domingo, 5 de julho de 2020

NÃO HÁ ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS NO BRASIL. O BRASIL É UMA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA

Em julho de 2019, questionado pela repórter Andréia Sadi, no G1, Frederick Wassef disse que não conhecia Fabrício Queiroz. Dois meses depois, em entrevista à TV Globo, afirmou que não sabia o paradeiro do ex-assessor porque não era o advogado dele. No mês passado, em entrevista a Chico Alves e Tales Faria, do UOL, falou que o factótum da família Bolsonaro deveria reaparecer. Semanas atrás, logo após a prisão de Queiroz, negou ter emprestado sua casa de Atibaia ao dito-cujo. Em entrevista à Cátia Seabra, da Folha, disse que nunca telefonou para Queiroz, nunca trocou mensagem com ele nem com ninguém de sua família, e que tudo isso era "armação para incriminar o presidente". Afirmou, ainda que, seu escritório estava vazio, que os móveis estavam do lado de fora e que tudo havia sido plantado.

No mesmo dia, Andrea Sadi mostrou o ridículo da situação dirigindo ao o mafioso de comédia a seguinte pergunta: "o Queiroz pulou o muro? Apareceu voando na casa do senhor? Ou foi levado por alguém?" No dia seguinte, o conspícuo causídico disse à CNN que soube que Queiroz esteve em seu sítio e que o frequentava; agora apresenta um abilolada teoria da conspiração, para a qual toma emprestado, inclusive, as "forças ocultas" citadas por Jânio Quadros em agosto de 1961, para justificar sua renúncia. 

Em entrevista à Veja, Fred disse: "Entrei em modo guerra. Quando isso acontece, viro o diabo". Segundo a matéria publicada pela revista, o advogado estaria alternando lampejos de euforia com mergulhos em momentos de depressão, com verborragia e pausas dramáticas para respiração, segundo a reportagem.

Suspeito de gerenciar o desvio de recursos públicos dos gabinetes de Flávio e Jair Bolsonaro e preso provisoriamente em Bangu 8 há três semanas, Queiroz teve de se submeter duas vezes a um dissabor do qual se esquivava desde o final de 2018, quando virou notícia: depor à Polícia Federal

Em seu primeiro depoimento, o ex-assessor disse que não tomou conhecimento do vazamento de informações sobre o relatório do Coaf (que o transformaria em estrela do escândalo da rachadinha) e que deixou de chefiar o gabinete do então deputado Flávio Bolsonaro por dois motivos. O primeiro é que estava cansado de trabalhar como assessor político; o segundo, que precisava cuidar da saúde.

Curiosamente, Queiroz foi exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro em 15 de outubro de 2018, duas semanas antes do segundo turno da disputa pelo Planalto. No mesmo dia, sua filha Nathalia foi afastada do gabinete de Jair Bolsonaro na Câmara. A simultaneidade estimula a suspeita de que o então candidato ao Planalto queria dissociar-se do sobrenome Queiroz, que estava na bica de se tornar tóxico. 

Para que a versão do cansaço ficasse em pé, o ex-assessor teria de explicar por que sua filha foi demitida no mesmo dia do gabinete do então deputado federal e hoje presidente da República. De resto, não faria sentido exonerar-se de uma função que assegurava o custeio de assistência médica justamente num momento em que sua saúde inspirava cuidados.

Tudo isso aconteceu antes da chegada do escândalo às manchetes. A primeira notícia sobre a movimentação bancária atípica de Queiroz foi publicada em 6 de dezembro de 2018, no Estadão. A partir daí, Jair e Flávio Bolsonaro tentaram se manter a um distância segura do amigo de três décadas do primeiro e ex-factótum do segundo. Distanciaram-se a tal ponto que Queiroz se queixou de abandono — numa postagem no WhatsApp, ele mencionou a "pica do tamanho de um cometa" que o Ministério Público queria "enterrar na gente".

A imagem do cometa fálico levou Zero Um a se referir ao ex-chefe de gabinete como um "cara correto e "trabalhador", e o presidente a tratar o ex-amigo com apreço no único comentário que fez sobre sua prisão: "Parecia que estavam prendendo o maior bandido da face da Terra".

Flávio Bolsonaro também foi intimado a depor para a PF sobre a denúncia de vazamento feita por seu suplente no Senado. Será uma ótima oportunidade para esclarecer o motivo pelo qual demitiu o funcionário "correto" e "trabalhador" que o assessorava havia mais de uma década, e por que seu papai, então deputado federal, fez o mesmo com Nathalia, a filha do amigo e companheiro de pescaria (e quiçá de otras cositas más).

Em mensagem interceptada pelo MP-RJ, a ex-assessora parlamentar Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, reclamou das táticas impostas pelo “Anjo” — apelido que supostamente remete ao advogado Frederick Wassef. Em novembro do ano passado, Márcia disse à advogada Ana Rigamonti (que passou seis meses com Queiroz em Atibaia enquanto trabalhava no escritório de Fred): "A gente não pode mais viver sendo marionete do Anjo. 'Ah, você tem que ficar aqui, tem que trazer a família'. Esquece, cara. Deixa a gente viver nossa vida. Qual o problema? Vão matar? Ninguém vai matar ninguém. Se fosse pra matar, já tinham pego um filho meu aqui”.

Ainda segundo as ligações interceptadas, os planos do então defensor de Flávio no caso das rachadinhas incluíam alugar uma casa em São Paulo para abrigar toda a família de Queiroz (vale frisar que naquele momento o STF estava prestes a autorizar a retomada da investigação sobre as rachadinhas). 

Com o passar dos dias, os áudios enviados por Márcia à amiga foram ficando cada vez maiores e mais frequentes. Em algum deles, a mulher de Queiroz alternava choro com relatos sobre como a situação mexia com sua saúde física e emocional. "Sei que também tá acabando com a [saúde] dele [Queiroz]".

Outra mensagem revela que Queiroz também não concordava com os planos de Fred, e que lhe teria dito isso. Mas o jurisconsulto insistia em esconder a família. "Ele [Queiroz] não quer ficar mais aí, não", diz Márcia. E prossegue: "Ele [Fred] vai fazer terror, né?"

Quando Wassef passava uns dias em Atibaia, Ana Flávia ia para o quintal para evitar que o chefe a ouvisse falando com Márcia. Aos poucos, conforme o incômodo com a situação aumentava, elas passaram a questionar a eficácia da estratégia do defensor: "O Anjo tem ideias boas, sim, mas na prática a gente sabe que não é igual às mil maravilhas que ele fala", diz Ana Flávia, que havia conversado até com a mulher de Wassef na tentativa de frustrar a ideia de alugar uma casa para abrigar Queiroz & Família em São Paulo. 

Os áudios revelam que Márcia achava que o marido estava “no limite" e temia que seu estado emocional prejudicasse o tratamento do câncer. Dizia que Queiroz mantinha a compostura em Atibaia, mas, quando ia para o Rio, despejava toda a carga sobre ela. "Chega a ser insuportável a convivência com ele. Estou vendo que ele está no limite dele".

Essa preocupação levava Márcia a evitar se lamentar na presença do marido. É notória a diferença entre as mensagens enviadas ao companheiro e a Ana Flávia. Enquanto para a advogada chegavam áudios e textos grandes, as conversas com Queiroz se limitavam comentários sucintos — como dizer que achava "exagero" morar em São Paulo — e no campo da descontração — Queiroz enviava fotos de churrasco, pizza e o que mais estivesse comendo.

As defesas de Márcia e de Queiroz negam uma eventual delação premiada, mas interlocutores da família sondaram advogados que trabalham com o instrumento nos últimos dias. O Estadão apurou que um escritório que já defendeu clientes famosos foi procurado, mas disse que não trabalhava com delação. 

Ana Flávia, que não é investigada no caso, disse que não vai comentar, até porque apenas trabalhava no escritório de Fred, não tendo, portanto, nada que ver com o processo. O senador Flávio Bolsonaro e seu ex-advogado não se manifestaram. Em outras ocasiões, o causídico negou ser o "Anjo" e disse que abrigou Queiroz por “questões humanitárias".

Resta saber quem NÃO está mentindo nessa guerra de narrativas. 

Com Leonardo Sakamoto, Josias de Souza, Caio Sartori e Túlio Kruse