Com o aval de Bolsonaro, o Congresso havia aprovado o tônico salarial junto com um pacote de socorro financeiro da União aos estados e municípios, que tiveram a arrecadação de impostos mastigada pelo coronavírus. Mas Paulo Guedes convenceu o capitão cloroquina a vetar o reajuste, argumentando que dinheiro reservado para o combate à pandemia não poderia ser usado para fornir o bolso de servidores.
Ao derrubar o veto presidencial e restabelecer o afago ao funcionalismo, que poderia custar R$ 130 bilhões para os cofres públicos, o Senado agiu com
a sensibilidade de uma pedra. Em meio a uma
avalanche, nenhuma pedra se sente responsável, mas nem isso justifica
tamanha irresponsabilidade. Felizmente, a Câmara "corrigiu o erro" e restabeleceu o status quo ante. Sobre a decisão irresponsável dos
senadores, o Posto Ipiranga afirmou que havia sido dado "um péssimo sinal" e que a derrubada do veto fora "um crime contra o país". O próprio Bolsonaro chegou a
dizer que seria "impossível governar” se o veto fosse derrubado.
A substituição do Major Vitor Hugo, do PSL,
por Ricardo Barros, do PP, como líder do governo na Câmara (e a
farta distribuição de cargos e verbas aos partidos do Centrão) parece ter dado
frutos: eram necessários 247 votos para reverter a decisão do Senado, e o
placar foi de 316 a 165 (e 2 abstenções).
Também contribuiu a argumentação que Rodrigo Maia
fez, do alto da tribuna, em defesa da
derrubada definitiva da possibilidade de reajustes às categorias: "Não
é possível que, com mais de 16 milhões de contratos suspensos de trabalho do
setor privado, quase 2 milhões de desempregados [na pandemia] a gente não possa
dar um sinal aos milhões de brasileiros de que o serviço público no mínimo não
dará nenhum tipo de aumento até o próximo ano".
Já a situação de Guedes não é das mais confortáveis. Em
muitos aspectos, as constantes saias-justas fazem aflorar à memória as
desinteligências que culminaram com a demissão de Mandetta e a saparia
que Moro engoliu até finalmente pedir o boné.
Como Diógenes — que andava pelas ruas de Atenas com uma lanterna na mão, em busca da verdade (ou de um homem honesto, a depender de quem conta a história) —, Guedes busca verbas que estariam sobrando (pausa para as gargalhadas, pois verba sobrando, a esta altura do campeonato, só pode ser piada) e poderiam ser realocadas para aplacar o apetite pantagruélico do Centrão.
O apoio do Centrão é fundamental para Bolsonaro se manter no poder, e cargos em estatais são a moeda de troca para obter favores das marafonas do Congresso. Para garantir a manutenção do veto, lideranças governistas atrelaram a negociação a mais recursos do Orçamento deste ano para emendas parlamentares, à prorrogação do auxílio emergencial e até mesmo à possibilidade de Estados e municípios usarem recursos do Fundeb, principal fonte de financiamento da instrução pública, e para o pagamento de aposentados.
Observação: Dito com outras palavras: o dinheiro economizado com a manutenção do veto ao reajuste dos servidores acaba nos bolsos de parlamentares em forma de emendas orçamentárias. Eis aí a "nova política" de Bolsonaro.
Os cortes na Educação dificilmente bastarão para bancar o projeto de reeleição do capitão.
Bolsonaro havia combinado com os governadores que a
proibição de reajustes vigoraria até o final de 2021. Ao roer a corda, os
senadores escancararam dois fenômenos: a fragilidade do bloco que dá suporte ao
governo na Câmara alta e a falta de miolos dos parlamentares que ignoram a
crise ao redor.
Vamos acompanhar e ver que bicho dá.