quarta-feira, 26 de agosto de 2020

DEU RUIM. E PODE PIORAR

 

A fábula do sapo e o escorpião ilustra magistralmente o comportamento de Jair Bolsonaro. Daí não surpreender traulitada que levou o repórter do jornal O Globo, no último domingo, ao questionar o presidente sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama: "Minha vontade é encher tua boca na porrada, tá?“, esbravejou o obelisco da finesse. 

O que mais causa espécie não é a grosseria da resposta, mas a quantidade de ingênuos que acreditaram na versão semicivilizada que tomou temporariamente o lugar do ogro, depois que Fabrício Queiroz foi preso em Atibaia.

Saltava aos olhos que o Presidente Paz & Amor não passava de uma personagem que as circunstâncias obrigaram o ogro a encarnar. Tanto é que bastou ser confrontado com os malfeitos de seu clã para o trevoso rasgar a fantasia de ente civilizado e reassumir a forma com que veio ao mundo, inclusive com a clava nas mãos. 

A emenda ficou pior que o soneto na segunda-feira, quando a tropa de choque do capitão fez circular um vídeo sugerindo que seu destempero deveu-se na verdade ao comentário que alguém teria proferido — algo como “vou visitar a sua filha na cadeia”. 

A vídeo foi compartilhado inclusive pelo dublê de pit-bull palaciano e vereador carioca Carlos Bolsonaro, o que já bastaria para torná-lo altamente suspeito. Mas o Poder360 presenciou o rompante presidencial in loco e atestou que a frase indicada na legenda não foi dita. Ao desacelerar a reprodução do filme para ouvir o trecho com maior clareza, percebe-se que o transeunte falou em visitar a nossa feirinha da Catedral.

Enfim, trata-se de mais um deplorável episódio que demonstra a total inadequação de Bolsonaro ao cargo de Presidente. Nas palavras do jornalista e acadêmico Merval Pereira, o mandatário de turno é “autoritário, candidato a ditador, não aguenta relações entre instituições e entre opinião pública, acha que não deve satisfação a ninguém, nem que tem de explicar casos como o do depósito de R$ 89 mil, feito por Fabrício Queiroz na conta de sua mulher.”

A esta altura, nem a Velhinha de Taubaté engoliria sem engasgar as explicações contraditórias e inverossímeis de Bolsonaro & Filhos. Fica cada vez mais clara a intimidade do clã com rachadinhas e outras práticas espúrias comuns no meio político, mas nem por isso legal ou moralmente aceitáveis, sobretudo quando os envolvidos são o Presidente da República e seus três filhos com mandato eletivo (que voejam em torno do pai como moscas em volta da merda).  

Bolsonaro ser presidente é a maior prova de que o Brasil está decadente“ — diz Merval Pereira. E completa: “mesmo que numa situação imprevisível, eleito por uma série de circunstâncias políticas, não por ele”. Só faltou dizer com todas as letras o que eu venho repetindo desde sempre: Jair Bolsonaro só foi eleito porque a alternativa que restou no segundo turno conseguia ser ainda pior.

Desgraçadamente, o cenário que se descortina nada tem de alvissareiro. O Messias que não miracula teve uma “epifania” quando viu os milagres que o coronavoucher operou em seus índices de aprovação nas regiões Norte e Nordeste. E daí a abraçar o populismo assistencialista que ele tanto criticou nas nefastas gestões de Lula e Dilma foi um pulo.

O capitão cumpriu sua missão ao evitar a volta do PT. Deveria ter parado por ali. Afinal, ele próprio reconheceu que “nasceu para ser militar, não para ser presidente”. Só que foi picado pela mosca azul e pegou gosto por morar às margens do Paranoá. Mas não é só: o candidato que prometeu pôr fim à reeleição se eleito fosse — que, segundo ele, foi “péssima para o país, pois os governantes se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota para se reeleger” — deu lugar ao presidente que lançou sua candidatura ao segundo mandato no exato instante em que vestiu a faixa.

Da mesma forma que abandonou o discurso contra a corrupção, o capitão diz estar de mãos atadas, pois cabe ao Congresso limar o instituto da reeleição do ordenamento jurídico. Muito conveniente. E do jeito que a coisa vai, não é nada difícil ele conquistar um segundo mandato. Isso se o Brasil durar até 2022, naturalmente.