Jânio Quadros, mato-grossense de nascimento, cresceu em Curitiba (PR), formou-se em Direito pela USP (Faculdade do Largo de São Francisco) e, antes de ingressar na política, em 1947, quando se elegeu suplente de vereador pelo Partido Democrata Cristão, lecionou português e geografia em colégios tradicionais de São Paulo e direito processual penal na Faculdade Presbiteriana Mackenzie. Com a cassação dos mandatos de parlamentares do partido
comunista (PCB), passou a titular e exerceu o cargo até 1950, quando conquistou uma cadeira na Câmara Federal.
Na sequência, foi prefeito de São Paulo e governador
do Estado. Em 1958, concorreu a deputado federal pelo Paraná evenceu, mas viajou para o exterior e não participou de uma única sessão no Congresso.
Ao retornar, disputou a presidência de República e obteve 48,26% dos votos,
derrotando Henrique Lott (32,94%) e Adhemar de Barros (18,79%). João Goulart, do PTB, foi
reeleito vice-presidente (note que a Constituição de 1946, vigente àquela
época, não exigia a formação de uma chapa com candidatos a presidente e
vice do mesmo partido, e cada qual era eleito em uma votação separada).
Jânio foi empossado Presidente em 31 de janeiro de
1961 e renunciou
sete meses depois, em 25 de agosto. Durante seu breve mandato, como bom
populista que era, manteve-se em evidência criando factoides (qualquer
semelhança com Bolsonaro não é mera coincidência). Proibiu o uso
do maiô e do biquíni em concursos de Miss e do lança-perfume
nos bailes de carnaval, a exibição de anúncios nos intervalos das
sessões de cinema e as rinhas de galo em todo o território nacional, e foi à televisão exibir os grossos
calhamaços que eram as edições de domingo dos jornais Estado de São
Paulo e Jornal do Brasil — a pretexto de travar uma
cruzada contra o desperdício de papel, que à época era importado. Determinou ao Estado-maior do Exército que estudasse um plano
de invasão das Guianas, enviou o vice-presidente à China, em missão extraordinária, e um grupo comandado pelo jornalista João Dantas, diretor do Diário de Notícias, à
área socialista. Como se não bastasse, condecorou o líder da revolução cubana Che Guevara com
a medalha da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Nada
disso agradou aos parlamentares — é bom lembrar que, a exemplo de Collor,
nos anos 1990, e de Dilma, no início da década atual (e, por que não
dizer, de Jair Bolsonaro, pelo menos até se agarrar ao Centrão para não ser expelido do cargo), Jânio nunca contou com o apoio do Congresso. Carlos Lacerda, então governador do estado da Guanabara, percebeu que Jânio fugia ao controle das lideranças da UDN e se colocou como porta-voz da campanha contra o presidente.
Não tendo como acusar Jânio por corrupção — tática que havia usado contra
seus dois antecessores — Lacerda, em discurso feito em 24 de agosto de
1961 e transmitido em cadeia nacional de rádio e televisão, denunciou uma
suposta trama palaciana e acusou o ministro da Justiça de tê-lo convidado a
participar de um golpe de estado para fechar o Congresso. No dia seguinte
depois de receber uma reprimenda dos três ministros militares durante as
comemorações do Dia do Soldado, Jânio apresentou sua carta-renúncia — cujo teor eu reproduzo a seguir:
"Fui vencido pela reação e assim
deixo o governo. Nestes sete meses cumpri o meu dever. Tenho-o cumprido dia e
noite, trabalhando infatigavelmente, sem prevenções, nem rancores. Mas
baldaram-se os meus esforços para conduzir esta nação, que pelo caminho de sua
verdadeira libertação política e econômica, a única que possibilitaria o
progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito o seu generoso povo.
"Desejei um Brasil para os
brasileiros, afrontando, nesse sonho, a corrupção, a mentira e a covardia que
subordinam os interesses gerais aos apetites e às ambições de grupos ou de
indivíduos, inclusive do exterior. Sinto-me, porém, esmagado. Forças terríveis
levantam-se contra mim e me intrigam ou infamam, até com a desculpa de
colaboração.
"Se permanecesse, não manteria a
confiança e a tranquilidade, ora quebradas, indispensáveis ao exercício da
minha autoridade. Creio mesmo que não manteria a própria paz pública.
"Encerro, assim, com o
pensamento voltado para a nossa gente, para os estudantes, para os operários,
para a grande família do Brasil, esta página da minha vida e da vida nacional.
A mim não falta a coragem da renúncia.
"Saio com um agradecimento e um
apelo. O agradecimento é aos companheiros que comigo lutaram e me sustentaram
dentro e fora do governo e, de forma especial, às Forças Armadas, cuja conduta
exemplar, em todos os instantes, proclamo nesta oportunidade. O apelo é no
sentido da ordem, do congraçamento, do respeito e da estima de cada um dos meus
patrícios, para todos e de todos para cada um.
"Somente assim seremos dignos
deste país e do mundo. Somente assim seremos dignos de nossa herança e da nossa
predestinação cristã. Retorno agora ao meu trabalho de advogado e professor.
Trabalharemos todos. Há muitas formas de servir nossa pátria."
Brasília, 25 de agosto de 1961.
Jânio Quadros"
Em edição extraordinária, o Repórter
Esso — que era ouvido por nove entre dez brasileiros, naquela época — atribuiu a renúncia a
"forças ocultas". Jânio jamais disse isso com todas as letras, mas essa versão entrou para a história e deixava o ex-presidente muito irritado quando era perguntado sobre ela. Certa vez, durante um almoço em casa de amigos, questionado por uma convidada, Jânio respondeu: “Renunciei porque a comida no
Palácio da Alvorada era uma droga como é aqui, e a companhia era quase tão ruim
quanto a companhia daqui”. E foi-se embora sem sequer se despedir do anfitrião.
Outra resposta atravessada que Jânio teria dado sobre a renúncia é a famosa "Fi-lo porque qui-lo", mas isso não passa de lenda urbana. Na verdade, a frase teria sido dita
numa reunião com os governadores, quando o então presidente anunciou algumas
reformas educacionais que pegaram de surpresa seu ministro da Educação. Após o
almoço, o ministro perguntou a Jânio por que tomara as tais medias sem
avisá-lo com antecedência, e a resposta foi: “Fi-lo porque estou convencido
de que é a melhor solução; fi-lo porque esta nação tem pressa e fi-lo porque
sou presidente. Como vê, senhor Ministro, fi-lo porque qui-lo.”
Continua...