A fábula do sapo e o escorpião ilustra magistralmente o comportamento de Jair Bolsonaro. Daí não surpreender traulitada que levou o repórter do jornal O Globo, no último domingo, ao questionar o presidente sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama: "Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?“, esbravejou o obelisco da finesse.
O que mais causa espécie não é a grosseria da resposta, mas a
quantidade de ingênuos que acreditaram na versão semicivilizada que tomou temporariamente o lugar
do ogro, depois que Fabrício Queiroz foi preso em Atibaia.
Saltava aos olhos que o Presidente Paz & Amor não passava de uma personagem que as circunstâncias obrigaram o ogro a encarnar. Tanto é que bastou ser confrontado com os malfeitos de seu clã para o trevoso rasgar a fantasia de ente civilizado e reassumir a forma com que veio ao mundo, inclusive com a clava nas mãos.
A emenda ficou pior que o soneto na segunda-feira, quando a tropa de choque do capitão fez circular um vídeo sugerindo que seu destempero deveu-se na verdade ao comentário que alguém teria proferido — algo como “vou visitar a sua filha na cadeia”.
A vídeo foi compartilhado inclusive pelo dublê de pit-bull palaciano e vereador carioca Carlos Bolsonaro, o que já bastaria para torná-lo altamente suspeito. Mas o Poder360 presenciou o rompante presidencial in loco e atestou que a frase indicada na legenda não foi dita. Ao desacelerar a reprodução do filme para ouvir o trecho com maior clareza, percebe-se que o transeunte falou em “visitar a nossa feirinha da Catedral”.
Enfim, trata-se de mais um deplorável episódio que demonstra
a total inadequação de Bolsonaro ao cargo de Presidente. Nas palavras do
jornalista e acadêmico Merval Pereira, o mandatário de turno é “autoritário,
candidato a ditador, não aguenta relações entre instituições e entre opinião
pública, acha que não deve satisfação a ninguém, nem que tem de explicar casos
como o do depósito de R$ 89 mil, feito por Fabrício Queiroz na conta de
sua mulher.”
A esta altura, nem a Velhinha de
Taubaté engoliria sem engasgar as explicações contraditórias e inverossímeis
de Bolsonaro & Filhos. Fica cada vez mais clara a intimidade do clã
com rachadinhas e outras práticas espúrias comuns no meio político, mas nem por
isso legal ou moralmente aceitáveis, sobretudo quando os envolvidos são o
Presidente da República e seus três filhos com mandato eletivo (que voejam em
torno do pai como moscas em volta da merda).
“Bolsonaro
ser presidente é a maior prova de que o Brasil está decadente“ — diz Merval
Pereira. E completa: “mesmo que numa situação imprevisível, eleito
por uma série de circunstâncias políticas, não por ele”. Só faltou dizer
com todas as letras o que eu venho repetindo desde sempre: Jair Bolsonaro
só foi eleito porque a alternativa que restou no segundo turno conseguia ser
ainda pior.
Desgraçadamente, o cenário que se descortina nada tem de
alvissareiro. O Messias que não miracula teve uma “epifania” quando viu os
milagres que o coronavoucher operou em seus índices de aprovação nas regiões
Norte e Nordeste. E daí a abraçar o populismo assistencialista que ele tanto
criticou nas nefastas gestões de Lula e Dilma foi um pulo.
O capitão cumpriu sua missão ao evitar a volta do PT.
Deveria ter parado por ali. Afinal, ele próprio reconheceu que “nasceu
para ser militar, não para ser presidente”. Só que foi picado pela mosca azul e
pegou gosto por morar às margens do Paranoá. Mas não é só: o candidato que
prometeu pôr fim à reeleição se eleito fosse — que, segundo ele, foi “péssima
para o país, pois os governantes se endividam, fazem barbaridade, dão
cambalhota para se reeleger” — deu lugar ao presidente que lançou sua
candidatura ao segundo mandato no exato instante em que vestiu a faixa.
Da mesma forma que abandonou o discurso contra a corrupção,
o capitão diz estar de mãos atadas, pois cabe ao Congresso limar o instituto da reeleição
do ordenamento jurídico. Muito conveniente. E do jeito que a coisa vai, não é
nada difícil ele conquistar um segundo mandato. Isso se o Brasil durar até 2022,
naturalmente.