cerco e a tentativa de aniquilamento. Ou que vai conseguir intimidar todos os potenciais inimigos o tempo todo, ou por tempo suficiente. Ou que as barreiras que separam os inimigos entre eles serão para sempre mais fortes que o desejo, de todos e de cada um, de se livrar de Sua Excelência.