Fusíveis são dispositivos de segurança destinados a proteger circuitos elétricos mediante a interrupção da passagem de corrente no caso de a tensão superar sua resistência, de modo a prevenir curtos-circuitos e outros danos aos aparelhos elétricos e eletroeletrônicos conectados à rede elétrica do imóvel.
Metaforicamente falando, o exercício do poder recomenda
instalar fusíveis que possam ser descartados para preservar o comando central e
o próprio comandante. Na pandemia do coronavírus, Bolsonaro ficou
sem fusíveis para queimar — e seria melhor para ele se hoje um ainda
ministro Henrique Mandetta tivesse de responder pelos trágicos
números (na tarde da quarta-feira, 24, havia no
Brasil 1,5 milhões de infectados, 53 mil mortos e 613,3 mil recuperados).
Mais difícil que descobrir uma vacina ou mesmo a cura para a
Covid-19 é desvendar o que tem na cabeça o nosso conspícuo mandatário mor —
às vezes me parece ser uma substância de cor amarronzada, consistência pastosa
e cheiro bastante desagradável, ou o que sobrou dela depois que o capitão tomou
seu primeiro laxante.
Ao tirar Sergio Moro de Curitiba para usá-lo
como garoto propaganda de sua sanha contra a corrupção e os corruptos, Bolsonaro
perdeu a chance de deixar o então juiz da Lava-Jato dando dor de cabeça só aos adversários do inquilino do Planalto. E por resolver
fazer média com o eleitor-torcedor intoxicado pela antipolítica, vê-se obrigado, agora, a trocar um pneu furado com o carro em movimento, comprando
a peso de ouro (e com o nosso dinheiro, infelizmente) os favores de uma súcia de marafonas mercenárias (falo do Centrão) para escudá-lo numa eventual batalha
contra um impeachment ou um inquérito no Supremo.
O capitão da caverna sem luz teve ao menos uma ideia luminosa: escolher o PGR de fora da lista tríplice. Houvesse seguido a praxe
iniciada na gestão do ladrão de Garanhuns, teria de se avir agora com um
chefe do Ministério Público sintonizado com guilda dos procuradores. Mas não há
mal que sempre dure nem bem que nunca termine: dois candidatos que fazem
"oposição" a Augusto Aras na política interna do MPF derrotaram
procuradores considerados próximos ao Passador-de pano-Geral da República
e foram eleitos para o Conselho Superior do Ministério Público. Na
semana que vem, serão eleitos mais dois integrantes do Conselho — nesse caso o
voto é restrito aos subprocuradores-gerais, que estão no último degrau da
carreira do MPF; dependendo dos resultados, Aras pode perder a
maioria no órgão.
Bolsonaro foi temerário ao decidir de montar governo
com base em afinidades ideológicas. Diz o senso comum que os ideologicamente
alinhados são aliados mais fiéis, mas, quando o amor acaba, revelam-se os
adversários mais ferozes.
Talvez o principal problema do capitão trevoso advenha de um equívoco na análise da conjuntura, na identificação do inimigo mais perigoso. Enquanto ele se dedica a infernizar a esquerda, quem lidera a operação de cerco e (tentativa de) aniquilamento contra ele são a direita e o dito centro, atropelados na eleição presidencial de 2018. A esquerda está fora da linha de sucessão, e o objetivo de suas diversas frações é ganhar a eleição de 2022 surfando no desgaste do bolsonarismo. A alternativa seria confiar na tempestade perfeita em que 1) o TSE cassa a chapa Bolsonaro/Mourão; 2) o STF referenda e 3) no processo de liquidação do atual governo forma-se uma maioria eleitoral de esquerda.
Talvez o principal problema do capitão trevoso advenha de um equívoco na análise da conjuntura, na identificação do inimigo mais perigoso. Enquanto ele se dedica a infernizar a esquerda, quem lidera a operação de cerco e (tentativa de) aniquilamento contra ele são a direita e o dito centro, atropelados na eleição presidencial de 2018. A esquerda está fora da linha de sucessão, e o objetivo de suas diversas frações é ganhar a eleição de 2022 surfando no desgaste do bolsonarismo. A alternativa seria confiar na tempestade perfeita em que 1) o TSE cassa a chapa Bolsonaro/Mourão; 2) o STF referenda e 3) no processo de liquidação do atual governo forma-se uma maioria eleitoral de esquerda.
Para a turma que pende à direita, o caminho parece menos
pedregoso. Poderiam, por exemplo, trabalhar mais firmemente o impeachment e a
proposta de um governo de “união nacional” em torno do vice. Uma dificuldade
dessa saída é o general Mourão não parecer disposto a conspirar
contra o chefe (diferente de recentes situações). Mas sempre há a alternativa
do TSE, seguida do renovado truque de tentar a união em torno de um
bolsonarismo sem Bolsonaro.
Nesse entretempo, começou o julgamento de uma ação proposta em 2003 pela Confederação
Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, que visa anular
trecho de lei estadual do RJ que dá ao MP o
poder de realizar investigações criminais e pedir quebra de sigilos — e que
pode invalidar as investigações do MP-RJ sobre o ex-fantasma Queiroz e,
no limite, caso o pedido seja acolhido pela maioria do STF,
permitir que pessoas investigadas pelo MP-RJ postulem,
alegando falta de competência, a anulação de investigações tocadas pelo órgão.
Trata-se de um resultado improvável, mas ainda assim...
Havia um voto favorável ao fim do poder de investigação de promotores — do ministro Marco Aurélio, que sempre demonstrou especial predileção para ser voto vencido — e um contra, do ministro Edson Fachin, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e suspendeu o julgamento. Em 2015, o plenário do STF reconheceu (por 10 votos a 1, vencido o nobre ministro Marco Aurélio — sempre ele! — o poder de investigação do MP, mas no julgamento de um caso de Minas Gerais.
Na visão de Marco Aurélio, o MP não pode tomar a frente de inquéritos porque seu papel é vigiar a atuação da polícia nas investigações. Contra esse entendimento, Fachin citou sólida jurisprudência do STF com base no caso de 2015 e outros que reconhecem o poder investigatório do MP. “O direito à segurança jurídica, missão institucional deste Tribunal, está intimamente ligado ao respeito aos precedentes desta Corte”, escreveu o magistrado em seu voto. O julgamento ainda não tem data para ser retomado, mas é improvável uma virada na atual jurisprudência. Em 2015, Alexandre de Moraes ainda não integrava o Supremo.
Havia um voto favorável ao fim do poder de investigação de promotores — do ministro Marco Aurélio, que sempre demonstrou especial predileção para ser voto vencido — e um contra, do ministro Edson Fachin, quando o ministro Alexandre de Moraes pediu vista e suspendeu o julgamento. Em 2015, o plenário do STF reconheceu (por 10 votos a 1, vencido o nobre ministro Marco Aurélio — sempre ele! — o poder de investigação do MP, mas no julgamento de um caso de Minas Gerais.
Na visão de Marco Aurélio, o MP não pode tomar a frente de inquéritos porque seu papel é vigiar a atuação da polícia nas investigações. Contra esse entendimento, Fachin citou sólida jurisprudência do STF com base no caso de 2015 e outros que reconhecem o poder investigatório do MP. “O direito à segurança jurídica, missão institucional deste Tribunal, está intimamente ligado ao respeito aos precedentes desta Corte”, escreveu o magistrado em seu voto. O julgamento ainda não tem data para ser retomado, mas é improvável uma virada na atual jurisprudência. Em 2015, Alexandre de Moraes ainda não integrava o Supremo.
No dia 29 de maio, a delegada federal Christiane Correa
Machado pediu ao ministro Celso de Mello mais 30 dias de
prazo para concluir o inquérito que investiga a tentativa de interferência de Bolsonaro
na PF. O relator autorizou a prorrogação no último dia 8, com a
aquiescência do passador de pano geral. Na última terça
(23) a delegada encaminhou ao ministro ofício
com o seguinte teor: "Informo a Vossa Excelência que as
investigações se encontram e estágio avançado, razão pela qual nos próximos
dias torna-se necessária a oitiva do Senhor Jair Bolsonaro, Presidente da
República".
Como Bolsonaro é investigado na ação, não tem a prerrogativa de mandar por escrito o depoimento. É um caso delicado, porque o presidente se considera ofendido e invadido toda vez que se faz alguma coisa com ele. Haja vista que mandou a AGU recorrer do aviso da justiça de que ele precisa usar máscara quando sair às ruas em Brasília, que considerou (descabidamente) uma interferência de um poder sobre outro. Bolsonaro é um cidadão como qualquer outro, a despeito do cargo que ocupa, e, portanto, precisa seguir a lei da cidade (e deveria dar o exemplo, em vez de precisar ser advertido sempre que mija fora do penico).
Dos sete processos contra a chapa Bolsonaro/Mourão no TSE, apenas o que trata dos Impulsionamentos ilegais de WhatsApp deve prosperar. Os outros são frágeis e devem ser arquivados. O que tende ter prosseguimento foi aberto por causa de uma reportagem da Folha e está sendo investigado. Como se juntará às investigações do inquérito das fake news do STF, pode criar uma massa de provas relevantes, e é motivo de preocupação no Palácio do Planalto.
Como Bolsonaro é investigado na ação, não tem a prerrogativa de mandar por escrito o depoimento. É um caso delicado, porque o presidente se considera ofendido e invadido toda vez que se faz alguma coisa com ele. Haja vista que mandou a AGU recorrer do aviso da justiça de que ele precisa usar máscara quando sair às ruas em Brasília, que considerou (descabidamente) uma interferência de um poder sobre outro. Bolsonaro é um cidadão como qualquer outro, a despeito do cargo que ocupa, e, portanto, precisa seguir a lei da cidade (e deveria dar o exemplo, em vez de precisar ser advertido sempre que mija fora do penico).
Dos sete processos contra a chapa Bolsonaro/Mourão no TSE, apenas o que trata dos Impulsionamentos ilegais de WhatsApp deve prosperar. Os outros são frágeis e devem ser arquivados. O que tende ter prosseguimento foi aberto por causa de uma reportagem da Folha e está sendo investigado. Como se juntará às investigações do inquérito das fake news do STF, pode criar uma massa de provas relevantes, e é motivo de preocupação no Palácio do Planalto.
Quem esteve com o general da banda nos dias que se seguiram à
prisão do amigo de fé, irmão e camarada Queiroz encontrou-o ressentido e acuado. O temperamento
continua corrosivo, irritadiço, eivado de palavrões. Mas o presidente não mais exibe o sentimento de invulnerabilidade que ostentava há algumas semanas; vive uma fase decisiva: pode redirecionar o seu governo ou conservá-lo no
caminho do brejo.
Zero Um também anda pra lá de enrolado. A
investigação eleitoral, já relatada pela PF, sobre suposto
enriquecimento ilícito, foi remetida à Justiça Eleitoral, e o MPE
decidiu mantê-la. Os investigadores ainda esperavam informações sobre a troca
na segurança pessoal do presidente e de seus familiares. O Jornal Nacional
mostrou que um mês antes da reunião ministerial em que o presidente reclamou
que não conseguia trocar ninguém, o chefe do departamento de segurança foi
substituído pelo segundo na hierarquia, e o responsável pelo escritório do Rio
também havia sido trocado. Agora, o próprio ministro chefe do GSI desmonta a narrativa estapafúrdia do presidente, deixando claro (ou exaltando o óbvio que saltou aos olhos de quem assistiu à célebre gravação da reunião ministerial realizada no mais puro clima de bordel em 22 de abril) que o motivo de descontentamento do chefe era outro, e poderia ser identificado à mesa pela plaquinha onde se lia Ministro da Justiça e Segurança Pública.
Mas a fedentina não para por aí. Na decisão em que determinou a operação
contra aliados do governo do último dia 16, o ministro Alexandre
de Moraes, relator do inquérito, afirmou que indícios confirmam a "real
possibilidade de existência de uma associação criminosa" na
mobilização dos protestos pelo fechamento do Congresso e do Supremo,
e tirou nesta segunda-feira (22) o sigilo de seu despacho.
Em uma das frentes de investigação do inquérito que apura a participação de bolsonaristas em atos antidemocráticos, a PGR suspeita que bolsonaristas responsáveis por canais nas redes sociais lucraram mais de R$ 100 mil com a divulgação de atos antidemocráticos. Quatro deputados federais do PSL, todos da ala bolsonarista do partido, estão no radar da Procuradoria por repasses de valores à empresa Inclutech Tecnologia da Informação. Os quatro usaram a cota parlamentar a que têm direito pelo exercício da atividade legislativa para transferir R$ 58,1 mil para a empresa neste ano.
Em uma das frentes de investigação do inquérito que apura a participação de bolsonaristas em atos antidemocráticos, a PGR suspeita que bolsonaristas responsáveis por canais nas redes sociais lucraram mais de R$ 100 mil com a divulgação de atos antidemocráticos. Quatro deputados federais do PSL, todos da ala bolsonarista do partido, estão no radar da Procuradoria por repasses de valores à empresa Inclutech Tecnologia da Informação. Os quatro usaram a cota parlamentar a que têm direito pelo exercício da atividade legislativa para transferir R$ 58,1 mil para a empresa neste ano.
Ainda de acordo com o inquérito da Procuradoria em outra
linha de apuração, sites bolsonaristas podem ter lucrado com a transmissão de
atos que tiveram a participação do presidente. O vice-procurador-geral da
República menciona no inquérito que sites com publicações favoráveis ao governo
podem ter faturado dinheiro. Ao autorizar a operação do último dia 16, Moraes
afirmou que o grupo é financiado por diversas formas por empresários. "Ressalte-se,
também, que toda essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por
empresários que, conforme os indícios apresentados atuariam de maneira velada
fornecendo recursos das mais variadas formas, para os integrantes dessa
organização".
Ele também citou que a PGR indicou a estruturação da associação
criminosa, que seria formada por quatro núcleos, intitulados "organizadores
e movimentos", "influenciadores digitais e hashtags",
"monetização" e "conexão com parlamentares".
Diante dos indícios, os pedidos da procuradoria para avançar
nas investigações tornaram-se "imprescindíveis", segundo o ministro,
que mencionou, ainda, afirmação da PGR de que elementos apontam para
formação de uma "rede estruturada de comunicação virtual voltada tanto
à sectarização da política quanto à desestabilização do regime democrático para
auferir ganhos econômicos diretos e políticos indiretos".
Mas tem mais: Luiz Gustavo Botto Maia, ex-advogado de Flávio
Bolsonaro, foi exonerado na última terça-feira (23) por “extrapolar
todos os limites do exercício da advocacia e atuar de forma criminosa”. Ele
estava lotado no gabinete deputado estadual bolsonarista Renato Zaca, e
teria participado, juntamente com Fabrício Queiroz, de uma articulação
para fraudar os registros de controle de ponto de uma ex-assessora de Flávio
(quando este ainda era deputado estadual).
O novo advogado de Zero Um, Rodrigo
Roca, atuará em parceria com a colega Luciana Pires, que já
auxiliava a defesa do pimpolho. A dupla requereu ao MP-RJ que o
senador seja ouvido. Trata-se de uma mudança de estratégia. Até aqui, o senador fugia dos depoimentos. Agora, quer acomodar nos autos do processo a
versão segundo a qual seu patrimônio é compatível com a renda e que não tinha
conhecimento do que Queiroz fazia no seu gabinete na época em
que era deputado estadual.
Nesse ritmo, o "eu não sabia" passará à
história como uma espécie de código da desfaçatez. Sempre que a expressão é
mencionada, a plateia já sabe que aqueles políticos que se apresentavam como
exemplos de retidão pedem para ser vistos como cegos abobalhados, incapazes de
enxergar o que acontece a seu redor.
Com Alon Feuerwerker e Josias de Souza